Pedro J. Bondaczuk
A boca fica seca, as mãos trêmulas, o coração disparado, sua-se frio, o rosto fica pálido e é possível até sentir a adrenalina correndo através das artérias e das veias, como torrentes de fogo. Esta é a sensação que se tem diante da mira de um revólver – que nos seja apontado por alguém em alguma rua escura, ou no recesso do nosso lar, ou em qualquer lugar ou circunstância – ou da iminência de uma agressão. Tem um nome curtinho e é uma das emoções básicas, que ao lado da ira, do amor e do senso do dever constitui, na classificação do psicanalista Emílio Mira y Lopez – autor de um clássico sobre o assunto – o grupo dos "quatro gigantes da alma". Seu nome? MEDO!!!.
É o mecanismo com que a natureza nos dotou para garantir nossa preservação física. Sua exacerbação recebe as designações de "pânico" e de "terror". É capaz de causar estado de choque no indivíduo e até conduzi-lo à morte. Mira y Lopez diz que a energia que ele mobiliza e veicula "é tão grande que tudo o que o homem tenha feito, de bom ou de mau, sobre a Terra, se deve levar, fundamentalmente, à sua conta".
Diante do perigo concreto, as reações variam. Dependem das circunstâncias, em alguns casos. Em outros, ficam na dependência dos reflexos de cada um. Duas vontades antagônicas nos assolam: a de fugir e a de reagir. Quando se trata do medo "normal", temos ainda condições para ponderar sobre o que é melhor e mais prudente. Em caso contrário... Numa fração de segundos, lembramo-nos das pessoas queridas, pais, mulher, filhos e o que significaria para eles a nossa morte.
Em um assalto, em geral, optamos por entregar tudo o que o indivíduo armado nos pedir. Isto se não estivermos tomados pelo pânico. Mas se estivermos, poderemos ou tentar correr, o que pode ser fatal, ou reagir e agredir quem nos ameace, que igualmente é uma atitude perigosa de resultado imprevisível. Tanto podemos matar, quanto morrer.
É importante que essa avassaladora emoção, esse impasse em que a vida e a morte ficam diante de nós, seja devidamente conhecida, para depois ser racionalizada e, se possível, posta ao nosso serviço como natural forma de proteção e de autopreservação e não descambe para o terror, para o pânico, que venha a atuar contra nós. Ao escritor, esse conhecimento é fundamental, para a construção de personagens autênticos, com reações e atitudes verdadeiramente humanas e que, por isso, sejam verossímeis.
O mundo é, sempre foi e (temo) infelizmente sempre será violento. Motivos para sentir medo, portanto, nunca nos faltarão. Os números frios mostram que, notadamente nas grandes cidades, raros são os cidadãos que não foram assaltados pelo menos uma vez. Alguns o foram duas ou mais. Portanto, boa parte deles viveu a dura realidade de sentir intenso medo diante de uma arma, não raro apontada por um psicopata tomado de pânico, o que torna a situação muito mais perigosa e imprevisível.
Mas não é apenas essa circunstância que nos atemoriza e não raro traumatiza para o resto da nossa vida. São tantas as que podem nos desafiar, que é impossível resumi-las com razoável precisão. De tempos em tempos, por exemplo, é deflagrada uma onda de seqüestros que perdura por meses e até por alguns anos, e depois pára. O colunista do "The New York Times", Tom Wicker, constata a propósito: "A política do crime é simples e cínica: apenas responde ao medo de que o público tem do crime".
Nas grandes cidades tornaram-se comuns os seqüestros-relâmpagos, em que as vítimas permanecem em mãos de captores o tempo suficiente para estes sacarem o dinheiro que eventualmente tenham em algum banco. Tornaram-se delitos tão corriqueiros, que nem são mais noticiados pelos meios de comunicação.
Quanto maior for o temor da população por determinado tipo de crime, mais possibilidades ele tem de ser repetido. É evidente que um seqüestro assusta, não apenas quem é vitimado por ele, como também a família. Sua lógica é a mesma que move os atos terroristas: o despertar do terror.
O que seria necessário fazer, de alguma maneira, era transferir esse temor das vítimas para o criminoso em potencial. Não basta somente o agravamento de sua pena, se ele conta com regalias (como tem agora), durante seu encarceramento. Muitos dos casos de seqüestro (e de outros tantos delitos) foram, comprovadamente, planejados dentro de penitenciárias. Como isso acontece? É a pergunta que, certamente, todos fazem e que seria oportuno que alguém respondesse. O fato é que acontece!
As grandes concentrações urbanas, características do nosso tempo, são insalubres, sob praticamente todos os aspectos, e impróprias para uma vida civilizada, a despeito das aparentes facilidades e confortos que propiciam. O grande problema é que somente minorias têm acesso aos bens e serviços do aparato urbano. A imensa maioria mora mal, tem dificuldades de locomoção, conta com renda insuficiente (isso quando tem alguma) para satisfazer até as necessidades básicas da sobrevivência etc. etc.etc.
A maior parte dessas pessoas convive com a miséria, mas batalha mesmo assim, em condições tão desfavoráveis, e sobrevive com certa dignidade e honestidade. Alguns conseguem evoluir e até ascender econômica e socialmente. Muitos, todavia, optam pela marginalidade. Por razões que não cabe aqui discutir, descambam para o crime. Declaram “guerra” aos semelhantes, valendo-se, sempre, da estratégia do medo. Atemorizam suas vítimas e tornam os demais cidadãos em vítimas potenciais. Como? Pelo medo que as pessoas passam a sentir de serem assaltadas, seqüestradas etc.
Eça de Queiroz, no livro “A Cidade e a Serra”, diz que em tais aglomerações o homem perde “a força e a beleza”. E acrescenta: “Na cidade, findou sua liberdade moral; cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior... a sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel...A sua tranqüilidade, onde está?” Não está! Não existe!
Nem os mais peritos autores de histórias policiais, como Agatha Christie ou Conan Doyle, seriam capazes de imaginar cenários e enredos tão inverossímeis como os episódios de violência urbana que já findaram por se incorporar ao nosso cotidiano. E de tal forma, que os consideramos episódios “normais” do dia a dia. Claro que não são, ou pelo menos não deveriam ser. Mas ocorrem de fato, e de forma repetitiva. Isso comprova que o escritor russo, Fedor Dostoievsky, não fez apenas uma frase de efeito, mas expressou grande verdade, quando constatou que "não há nada mais espantoso do que a realidade".
As vítimas (reais ou potenciais) jogam, involuntariamente, uma "roleta russa", cujos resultados são sempre imprevisíveis. Dependem do ânimo, ou do pânico, de quem lhes aponte uma arma. Muitas vezes, porém, sequer há tempo para o medo. Principalmente quando ocorre um ataque de surpresa, que é o mais comum de acontecer. O medo, nestes casos, não raro vem depois. Claro, se a pessoa atacada sobreviver. E o trauma da agressão permanece para sempre. Este é um assunto desagradável, eu sei, mas que não deve e não pode ser ignorado, por se constituir em nossa violenta e atemorizante realidade cotidiana.
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