Pedro J. Bondaczuk
A Câmara dos Representantes dos EUA aplicou, ontem, ao presidente norte-americano, Ronald Reagan, a sua maior derrota, em termos de política externa, desde que ele chegou à Casa Branca, ao recusar seu pedido de ajuda aos rebeldes anti-sandinistas, no valor de US$ 14 milhões, por 248 a 180 votos.
Embora essa medida tenha sido aprovada, no mesmo dia, no Senado, por 53 a 46 (a menor margem já obtida pelo líder republicano na casa, controlada pelo seu partido), o auxílio aos “contras” acabará, mesmo, sendo engavetado. Para que se convertesse em lei, seria necessário que tivesse a aprovação em ambas casas legislativas.
Muita gente não entendeu o motivo de tanta celeuma em torno de uma quantia que, se é alta para uma única pessoa (no meu caso, por exemplo), se mostra extremamente irrisória, até mesmo ridícula, em se tratando do financiamento de armamentos para uma guerrilha.
Os anti-sandinistas, compostos, em sua maioria por ex-somozistas, que perderam seus privilégios quando o ditador Anastásio Somoza foi deposto, em 1978, já receberam cerca de cinco vezes mais do que isso desde 1981, quando Reagan decidiu derrubar o regime nicaragüense.
O que estava em jogo, no Capitólio, na verdade, não era somente a liberação dessa importância aos rebeldes, comparados (inoportunamente) pelo presidente norte-americano aos grandes patronos da liberdade dos EUA, como George Washington, Benjamin Franklin ou Laffayette.
O que a Câmara de Representantes (que não morre de amores por Daniel Ortega e seus partidários) decidiu, é que a superpotência ocidental não pode continuar intervindo, ao seu bel prazer, nas sociedades nacionais que não pautem suas regras de conduta segundo sua própria cartilha.
Aliás, fossem outros os tempos, o assunto nem mesmo seria levado a debate e nem mobilizaria, como fez, a opinião pública norte-americana. Os marines de Tio Sam simplesmente desembarcariam no país cujo regime não fosse aquele que os EUA desejassem, e lá permaneceriam até a instalação de um governo que lhe fosse dócil.
O que alterou o comportamento (do qual a República Dominicana foi, há exatos vinte anos, vítima) foi, certamente, a desastrada campanha norte-americana no Vietnã. Mas não são apenas os EUA que inda se julgam, escudados no argumento da força, com o direito de ditar normas de conduta a outros povos.
Os soviéticos, muito mais cruéis, nem esperam que a população dos países que invadem escolha governantes afinados com seus princípios. Subjuga-os, simplesmente, descaracterizando até mesmo o status de independentes que esses infelizes aliados antes ostentavam.
Quem sabe se, com a teimosia dos afegãos, que há cinco anos lutam, cada vez com maior empenho, para os expulsar de sua pátria, eles também acabem aprendendo alguma coisa e se submetam às leis internacionais, que existem, mas raramente são obedecidas.
Em suas aventuras intervencionistas anteriores, a resistência encontrada foi algo menos do que simbólica, representada por meia dúzia de idealistas extremados, como o checo Jan Palach, em 1968, que se imolou, ateando fogo ao próprio corpo, para chamar a atenção do mundo sobre o que estava acontecendo em seu país.
No geral, com menos de uma semana, os russos sempre conseguiam dominar a situação e voltar para casa, não sem antes deixar, como advertência, alguma terrível ameaça aos povos subjugados, e após colocar nos cargos-chaves da administração seus fantoches.
É verdade que a América Central é uma região muito importante, em termos estratégicos, para os EUA. Mas não é segredo para ninguém que os norte-americanos jamais se preocuparam em desenvolver essa área, hoje uma das mais miseráveis de todo o Planeta. E como é que pode se sentir um favelado, para quem falte, até mesmo, o alimento para sobreviver, que tenha o seu barraco nas vizinhanças de uma suntuosa mansão, onde tudo é desperdiçado estupidamente?
Pois é desta maneira que, certamente, os centro-americanos se sentem, tendo por vizinho o país mais rico do mundo. A única intervenção que poderá pacificar, de vez, a América Central, não é a dos soldados, tanques e outras poderosas máquinas de guerra. É a de médicos, educadores, sanitaristas e investidores, que absorvam os imensos contingentes de desocupados e sub-ocupados da região. Tudo o mais que se fizer, fora disso, será mero adiamento para o surgimento de dezenas, centenas até, de enganadoras frentes de libertação nacional.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 25 de abril de 1985).
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