Pedro J. Bondaczuk
O gabinete israelense, que desde outubro do ano passado está sendo chefiado pelo líder do direitista Bloco Likud, Yitzhak Shamir, vive a sua pior crise política em seus 31 meses de existência. O problema todo reside numa controvérsia de relacionamento externo.
O ex-premier (e atual chanceler) Shimon Peres, do Partido Trabalhista, cuja linha é de esquerda, vem empenhando todo o seu prestígio e credibilidade na realização de uma conferência internacional de paz, visando solucionar a questão do Oriente Médio que, ao contrário do que se supõe, não vem somente desde a criação de Israel, mas de antes da Segunda Guerra Mundial.
O ministro acha que a disputa jamais será resolvida em definitivo apenas pela via militar. Entende que o Estado judeu precisa de tranqüilidade para trabalhar, para se desenvolver e para cumprir os objetivos de vida que a sua população aspira.
Certamente há muita gente nesse país cansada de ter que ficar em permanente sobressalto naquilo que lhe pertence, à mercê dos caprichos da política internacional. São pessoas que desejam, acima de tudo, viver, de acordo com seus costumes e suas convicções, como os habitantes de tantos outros países do mundo.
Shamir, embora não esteja em desacordo com Peres no essencial, diverge quanto à forma de chegar ao mesmo objetivo. Acha que uma conferência internacional poderá envolver, na região, interesses que são alheios a ela, fazendo com que haja riscos enormes de se tumultuar ainda mais essa antiga possessão britânica da Palestina.
Defende, por este motivo, negociações diretas com os países árabes de governos moderados, os que, acima de tudo, reconheçam a existência do Estado judeu. Quanto aos palestinos, não quer nem ouvir falar deles. Entende que esse povo faz parte do reino da Jordânia, já que possui língua, costumes e tradições semelhantes aos do domínio do monarca hashemita Hussein.
Pela forma com que a questão está colocada no seio do gabinete denominado de “salvação nacional”, está criado um impasse, de grandes proporções e indesejável para todos os israelenses. Afinal, a atual coalizão governista, feita mediante aliança entre as duas forças políticas mais heterogêneas do país, vem dando certo.
O governo surgido dessa aliança (até pouco tempo atrás inconcebível) teve que fazer frente a problemas monumentais, principalmente de caráter econômico. Quando Shimon Peres assumiu, em outubro de 1984, a economia local estava arrebentada. A inflação batia recorde sobre recorde, as taxas de desemprego eram muito elevadas e a produção caminhava para o estancamento.
O primeiro-ministro de então conseguiu, todavia, um verdadeiro milagre. Obteve, às duras penas, uma espécie de pacto social com os trabalhadores e os empresários. Criou um novo signo monetário, congelou preços e salários e estabeleceu uma política austera nos gastos públicos. E o sucesso foi completo. Principalmente porque, ao contrário de programas parecidos (como o do Austral, na Argentina e o do Cruzado, no Brasil), ele teve continuidade. Não foi abandonado pelo meio e nem serviu como trampolim eleitoral para ninguém.
Hoje a inflação israelense é meramente residual. E a sua economia está muito próxima de poder ser declarada com “ótima saúde”. Caso não houvesse essa aliança, fruto de uma verdadeira alquimia em termos de acordos, nada disso seria possível em tão curto tempo.
Peres retirou, ainda, Israel do território libanês, retomou contatos com as monarquias moderadas do mundo e até reatou relações com algumas nações africanas, que estavam rompidas com Tel Aviv há muito tempo.
É esse saldo de realizações que não pode ser jogado fora por causa de intransigências inconcebíveis e numa única questão. Por isso, agiu certo o primeiro-ministro Yitzhak Shamir, ontem, ao rejeitar um pedido feito por Peres para que renunciasse e que se convocassem eleições gerais.
Resta agora, somente, que o premier ceda apenas um pouquinho na questão da conferência de paz, que o chanceler faça, por seu lado, outro tanto, e tudo acabará bem. Oxalá o bom senso, que abundou em 1984 quando da formação da coalizão, prevaleça também agora.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 14 de maio de 1987).
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