Pedro J. Bondaczuk
A Itália, sob a maioria dos aspectos que se olhe, é um país realmente extraordinário e pode ser, tranqüilamente, apontada como exemplo de sociedade nacional onde a democracia é exercida da maneira mais completa e genuína, digna de ser imitada. Seu povo é tão politizado, que já não teme mais os bolsões extremistas, de qualquer dos matizes ideológicos, que embora subsistam em seu território, com a mais ampla liberdade de expressão, não ameaçaram, jamais, no período do pós-guerra, as instituições nacionais.
É por essa razão que os italianos podem, até, permanecer durante semanas sem governo, como está virtualmente ocorrendo agora, que não acontece nada de mais ali. Não se registram distúrbios monumentais, suas Forças Armadas não ameaçam ascender ao poder através da força e nem circulam insistentes versões de que os marxistas vão promover qualquer guerra revolucionária.
Graças ao trabalho, à tecnologia e ao espírito democrático que predominam hoje na Itália, seus cidadãos ficam, a cada ano que passa, mais ricos e mais se aproximam da chamada "sociedade ideal". A taxa de natalidade ali é baixíssima, fazendo com que a sua população praticamente permaneça estacionária nos mesmos 57 milhões de habitantes de cinco anos atrás, já que o incremento populacional é de irrisórios 0,1% anuais.
Em contrapartida, o Produto Interno Bruto só evolui, embora a uma taxa média de somente 1,7% a cada período de 365 dias. É claro que nascendo menos pessoas e o bolo da riqueza nacional crescendo numa proporção muito superior ao número de nascimentos, as "fatias" para cada um dos cidadãos se tornam, anualmente, maiores. Atualmente, a renda per capita de cada italiano já deve estar girando ao redor de US$ 7,2 mil por ano e continua aumentando.
O leitor poderia perguntar: "então a Itália é um país sem problemas?" Evidentemente que não. Não existe esse tipo de nação perfeita. Em algumas regiões do seu território, ainda persistem vários bolsões de pobreza, fazendo com que haja tensões, descontentamento e contestação política acentuada. Entretanto, mesmo nesses locais, não há nada que sequer lembre o que acontece na mais desenvolvida das nações do Terceiro Mundo, em termos de miséria e violência.
É verdade que o segundo maior partido italiano é o Comunista, que no Ocidente não perde para ninguém em número de filiados, de eleitores e de eleitos e que no mundo todo está aquém, apenas, do soviético e do chinês. E as esquerdas só sobrevivem onde existe pobreza. Mas esta, ao invés de ser uma prova de fraqueza italiana, é outro dos muitos sintomas de força da sua incrível democracia.
Raríssimos países seriam capazes de absorver, por maior que fosse a sua tradição democrática, 44 crises governamentais, representadas por quedas de gabinetes, em somente 41 anos de história, como aconteceu na Itália do pós-guerra. A instabilidade de governo ali é tão grande, que o fato do primeiro-ministro socialista, Betino Craxi, ter sobrevivido, politicamente, durante 34 meses, chefiando um ministério, está sendo considerado, por si só, um extraordinário fenômeno pelos analistas.
Os italianos, como se pode observar, estão há décadas dando preciosas lições de convivência e de civilidade, especialmente a nós, latino-americanos, e de graça. Ali eles põem realmente em prática o puro princípio democrático que prevê a existência de conflitos de interesses servindo de força motora para que a sociedade se aperfeiçoe. Não os extingue, sumariamente, através de atos intempestivos de força, como comumente se vê por aí.
Na Itália a controvérsia, desde que quem a alimente respeite o direito alheio de discordância, nunca é extinta arbitrariamente. E o que é a democracia senão a sábia e racional administração de divergências?
(Artigo publicado na página 8, Internacional, do Correio Popular em 12 de julho de 1986)
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