Pedro J. Bondaczuk
O mundo, ontem, fez uma pequena pausa para meditar no que os homens sempre viveram apregoando ser o seu objetivo maior e que, no entanto, na prática, jamais fizeram algo de efetivo para a sua obtenção e conservação. Lideres religiosos, representando cerca de 3,5 bilhões de fiéis (70% de toda a população do Planeta), deram-se as mãos, numa inédita aliança, para um dia de jejum e de orações. E para uma reflexão profunda acerca dos riscos a que uma atitude de intolerância e de confronto expõe, não somente as superpotências, ou alguns dos hemisférios, ou determinadas regiões específicas da Terra, mas a própria vida.
Cerca de 160 dirigentes religiosos, de todas as partes, afluíram à pequena Assis, na Úmbria, zona central da Itália, para rezar pela paz. Essa palavrinha tão simples, que na língua portuguesa é tão pequena, grafada com somente três letras, como se cada uma delas simbolizasse uma das pessoas da Santíssima Trindade, desde o início das primeiras civilizações tem sido (pretensamente) o ideal supremo do homem. Constituiu-se num objetivo a ser atingido, mas que raramente tem sido alcançado. Através de milênios da História, ela não tem passado de brevíssimo hiato entre uma guerra e outra.
Para que a paz prospere, é indispensável que se satisfaçam alguns pressupostos básicos. Entre estes, um dos fundamentais, é o respeito ao Direito, em seu sentido mais amplo, ou seja, aquele natural, com o qual todos nascemos, que até dispensa ser escrito em códigos e leis, de tão óbvio que se configura.
É a prática da liberdade, ampla e irrestrita, que não compete a ninguém cercear ou negar. É a execução do tão falado, e pouco praticado, princípio cristão do “faça ao próximo aquilo que você desejar que ele lhe faça”.
Só com a aplicação dessas regrinhas, de uma simplicidade franciscana, que em raríssimas ocasiões e sociedades foram respeitadas, a paz tem alguma chance de existir. Seu sentido, na verdade, foi desvirtuado ao longo do tempo. Cada qual passou a interpreta-lo à sua maneira, de conformidade com suas conveniências.
Para os romanos, por exemplo, aqueles que a quisessem deveriam estar preparados para a guerra. Esses nossos antepassados achavam que esse era o único caminho seguro para se assegurar um duradouro estado de não-beligerância. Ou seja, guerreando. E a “pax” que impuseram a outros povos foi muito cruel e dura. Consistiu na chamada “paz dos cemitérios”, em que nações inteiras foram varridas do mapa, a ferro e fogo, apenas para que o poder e a grandeza de Roma não se vissem contestados por ninguém.
No mundo contemporâneo, tão dividido e marcado por tantos e sangrentos conflitos, essa ainda é, desgraçadamente, a forma de pacificação que se pretende implantar, embora se negue isso enfaticamente. Mais de mil confrontos localizados, restritos a uma ou outra região, verificados nos últimos 41 anos, mataram mais pessoas do que as duas guerras mundiais da primeira metade deste século, juntas.
Revoluções, golpes de Estado e desentendimentos entre países se multiplicam, geralmente por motivos fúteis, registrando, atualmente, a cifra de mais de quatro dezenas, em todos os continentes. Como se vê, só mesmo a oração é a última esperança que nos resta de concórdia, já que a diplomacia tem fracassado em levar os povos ao entendimento e tem sido substituída, em nosso cotidiano, pelo argumento das armas, pela voz sinistra dos canhões e pela lei primitiva e selvagem do mais forte.
Enquanto houver multidões morrendo de fome, em meio à fartura e ao desperdício de tantos; enquanto pais de família continuarem impossibilitados de sustentar os filhos por falta de emprego e de renda, em virtude de políticas perversas, praticadas por grupinhos poderosos; enquanto países que se enriqueceram às custas da exploração seguirem saqueando os desvalidos ou os menos esclarecidos, esse anseio do homem pela paz continuará sendo, apenas, uma remota esperança, como a do Papa e dos líderes religiosos que oraram, ontem, em Assis.
Não passará de um objetivo remotíssimo, virtualmente inalcançável e, sobretudo, utópico. E a paz continuará sendo, somente, uma palavrinha curta, carregada de tanto simbolismo, bonita de ser pronunciada, mas esvaziada em seu conteúdo pela maiúscula estupidez humana.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 28 de outubro de 1986)
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