Pedro J. Bondaczuk
A capital paraguaia foi palco, ontem, de uma insólita passeata. Doze mil mulheres saíram às ruas para manifestar o seu apoio ao presidente Alfredo Stroessner, que caminha celeremente para igualar, em tempo de duração no poder, a ditadura franquista na Espanha. O estrangeiro que passasse por Assunção e visse essa marcha, e que além de tudo não conhecesse nenhum retrospecto do que ocorre no Paraguai, seria capaz de pensar que o seu governo é extremamente popular. Que conta com a adesão da totalidade da população e que o país é um paraíso democrático, bem no coração da América do Sul. Pelo menos essa foi a impressão que esse ato pretendeu passar.
Entretanto, quem acompanha (por gosto ou por dever de ofício) o panorama político mundial, especialmente o sul-americano, sabe que a coisa não é bem assim. Que existe muito descontentamento entre o povo paraguaio com a forma como a nação vem sendo dirigida. E especialmente com os vários episódios de desrespeito aos direitos humanos, fartamente denunciados por entidades que tratam desse assunto em âmbito internacional.
Por essa razão, o crítico desconfia, logo de início, que deve ter havido algo por trás de tão insólita manifestação. Mesmo o estrangeiro que estivesse em Assunção assistindo a esse ato de apoio, se fosse um pouquinho observador, iria estranhar alguns fatos. Por exemplo, se a popularidade do presidente é tão grande quanto se procurou demonstrar (e a passeata foi devidamente arranjada para consumo externo, com fins propagandísticos), como se explica que ele tivesse a necessidade de contar com tantos guardas de segurança à sua volta no palanque?
Posteriormente, juntando informações esparsas, o quadro todo acabará por se aclarar com a maior facilidade. Inúmeras paraguaias, especialmente funcionárias públicas, denunciaram a existência de pressões para que participassem do desfile. As que se negaram a aderir, foram ameaçadas de ficar sem trabalho.
Essa atitude faz bem o gênero de um presidente que, nos trinta e dois anos de seu governo, vem renovando, religiosamente, a cada três meses, o estado de sítio no país. Fazendo as contas, o leitor chegará, com facilidade, à conclusão que 128 decretos de renovação dessa medida de exceção (ou algo próximo a isso) já foram assinados desde 1954, numa média de quatro por ano.
Esse tipo de pressão contra as mulheres que servem o Estado também se enquadra nas atitudes que se poderiam esperar de alguém que já encarcerou 10% dos paraguaios por motivos políticos. Conforme denúncias da organização norte-americana de direitos humanos America's Watch, trezentas e sessenta mil pessoas no Paraguai, numa população de três milhões, passaram pelas prisões do regime nos últimos 32 anos. Porcentualmente, esse deve ser, seguramente, um recorde mundial de repressão. Ou se não for, deve andar muito próximo dele.
É por esses engodos, manobras e acertos que o monsenhor Mário Melanio Medina não conseguiu se furtar, no mês passado, de um desabafo a respeito do que ocorreu em seu país. Foi, certamente, uma declaração dada muito a contragosto, com dor no coração, pois como bom patriota que é, com certeza ele gostaria que as coisas fossem diferentes. Que a sua gente tivesse, a curto prazo, perspectivas mais animadoras.
Mas as evidências levaram o sacerdote a dizer que "o Paraguai é o país do medo, um país cujo povo foi domesticado". A passeata de ontem veio confirmar, na íntegra, suas afirmações. Apoio e popularidade só se conseguem legitimamente nas urnas, em eleições livres, com a participação plena da oposição.
Nesse aspecto Reagan tem razão quando se refere, por exemplo, à Nicarágua. Mas ele deveria prestar, também, um pouquinho de atenção no Paraguai, para que seu empenho democrático se consolidasse em credibilidade, que o presidente norte-americano conseguiu nos episódios do Haiti e das Filipinas.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 12 de junho de 1986)
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