Pedro J. Bondaczuk
A Literatura é uma atividade das mais complexas e, para que se realize, requer uma quantidade razoável de agentes. Os dois principais, interdependentes, são o óbvio dos óbvios: o escritor e o leitor. Um não existe, claro, sem o outro. Caso não haja quem escreva, o que lê não terá o que ler. Todavia, se não houver leitor, qual será a utilidade do escritor? Nenhuma, claro. Portanto, a existência de um depende de existir, também, o outro e vice-versa. É como aquela velha e surrada questão: “quem nasceu antes, o ovo ou a galinha?” No nosso caso, porém, entendo, até por questão lógica, que o escritor precede o leitor. Ou não?
Há, claro, inúmeros outros agentes da Literatura, tão óbvios que até dispensariam menção. São os casos do editor, do revisor, do impressor, do capista, do encadernador, do livreiro, do marqueteiro e... do crítico. Este último, posto que odiado por todos, por motivos diferentes, é encarado pelos que não o apreciam e apenas o toleram como “mal necessário”. Eu não iria a esse extremo. Muitos não vêem a menor necessidade da existência desse personagem. Eu vejo. Trata-se do sujeito que nos devolve à realidade.
Nós, escritores, somos, por natureza, sonhadores. Quando concluímos um livro (e quem é do ramo sabe os sacrifícios que isso implica), logo o consideramos uma obra-prima, original e inigualável. Na nossa cabeça, todos irão querer comprá-lo e ele se transformará, num piscar de olhos, em best-seller. Claro que as coisas não são bem assim (antes fossem). Temos a tendência, até por vaidade, de achar que o que escrevemos é o suprassumo da perfeição. É preciso que haja o crítico para nos devolver à realidade, apontando, com argumentos objetivos, sólidos e irretorquíveis, nossas falhas, deficiências e contradições. Isso dói demais, fere profundamente nosso exacerbado ego. Mas... é parâmetro seguro para assegurar nossa maturidade e aperfeiçoamento.
Claro que há o outro lado da moeda. Muita coisa que fazemos, na redação do nosso livro, nos deixa inseguros, com a impressão de se tratar de grande bobagem, que deveríamos suprimir, mas que não suprimimos. Todavia, eis que vem o crítico e, com a mesma objetividade com que apontou nossos defeitos, prova que aquilo que detestamos e que nos arrependemos de não haver suprimido se trata, para nossa surpresa (e pasmo) de grande virtude, que enriquece e valoriza nossa obra. Vá entender esses caras!
Geralmente eles são assim. O verdadeiro crítico, aquele que respeito (mesmo que não goste dele) é o que conquista credibilidade pelos seus conhecimentos de Literatura, de estilo, de gramática e que analisa cada livro com rigorosa isenção e critério. É o que aponta, sim, de forma implacável, os eventuais defeitos. Mas é, também, o que não titubeia em ressaltar as virtudes da obra que avalia. Ou seja, o fato de ser crítico não quer dizer que “precise”, necessariamente, ou, pior, somente (e o tempo todo) criticar. Este é o principal defeito de muitos que exercem essa importante, mas espinhosa e incompreendida função.
A propósito desses três agentes da Literatura, recebi, por e-mail, há uns cinco anos, do então colunista do Literário Daniel Santos (que pena que se afastou do nosso convívio!) três decálogos, elaborados por três escritores diferentes, com recomendações básicas para cada um desses personagens. Prometo, oportunamente, analisar com vagar cada um deles, por concordar com suas observações e considerá-las utilíssimas para todos os que nos honram com sua preferência neste espaço.
A primeira “taboa dos dez mandamentos” é voltada para o árbitro supremo de quem faz Literatura. Claro que me refiro ao leitor, sem o qual a atividade que tanto amo e que exerço com paixão não teria o mínimo sentido. Este decálogo foi redigido pelo escritor Alberto Mussa. Trata-se de um intelectual que dispensa apresentações, autor de pelo menos seis livros, cuja principal proposta literária é a de fundir a narrativa ocidental aos relatos mitológicos de outras culturas. É muito competente no que faz.
O redator do segundo decálogo não é menos ilustre. É, Miguel Sanches Neto, que, além de escritor, é professor universitário e crítico literário. Assina coluna semanal sobre Literatura no jornal Gazeta do Povo de Curitiba. Mas colabora, com freqüência, com outros tantos veículos de comunicação como “O Estado de São Paulo”, “Jornal da Tarde”, “República”, “Bravo” etc. É autor de catorze livros, dois dos quais traduzidos para outras línguas. Miguel Sanches Neto elaborou o “Decálogo do Escritor”.
Os “dez mandamentos” do crítico foram redigidos por um jornalista (e também festejado e bem-sucedido escritor), o gaúcho (de Porto Alegre) Michel Laub. Ele tem, em seu currículo, além dos livros “Não depois do que aconteceu” (contos) e “Música Anterior” (romance), a eficiente atuação como diretor de redação da revista “Bravo”. Como se vê, é um trio da “maior responsa”, como diria meu neto, na exótica gíria dos adolescentes, habilitadíssimo a sugerir regras para os três principais agentes da Literatura: o leitor, o escritor e o crítico. Voltarei com certeza ao assunto.
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