Monday, January 07, 2013

A gangorra da vida

Pedro J. Bondaczuk

Vocês já notaram o quanto dependemos das circunstâncias (ou do acaso, como queiram), para obter sucesso no que quer que seja? Muitos atribuem essas oscilações, ora dramáticas e intensas, ora mais suaves e amenas, que ocorrem sem nenhum aviso prévio em nossas vidas, a algo mal definido, que chamam, genericamente, de “destino”. Para essas pessoas, tudo o que nos acontece, de bom ou de ruim, já está ou já estava predeterminado desde nosso nascimento ou até antes. Tolice, claro.

Fosse assim, de nada adiantariam nossos esforços para nos instruir, nos capacitar e nos tornar aptos a encarar quaisquer desafios. Jamais conseguiríamos construir nada de útil e de positivo que não estivesse previamente “escrito” (onde, podem dizer, e por quem?). Ou seja, que não nos fosse “destinado”. Não consigo acreditar nisso, por mais que me esforce.

O que há são circunstâncias aleatórias, ora favoráveis, ora até destrutivas (quando não definitivas e letais), que nos cabe enfrentar e tentar modificar para melhor (no caso de serem negativas). Como? Cada qual deve procurar a melhor estratégia que se adéqüe a situações específicas. Muitas vezes, conseguimos fazer essa reversão. Outras tantas, contudo, por uma razão ou outra, mesmo tentando com todas nossas forças, físicas e mentais (principalmente estas) nos damos por vencidos. Fracassamos.

A vida é como uma “gangorra”. Em determinado momento nos jogas para cima, quando então gozamos as benesses do sucesso, achando que este será duradouro. Raramente é. Quando menos esperamos (e nunca esperamos), de repente, num piscar de olhos, nos atira no fundo do poço. E nos vemos na necessidade de batalhar para encontrar alguma saída. Às vezes nos surge uma oportunidade providencial que, aproveitada, nos impulsiona, de novo, para o alto. Caso não a aproveitemos... O não aproveitamento dessa chance, que pode ou não ser a única, se juntará ao nosso elenco de aflições, com o arrependimento por não termos feito nada, agravando, assim, nossa penúria.

Nem sempre as oportunidades surgidas são claras. Às vezes são, até, bastante obscuras e temos que nos arriscar. É possível que nos atiremos de cabeça, tentando agarrá-las e venhamos a nos dar mal. Se não tentarmos, todavia, jamais saberemos. Todos temos, em algum momento, a nossa hora decisiva, o instante fatal que pode determinar todo nosso futuro ou, até mesmo, se teremos algum. Há que se ter coragem nessas decisivas situações. E, claro, contar com a favorabilidade do acaso.

Ao lermos biografias de determinadas personalidades, obviamente vencedoras (caso contrário sequer seriam biografadas), somos tentados a achar que “todas” as circunstâncias de suas vidas, ou, pelo menos, a maior parte delas foram favoráveis. E que não tiveram que encarar essa infernal “gangorra”, que consome tempo e energia nos momentos de baixa. As coisas não são bem assim. Vejam o caso de Victor Hugo.

É certo que no final da vida, gozou de amplo reconhecimento e inequívoca admiração dos franceses. Para que vocês tenham uma idéia do quanto isso tudo foi, basta dizer que sua morte causou profunda comoção na França. Seus restos mortais foram expostos, antes de serem sepultados no Panteon dos heróis da pátria, por um dia inteiro no famoso Arco do Triunfo, bem no centro de Paris, e foram homenageados e reverenciados por um número estimado de dois milhões de franceses!!! Quantas pessoas vocês conhecem que receberam tamanha reverência e carinho? Eu não conheço nenhuma.

Contudo, sua vida também foi uma “gangorra” em que se alternaram sucessos e fracassos. Nem tudo o que ele fez foi correto, eficaz, louvável ou mesmo coerente. Hugo errou, e errou muito, quer na conduta pessoal, quer na atividade de escritor. Ou seja, foi humano, como todos nós, sujeito às mesmas tentações, vícios e contradições que nos afetam amiúde. Isso, todavia, não o deslustra. Pelo contrário, valoriza o que foi e o que fez.

Anotei, nas várias biografias do escritor que li, diversos fatos, alguns até bizarros, de atitudes que podem ser consideradas, no mínimo, condenáveis ou pelo menos contraditórias. Espero poder comentá-las na sequência destas reflexões. Por hoje, me concentrarei no seu casamento.

Víctor Hugo casou-se, com Adele Foucher, em 12 de outubro de 1822. É difícil dizer se essa ligação se deu por amor ou por algum outro interesse. Essa mulher, à qual desposou, ou seja, se uniu por vínculo tão forte, era uma amiga de infância. Ambos cresceram juntos, brincaram, brigaram, trocaram confidências, namoraram e... Casaram. Sabe-se que o escritor teve inúmeras amantes, notadamente antes de partir para o exílio. A mais famosa foi Juliette Drouet, pintada por alguns biógrafos como atriz de segunda categoria, de escasso talento, mas de grande beleza e poder de sedução, que atuou em duas das peças teatrais de Hugo. Ela foi, no entanto, apenas uma das tantas ligações ilegítimas do escritor.

Ocorre que Adele Foucher sempre foi a paixão secreta do irmão do nosso personagem, Eugene. O sentimento deste era tão profundo que, em decorrência do casamento, o rapaz, pasmem, enlouqueceu. Foi internado em um hospício e pouco tempo depois, morreu em conseqüência desse profundo e irreparável desgosto amoroso. Ora, se Hugo não amava Adele (que, no entanto, lhe deu três filhos), por que não favoreceu o relacionamento dela com o tão apaixonado irmão? Pelo contrário, alimentou um casamento infeliz para ambos (ou, nas verdade, para os três), a ponto de amasiar-se, sem precisar esconder de ninguém, com atrizes bonitinhas e ordinárias, com aristocratas insatisfeitas com os maridos e com humildes costureirinhas (e foram várias), a sua predileção? É... ninguém é perfeito...

É certo que, após o nascimento de mais uma de suas filhas, que recebeu o nome da mãe, obteve, da esposa, “sinal verde” para “pular a cerca” e ter os relacionamentos extraconjugais que quisesse, desde que “não a aborrecesse”. Em contrapartida, Adele lhe deu o troco, tornando-se amante de um amigo da família, o também escritor Saint-Beuve. Ainda assim, o casamento resistiu a tantos e tão fortes abalos e o casal não se separou, vindo a ser restabelecido durante o período de exílio de Hugo.

Viram como nosso personagem também não escapou da “gangorra” da vida? Seus fracassos se multiplicaram e se diversificaram. Só que o escritor soube dar a volta por cima. Daí ter epílogo tão glorioso em sua dramática e movimentada biografia.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

1 comment:

Edir Araujo said...

Estou acompanhando e guardando suas notas biográficas sobre Victor Hugo. Que bom poder desfrutar de suas narrações, reflexivas, sobretudo quando abre um preâmbulo antes abordar o biografado.
Obrigado, amigo!