Pedro J. Bondaczuk
O primeiro Prêmio Nobel da Paz foi dividido. Teve dois ganhadores: o filantropo suíço Jean-Henri Dunant, co-fundador da Cruz Vermelha Internacional, e o economista e advogado arbitral internacional francês Frédéric Passy, no ano de 1901. Essa premiação, que se tornaria tradicional e seria estendida a outras áreas, como Medicina, Física, Química, Economia e Literatura, foi, sobretudo, a coroação de uma longa, profícua e linda amizade entre duas pessoas de personalidades aparentemente tão diferentes e, no entanto, tão iguais na sinceridade e na intensidade do sentimento que as ligou.
Até os dias atuais, Alfred Nobel continua injustiçado pelo invento da dinamite. Sempre que seu nome é mencionado, pseudopacifistas torcem o nariz em enfática manifestação de repúdio. Como somos apressados, e por isso injustos e irresponsáveis, em formar juízo sobre quem mal conhecemos, ou de quem não sabemos nada, a não ser uma ou outra referência de passagem, que lemos e ouvimos aqui e ali, alhures! Além disso, o ativismo e o idealismo da baronesa Bertha Von Suttner estão esquecidos, ou subvalorizados, até por falta de divulgação. Raríssimas pessoas, até mesmo as tidas e havidas como bem informadas, sabem quem foi essa mulher, o que ela fez e no que suas ações resultaram.
Jean-Henri Dunant, após receber seu Nobel, em 1901, escreveu a essa preciosa dama: “Este prêmio é obra sua, notável senhora, pois foi graças à sua dedicação aos seus propósitos que Herr Nobel aderiu ao movimento de paz, e foi por sugestão sua que ele se tornou o seu fomentador”. Justíssimo reconhecimento!
Não foi, portanto, surpresa alguma quando o Parlamento da Noruega escolheu, em 1905, uma personalidade pára lá de merecedora, a mais óbvia de todas, para receber a honraria. Claro que me refiro à própria baronesa Bertha, grande inspiradora dos movimentos pacifistas que existem, hoje, mundo afora, que com sua ação de denúncia, de cobrança e de esclarecimento da opinião pública, são os responsáveis pela não eclosão (ainda) da apavorante e temida catástrofe nuclear que, se vier a ocorrer, certamente significará a destruição do Planeta e, por conseqüência, a extinção da vida neste recanto da Via Láctea.
Até a natureza, ou o acaso, poupou essa generosa e combativa dama de sofrer a que seria a maior decepção da sua vida, caso a testemunhasse. Explico. Bertha Von Suttner morreu exatos dois meses antes do início da Primeira Guerra Mundial, a de 1914-1918, uma das mais sangrentas, perversas e destrutivas da História. Imaginem, como se sentiria essa arauta da concórdia e convivência pacífica entre os povos!.
Muitos outros prêmios Nobel da Paz foram atribuídos a já mais de uma centena de pessoas notáveis que, de uma forma ou de outra, têm promovido a causa do convívio harmonioso e cooperativo entre nações e todos os homens, e defendido o irrestrito respeito aos direitos humanos, lutando contra a prepotência, contra toda a sorte de injustiças e toda a espécie de preconceito e discriminação. Um desses premiados, por exemplo, foi o “santo” dos tempos atuais, o homem de múltiplos talentos, o humanista, médico, teólogo, filósofo, músico e, enfim, o verdadeiro herói, no exato significado desse conceito, Albert Schweitzer (1952).
Esse fantástico ser humano, paradigma do que há de melhor e mais digno na natureza humana, com todos os dotes que tinha, poderia levar uma vida de tranqüilidade, granjeando fama e fortuna sem fazer muita força. Todavia, optou por dedicar a maior parte de sua longa e profícua existência (e não foi por uma ou duas décadas, o que já seria muito, mas por mais de meio século) a socorrer, a cuidar e a curar leprosos, na pequenina, miserável e escondida localidade do paupérrimo continente africano chamada Lambarene!
Outro agraciado com o Nobel da Paz foi Dag Hammarskjold, premiado postumamente em 1961, como ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas. Ele morreu em serviço, quando seu helicóptero caiu (supõe-se que foi abatido) no país atualmente chamado de República Democrática do Congo (que já se chamou Congo Belga e Zaire), num momento em que tentava pôr fim à guerra secessionista da província de Katanga. Na função que exercia, bem que poderia fazer como seus sucessores faziam e fazem. Ou seja, permanecer em segurança e com todo o conforto e mordomia que o cargo propicia, em seu luxuoso gabinete, na sede da ONU, em Nova York. Em vez disso, optou por correr os evidentes riscos, inclusive o de ser morto (o que de fato aconteceu) na tentativa de usar o seu prestígio para pôr fim a uma das tantas carnificinas de que a África sempre foi pródiga.
Outro ganhador de Nobel da Paz, o reverendo Martin Luther King (1964), também se tornou mártir. Perdeu a vida ao defender a liberdade e igualdade de direitos de todas as pessoas, sem discriminação de sua origem ou cor da pele, numa luta não violenta contra racistas e racismo. Madre Teresa de Calcutá também foi premiada (1979), e tinha que ser, por seguir ao pé da letra o preceito cristão de que “todos os homens são irmãos”. O bispo anglicano sul-africano Desmond Tutu recebeu o seu Nobel da Paz em 1984, pela coragem de lutar, apenas com o poder de palavras de bom senso e concórdia, contra o mais hediondo sistema discriminatório do Planeta, o “apartheid” da África do Sul, quando o principal líder da resistência ao racismo, Nelson Mandela, estava, há décadas, na prisão.
Alguns dos premiados são contestados até hoje, é verdade, embora em determinados episódios de suas vidas tivessem momentos de grandeza. São os casos, por exemplo, de Henri Kissinger e Le Duc Tho (1973), que obtiveram um acordo para o fim da Guerra do Vietnã. Ou como Andre Sakharov (1975), que a despeito de ter sido o “pai da bomba de hidrogênio”, tornou-se uma voz poderosa contra o desrespeito aos direitos humanos na extinta União Soviética, arcando com duras consequências por sua ousadia. Ou como a dupla Anauar Sadat e Menachen Begin (1978), que com histórico gesto de conciliação, reduziu as tensões do Oriente Médio impediu que esse permanente barril de urânio explodisse e conduzisse o mundo a uma guerra nuclear.
A humanidade precisa de pessoas de boa vontade, como as que mencionei e as dezenas de outras tantas que deixei de citar, mas que mereceram ser premiadas com o Nobel da Paz. Sempre que existe uma crise em andamento, alguma guerra no ar, nuvens sombrias de obscurantismo e intolerância no horizonte, essas figuras extraordinárias, do porte de Bertha Von Suttner, Alfred Nobel, Madre Teresa de Calcutá, Albert Schwitzer e Martin Luther King se tornam não apenas necessárias, mas imprescindíveis. São seres muito especiais, anjos tutelares da humanidade. São guardiões de tudo quanto de bom e de nobre existe no coração e na mente deste animal, controvertido e paradoxal, misto de fera e de semideus, que é o homem,.
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