Saturday, August 25, 2012

Literatura positiva

Pedro J. Bondaczuk

Dia desses, numa dessas reuniões descontraídas e descompromissadas de amigos, de pessoas que se gostam sem precisar explicar e nem justificar porque, foi levantado o tema da leitura. Informo ao leitor que a maioria dos presentes era constituída de escritores. Nada mais natural, portanto, que o assunto viesse à baila, com cada qual enfatizando não somente a importância dessa necessária (diria indispensável) “ginástica” do espírito, mas opinando sobre o que poderia e deveria ser feito para estimular mais e mais pessoas a lerem. A maioria das opiniões foi óbvia. Todavia, extraí preciosas lições desse papo informal, cujo conteúdo peço licença para partilhar com vocês.

Gosto desses encontros não programados, fortuitos, casuais em que se fala de tudo, desde trivialidades do cotidiano, passando por disparates e tolices explícitas, a temas transcendentais e não raro surpreendentes nesse tipo de reunião. Aprendo, nessas conversas com amigos (evidentemente sem pauta) espontâneas ao limite da espontaneidade, não raro, mais do que em sisudas palestras (algumas delas, claro), conferências, simpósios, o escambau.

Não generalizemos, contudo. Nem toda reunião formal é chata e modorrenta e nem toda conversação informal é genial e minimamente útil. Nem tanto ao céu e nem tanto à terra. Na verdade, esta última, a informal, que seja minimamente proveitosa, é raridade. Mas... quando as circunstâncias favorecem, são um banho de cultura e de informação, com a vantagem sobressalente de ser de graça. O custo fica por conta das bebidas e tira-gostos pagos pelos que eventualmente os consumirem (se o fizerem). Claro, depende dos participantes e do nível cultural que tenham.

Mas, voltando à reunião a que me refiro, a certa altura cada qual tentou explicar, à sua maneira, por que lê ou deixa de ler. Não as repito por serem todas as mesmas já tratadas à exaustão neste espaço. Uns destacaram o alto preço dos livros no País para explicar o baixo índice de leitura do brasileiro, obstáculo que alguém do grupo contestou, explicando que muitas obras-primas da literatura mundial podem ser encontradas em sebos, a preços ínfimos e portanto acessíveis a todos os bolsos. Outro acrescentou que hoje já há e-books gratuitos, de diversas dessas preciosidades literárias, o que possibilita, a quem de fato se interesse em lê-las, formar uma biblioteca eletrônica considerável, que nada fique a dever às mais refinadas.

Eu, da minha parte, recorro com freqüência a esses dois expedientes, posto que apenas a título complementar. A despeito do custo, que também considero elevado, adquiro, mensalmente, uma quantidade bem razoável de lançamentos nas livrarias. Ou seja, enriqueço meu acervo com um mix composto tanto de livros econômicos (quando não gratuitos) quanto de outros que, reitero, são muito caros.

Entre as opiniões emitidas, uma, em especial, chamou-me a atenção. Foi a de um dos amigos que mais prezo que, no entanto, não é escritor. E mais, sequer é leitor. Pelo contrário. Detesta a leitura de livros. Instado a explicar a razão de não cultivar esse hábito, para nosso assombro (e escândalo de alguns dos presentes), declarou detestar literatura. Afirmou julgá-la uma inutilidade, salvo em raras exceções, e em alguns casos disse julgar que ela é até prejudicial. Justificou dizendo que a maioria dos livros que são publicados trata das mesmíssimas coisas que o noticiário do dia a dia, não importa utilizando qual mídia, embora de forma ficcional. Que nos traz, apenas, violências, corrupção, crises, miséria, patifarias, vícios, enfim, o reflexo do mundo como ele é, não como gostaríamos que fosse. Desabafou dizendo que isso o incomoda.

Foi um burburinho geral. Pudera! Ele fez esse desabafo numa roda em que a maioria dos presentes era de escritores. Censuras e mofas, portanto, não faltaram ao meu amigo. Só faltou, mesmo, ser linchado. Mas sofreu um linchamento moral. O mínimo que lhe insinuaram foi que era um ignorante e alienado sem remissão, que fazia questão de permanecer nesse estado de perpétua “escuridão”. Exagero, claro. Tentei defendê-lo. Em vão!

A literatura traz, sem dúvida, à baila, todos os vícios e contradições humanos que apontados pelo meu amigo. Todavia, no caso, não é o espelho que é defeituoso. O defeito está no que ele reflete. O homem é que é assim. Ademais, há livros e livros. Esse é o risco das generalizações. Ou seja, o de colocar, no mesmo balaio, o que presta e o que não presta. Há, sim, livros que destilam veneno e amargura da primeira à última página. Mesmo nestes, todavia, se os lermos atentamente, há duas características sempre presentes: alegria e amor. Estranharam? Leia-os com atenção.

Mas há também livros que nos alegram, ensinam, consolam, orientam e levantam nosso astral. Recomendo a leitura de ambos. Não devemos fugir da realidade, por mais horrenda que ela se apresente, mas conhecê-la a fundo, e nos dois aspectos em que ela se mostra, ou seja, no positivo e no negativo. Alguns (por questão até de temperamento) concentram sua atenção apenas no que é ruim, perigoso e não raro letal. É um erro! Outros agem de forma diametralmente oposta. Também estão errados. A vida não é nem o mal que os primeiros crêem que seja e nem o paraíso que os segundos pretenderiam que fosse (antes estivessem certos).

Anotei algumas citações feitas no referido encontro, muitas das quais nunca havia lido e nem ouvido em palestras, conferências, simpósios etc. Aprendi muito com essa verdadeira aula de sabedoria e bom senso, sem pauta e sem programação prévia, rigorosamente espontânea. Sinto-me privilegiado por isso. Um dos interlocutores, por exemplo, citou Johann Wolfgang Göethe: “A alegria e o amor são duas asas para as grandes ações”. E não são?! Outro lembrou do sisudo Friedrich Nietzsche que escreveu: “O amor não é cego, como dizem. Vê mal porque sua própria grandeza nos deslumbra”. E não é verdade? Um terceiro citou trecho de um poema de Khalil Gibran Khalil, justificando o fato da literatura nem sempre ser alegre e positiva: “Protegei-me da sabedoria que não chora, da filosofia que não ri e da grandeza que não se inclina perante as crianças”. Lindo, não é mesmo? E reflete a caráter nossa atividade.

A citação que mais me chamou a atenção, todavia, foi a do eminente filósofo francês, Paul Ricoeur, que resume, a caráter, a natureza e a importância da Literatura: “Fabricando mitos, intrigas e metáforas, a imaginação dá forma à experiência humana”. É para isso que ela serve. Provavelmente o amigo, que detesta a leitura de livros, não saiu desse nosso encontro mudado, ou seja, ávido e fanático leitor. Talvez até se torne mais avesso ainda à leitura, principalmente depois de ser tão espinafrado. Mas... duvido que até ele não tenha voltado para casa um pouco mais enriquecido espiritualmente, e por isso engrandecido, com as opiniões (na verdade magna aula,posto que informal) não especificamente sobre literatura, mas sobre a vida e suas nuances. Eu saí.

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