Pedro J. Bondaczuk
A Rede Globo prestou, nesta sexta-feira, justa homenagem a um dos compositores brasileiros de maior importância em todos os tempos. Trata-se de um gênio musical que parece trazer o ritmo gostoso e bem balanceado dos morros cariocas e da Zona Sul da Cidade Maravilhosa nas veias. É um artista que, graças ao seu modo de compor, conseguiu modificar conceitos estéticos até mesmo em âmbito mundial, fazendo com que o Brasil, no plano artístico, fosse conhecido e divulgado muito além fronteiras. Com o programa “Antonio Brasileiro”, a emissora reconheceu o bom trabalho prestado por Antonio Carlos Jobim em quase quatro décadas de intensa inspiração.
Além de ressaltar o seu imenso talento, sobejamente conhecido e jamais questionado (e nem se poderia atrever a questionar), a Globo mostrou, também, aspectos do homem, e não só do compositor. Destacou características do amante da natureza e das coisas bonitas que a vida tem para oferecer. Trouxe a público o perfil do cidadão, com uma cabeça maravilhosa, que sabe compreender a evolução dos tempos e se integrar nela, sem recalques, remoques ou sobressaltos. Revelou a grandeza da alma desse apreciador de pássaros, de plantas e, principalmente, das boas amizades.
Falar da importância de Antonio Carlos Jobim para a música popular brasileira chega a ser ate redundante. Basta ouvir o que ele já fez, principalmente quando formou aquela genial parceria com o saudoso poeta Vinícius de Moraes, na época, disparadamente, a mais criativa da MPB. Hoje, esse carioca pacato, que chega aos 60 anos aparentando não mais de 40, é um nome conhecido mundialmente, principalmente entre os grandes mestres do jazz. No período da Bossa Nova (movimento surgido em fins dos anos 50 e princípios dos 60, espontaneamente, sem nenhum ponto de partida ou qualquer inspirador específico, numa explosão de criatividade nacional poucas vezes vista em nossa história artística e cultural) seus trabalhos ultrapassaram fronteiras. E graças à sua rara qualidade musical, eles abriram, para o músico brasileiro, o rico e tentador mercado norte-americano.
O programa da Globo, enfatize-se, foi muito bem produzido. É digno de ser gravado em vídeo e conservado como importante documento da história da MPB que, embora tendo que disputar, em desvantagem, espaços dentro do próprio País, diante de uma enxurrada de péssimas cacofonias, impingidas como músicas, mas que não passam de arte tipo prêt-à-porter, do “use e jogue fora”, tem e sempre terá seu lugar reservado no gosto e na preferência das pessoas de bom gosto. Foi muito bom, também, o reencontro do telespectador com artistas como Edu Lobo, por exemplo, que andava sumido, há tempos, da telinha da TV.
O ideal seria que a Globo – e não somente ela, mas também outras emissoras – se dedicassem mais a produções desse nível. É evidente que programas, como esse, não atingem o grande público e têm audiência restrita. Mas temos que preservar o que de mais autêntico e criativo nós temos em nossa cultura. É preciso fazer uma espécie de educação das massas. Não podemos descartar o passado e considerá-lo imprestável e que deva, necessariamente, ser descartado ou deixado de lado. Está mais do que na hora de mudarmos nosso perfil de “povo sem memória”
O momento que as artes nacionais atravessa é de crise, como ademais o é em várias outras atividades. Há uma espécie de marasmo artístico, de preguiça e até de mesmice. Há tempos que não surge nada de novo e de qualidade incontestável, que venha para ficar. Não tenho nada contra a música chamada de “jovem” (cuja designação, por sinal, é imprópria, posto que o genuíno trabalho artístico não tem idade), mas está na hora de ocorrer uma vigorosa virada. E nada melhor para estimular os talentos escondidos e/ou reprimidos do que o exemplo deste lídimo símbolo de qualidade e perpetuidade da MPB, do carioca e brasileiríssimo Antonio Carlos Brasileiro Jobim.
(Comentário publicado na editoria de Artes, do Correio Popular, em 31 de maio de 1987).
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