Pedro J. Bondaczuk
Dia desses, em um dos tantos papos informais com os amigos que costumo ter (e que, talvez, por causa da informalidade, acabam sendo produtivos e sumamente pródigos em termos de geração de idéias), veio à baila uma espécie de balanço do século XX. Concluiu-se, após horas de conversa, que em vários momentos esquentou e derivou para acaloradas discussões (embora sem consenso no final), que esse período, entre outras características que apresentou, teve uma que se constituiu em causa dos sucessivos conflitos no mundo, que o tornaram o mais violento e dramático da história: o das soluções pela metade.
Raros foram os episódios solucionados a contento, ou mesmo de maneira completa. Pelo contrário. Por isso não estranharia se os historiadores, digamos daqui a cem anos, o batizassem, solenemente, de “o século do quase”: quase justiça social, quase paz, quase prosperidade, quase aniquilação nuclear, quase, quase, quase. Exagero? Pensando bem, não! Adiar um problema, diz a lógica mais reles e comezinha, ou mesmo resolvê-lo parcialmente, não é chegar à sua resolução. É só "quase".
Nenhuma questão realmente importante se resolve por si só. Requer, sobretudo, ação, inteligente, continuada e, se possível, consensual. Para citar apenas os grandes momentos desse período, em que se pecou tanto pela incompetência, se pode mencionar o Tratado de Versalhes, por exemplo, que acabou com a Primeira Guerra Mundial, humilhando a Alemanha, mas não impedindo o surgimento de um Adolf Hitler; a criação de impérios artificiais mediante negociatas secretas e acordos espúrios, sem que fosse respeitada a vontade dos povos envolvidos etc. etc.etc. O resultado todos sabem qual foi. Originou a Segunda Guerra Mundial, de tantos horrores, prejuízos e desperdícios e, sobretudo, de 50 milhões de pessoas mortas.
Alguém lembrou que foi o século das revoluções (Bolchevique, Mexicana, Portuguesa etc.) e também dos meros e reles golpes de Estado, rotulados como tal. Uma e outra, todavia, não satisfizeram as expectativas que geraram. Desvirtuadas, morreram, melancolicamente, de morte natural, sem mudar em nada o mundo para melhor. Poderiam ser apontados, talvez, milhares de episódios caracterizados pela ausência de imaginação e falta de bom senso e, principalmente, de soluções paliativas, que não resolveram nenhum dos conflitos surgidos, apenas empurraram-nos com a barriga. Os citados, todavia, são suficientes para explicar muito do que aconteceu na sequência, está acontecendo agora e provavelmente ainda acontecerá no futuro próximo.
Como, por exemplo, as tensões onipresentes e já rotineiras na zona que é a "jugular do petróleo" do Ocidente, o Golfo Pérsico. Ora era o Iraque o vilão da vez, ora era o Irã dos aiatolás (notadamente do mais radical deles, Ruhollah Khomeini), ora foi (e é) o Yemen, ora é o Irã novamente. Qual será a conseqüência desse estado de permanente tensão, que teima em não se atenuar? Quem poderá saber? A mesma realidade (ou bastante pior, sabe-se lá) envolve o “barril de pólvora” do Oriente Médio, com o interminável conflito, que se arrasta desde 1948, entre israelenses e palestinos. Esse estado de beligerância continuada terá fim algum dia? Quem pode prever? Na base do chutômetro, ouso dizer que não terminará nunca. A menos que... Nem quero pensar. A menos que as duas partes se eliminem.
Outra conseqüência de um serviço incompleto foram os movimentos nacionalistas que estilhaçaram a antiga Iugoslávia, a ex-União Soviética e que ameaçam outras tantas federações artificiais remanescentes, criadas como se, para formar uma nação, bastasse somente que um punhado de burocratas insensíveis e estúpidos traçasse algumas linhas apressadas num mapa qualquer. Essas zonas permanecem em latente tensão, que tende, mais dia menos dia, resultar em mais e mais violência. Nem é preciso ser algum profeta para prever isso. Está na cara!
O ensaísta francês Alain Minc abordou os resultados desse tipo de atitude, ou seja, de “soluções” parciais, que nada solucionam, constatando: "Assistimos hoje (no caso referia-se ao fim do século passado) à conjunção de dois fenômenos. Em primeiro lugar, o fim do equilíbrio do terror, que era nossa melhor arma 'antinacional'. Até então, o mundo estava congelado pela dissuasão nuclear em dois grandes blocos: Leste e Oeste. Vivemos assim por 45 anos: a história estava, por assim dizer, petrificada".
Mais adiante, acentuou: "E depois, com o fim de Yalta, a queda do muro de Berlim, eis que ela (a história) sai bruscamente do congelador. As nações retomam seu lugar e acham-se no estado em que estavam antes da longa noite comunista, atordoadas pelas injustiças dos tratados e dos cortes das duas guerras, frustradas por meio século de opressão, com seus reflexos étnicos, mesmo tribais, suas separações religiosas. E temos hoje o direito de perguntar o que pode acontecer entre húngaros, romenos, búlgaros e gregos, sérvios e croatas?". Coisa boa é que, infelizmente, não se pode esperar.
O ensaísta concluiu seu raciocínio advertindo que "riscos inimagináveis há um ano estão prestes a ressurgir". Isto, sem contar os previsíveis, que não são poucos. Recorde-se que esse ensaio foi publicado, se não me engano, dez anos antes do atentado que resultou na destruição sumária das torres gêmeas do World Trade Center, de Nova York, mudando por completo o cenário estratégico mundial, com a nova postura (ainda mais beligerante do que até então) assumida pelos Estados Unidos. Será que a localização e posterior execução do mega-terrorista saudita, Osama Bin Laden, encerrou de vez esse capítulo da história contemporânea? Tenho minhas dúvidas. Tendo a achar que não, porquanto o século XXI começou como terminou o XX: na base do “quase”.
O norte-americano Edward Bellamy, num arroubo futurista, previu, em 1891, no seu livro "Daqui a cem anos": "Com uma lágrima para o passado sombrio, voltemo-nos para o ofuscante futuro e, velando nossos olhos, sigamos em frente. O longo e extenuante inverno da raça terminou. Começou seu verão. A humanidade rompeu a crisálida. Os céus estão diante dela".
Todavia, o retrospecto do século XX, o mais violento da história, e o destes mais de dez anos do XXI, é bem diferente desse sonho delirante, desse arroubo de otimismo sem fundamento na realidade. O jornalista Antonio Torres, numa crônica publicada no suplemento "Idéias" do "Jornal do Brasil", no início dos anos 90, retratou-a assim: "Nós vivemos num século que foi muito rico, produziu grandes mudanças. Mas a gente está chegando ao fim dele como numa espécie de balão que subiu, subiu, e esvaziou. É um século que se despolarizou, encolheu, chegando ao fim meio aquém de tudo que proporcionou". Ou seja, nada do que se começou foi levado até o fim. A expectativa é que este século XXI não reprise o anterior e não seja uma versão ampliada de um “século do quase”. Mas... as coisas, infelizmente, caminham nessa direção.
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