Pedro J. Bondaczuk
Os festivais de música popular no Brasil tiveram uma importância, para a cultura nacional em sentido genérico, que só agora está sendo dimensionada e colocada nas devidas proporções. Foram eles que lançaram e consolidaram movimentos, revelaram compositores, projetaram músicos e cantores e foram vitrines para vários artistas do meio.
Fizeram a alegria do povo há 20 anos. Dois festivais, muito em especial, adquiriram importância de maior relevo. E não somente pélass composições em disputa, de altíssimo nível artístico, mas poor causa do grande interesse popular que despertaram. O segredo foi simples: um eficiente processo de divulgação. Refiro-me aos festivais promovidos pela TV Record, em 1065, e pela TV Excelsior, em 1066.
A Rede Globo, no ano do seu 20º aniversário de fundação, destinou um super festival que, com muita pertinência, é denominado de “Festival dos Festivais”, para ser uma das principais atrações da programação comemorativa da emissora . Afinal, o Brasil é um país constituído, em sua maioria, por jovens e as música transformou-se, de duas décadas para cá, numa segunda língua nacional que possibilita, a esse contingente imenso de pessoas, uma comunicação direta, imediata e total. Acrescente-se a isso o fato de 1985 ser considerado, pela Organização das Nações Unidas, o “Ano Internacional da Juventude”. Nada melhor para marcá-lo, pois, do que a devida valorização da manifestação musical.
Mas o “Festival dos Festivais”, embora venha, provavelmente, a contar com maior interesse da faixa jovem da população, não se destina, óbvio, apenas a ela. Pelo visto, os outrora chamados jocosamente de “coroas” (hoje quase já não se utiliza essa expressão para designar os que passaram da casa dos 30 anos), também terão a sua vez. Se não for no festival propriamente dito, será, pelo menos, na série documental que a Globo organizou e cujo segundo programa, de extraordinária qualidade, foi ao ar no domingo passado.
Muita gente teve a grata oportunidade de matar as saudades da grande competição musical promovida pela TV Record, em 1965, que projetou para o estrelato Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Carlos Paraná, Jair Rodrigues, Nara Leão e tantos outros. Foi com o programa “Banda versus Disparada”, as duas composições que na oportunidade agitaram multidões e opuseram torcidas organizadas, que fizeram com que a paixão pelo futebol brasileiro (coitadinho, anda tão por baixo ultimamente) ficasse, m,esmo que momentaneamente, ofuscada.
Mas a Glçobo não se restringiu a, simplesmente, exibir o tape da histórica competição musical, o que seria bastante cômodo, mas pouco imaginativo. A emissora praticamente reconstituiu o clima da época, ouvindo as personagens que3 deram vida ao espetáculo, entre as quais pessoas que estiveram na platéia de então engrossando as torcidas organizadas. E sentimos o quanto o tempo pode afetar nossa memória fazendo com que as lembranças fiquem esmaecidas, misturadas com fantasias e com inexpli9cáveis “acréscimos”.
Mesmo os que estiveram no auditório da TV Record não conseguiram afirmar, com absoluta certeza, qual a composição vencedora do festival. E foi com essa fragilidade da memória que a apresentadora do programa, Débora Bloch, com a vivacidade característica dos jovens, brincou o tempo todo. Foi desfilando as atrações de 20 anos atrás, entrevistando Randal Juliano, Branca Ribeiro, pessoas que compuseram o corpo de jurados, gente que participou, de uma maneira ou de outra, da competição na platéia, na orquestra ou no palco, dando chances para que nós, telespectadores, nos lembrássemos do resultado. Entre um quadro e outro, repetia a questão: “Banda” ou “Disparada”, deixando-a como gancho para o segmento seguinte.
Muita gente acertou o resultado desde o começo. Ou por “chute”, ou por ter memória privilegiada, dessas que retêm, com detalhes, datas, nomes, fatos e outras espécies de informação. Alguns preferiram não forçar a barra e esperar o fim do programa. Mas a maioria tinha absoluto desconhecimento de qual das músicas foi a vencedora , até porque nem mesmo era nascida na época. Débora soube conduzir, com seu inegável talento, o nosso interesse até a “grand finale”. Que acabou, convenhamos, surpreendendo a muitos.
Tenho, apenas, uma pequena crítica a fazer. Não ficaram muito claros, para alguns, os papeis de Caetano Veloso e de Gilberto Gil, por exemplo, naquele festival. Qual a colocação dos dois? Como foi a sistemática daquela disputa? Quantas categorias de prêmios havia? Mas a ausência dessas informações não anulou o lirismo da apresentação e nem diminuiu a saudade dos anos que passaram sem que nos apercebêssemos, entretidos que estávamos com o supérfluo, que então julgávamos ser o essencial.
Foram tempos difíceis, sem dúvida. Se bem me recordo, o País passava por uma crise muito parecida com a atual, com altas taxas de inflação, desemprego e restrições à liberdade, principalmente a de expressão. Mas nosso ânimo era diferente. Vivíamos aquela fase em que nos julgamos indestrutíveis e poderosos a ponto de mudarmos o mundo.
Se os próximos quatro programas dessa série documental, que antecede o “Festival dos Festivais”, forem de igual densidade, teremos a oportunidade de conhecer um pouco da história da nossa cultura contemporânea. E, por extensão, vamos ter a chance de resgatar, em nossa memória, um trecho da nossa vida, que então parecia, muitas vezes, monótona e descolorida, mas no qual (conforme diz a letra do mestre Ataúlfo Alves), “nós éramos felizes, e não sabíamos”.
(Comentário publicado na editoria de Artes, do Correio Popular, em 31 de maio de 1985).
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