Thursday, January 17, 2013

A polêmica Nouvelle Vague

Pedro J. Bondaczuk

O diretor cinematográfico francês, Jean-Luc Godard, teve formação cultural essencialmente acadêmica, mas subsidiada por várias outras fontes, como, aliás, compete às pessoas com profunda inquietação intelectual, que têm e que formam opinião e que, por isso, precisam fundamentá-la. Bacharelou-se em Etnologia por uma das mais renomadas universidades européias (e do mundo), a Sorbone. Mas foi em 1950, aos vinte anos de idade, que começou a agir de verdade para tornar concretos os sonhos que acalentava.

Nesse ano, conheceu diretores de cinema que já gozavam de certo prestígio e até de fama e que tinham experiência em cinema, como François Truffaut, André Bazin, Jacques Rivette, Erich Rohmer e Claude Chabrol. Formaram um “sexteto” respeitável. Não tardou para que esse grupo, unido pela mesma paixão, tivesse a idéia de criar uma revista em que pudessem expressar livremente o que pensavam sobre a Sétima Arte, já que não dispunham de qualquer outro veículo de comunicação para fazê-lo. Não, pelo menos, de forma livre e desabrida, como pretendiam, sem nenhuma interferência de ninguém.

Foi assim que nasceu a hoje famosa “Cahiers du Cinema”, que não tardou a se transformar numa espécie de “bíblia” dos cinéfilos franceses e de outras partes do mundo. Fui um desses “devoradores” de matérias sobre essa atividade, e por muitos anos. Com o passar do tempo, no entanto, cada vez mais envolvido (e comprometido) com o jornalismo (minha profissão) e com a Literatura (minha paixão), aos poucos fui deixando de lado esse prazer estético.

Todavia, não foi nessa revista que Godard fez sua estréia como crítico, ao contrário do que muitos pensam e propalam. Antes, já havia feito críticas para a “Gazette du Cinema”, “Arts” e algumas outras publicações especializadas. Mas não se sentia tão seguro e tão à vontade nesses semanários. Não, pelo menos, como viria a se sentir integrando o quadro de colaboradores do “Cahiers”.

O inesperado sucesso do seu primeiro longa metragem, “Acossado” – filme sem roteiro, sem enredo específico, como se fora um documentário sobre o relacionamento de um homem e uma mulher (Michel, ladrão de automóveis e Patrícia, “estrangeira” em Paris) – possibilitou que o então jovem e inexperiente cineasta deixasse o quase anonimato e se tornasse celebridade. Godard passou, doravante, a produzir intensamente, praticamente à razão de uma nova produção por ano, o que em cinema é uma raridade. Sobre esse longa metragem de estréia, comentou em entrevista, anos mais tarde: “Acossado é um documentário sobre Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo”, referindo-se aos atores que o protagonizaram.

O filme não tinha história específica, nem continuidade temporal e muito menos sequência lógica. É como se bisbilhotássemos “flashes” da vida de alguém nosso conhecido, com quem convivêssemos apenas fortuitamente e por isso de quem soubéssemos muito pouco, só um ou outro detalhe isolado ou episódio do qual fôssemos testemunhas. Contudo, nada além disso. Num caso como esse, desconheceríamos, é certo, as particularidades de sua vida, sua intimidade, seus gostos reais (e não os que supomos que tenha), quem de fato é, o que faz, enfim, como é a sua rotina diária e por que.

O filme sugere que, cada vez que encontramos essa pessoa, ficamos conhecendo novos “fragmentos” da sua realidade, mas jamais esta por completo. O crítico Rogério Sganzerla assim analisou “Acossado”: “Nele, a ação não é explicada, o espectador não tem a história, como no filme tradicional. Desenvolvem-se múltiplas ações paralelas, que não seguem um desenvolvimento natural ou progressivo. O filme avança bruscamente, em violentas mutações temporais”. Isto é, não respeita passado ou presente.

Foi a esse tipo de cinema que se convencionou rotular de “Nouvelle Vague”. “Acossado”, cujo título original, em francês, é “A Bout de Souffle”, foi rodado em 1959. Seu lançamento provocou um turbilhão nos meios cinematográficos, um tornado, uma tempestade de opiniões. De um lado, estavam críticos ferozes (a maioria), que consideravam o filme empulhação, brincadeira de mau gosto, ridículo e outros quetais, garantindo que podia ser classificado de tudo o que se quisesse, menos de cinema. No outro extremo, porém, “Acossado” foi recebido como obra revolucionária, inovadora e sumamente criativa, coisa de gênio.

Para os detratores, o filme não passava de um embuste. Afinal, até então, ninguém ainda ousara juntar tantos fragmentos dispersos, como se reunidos a esmo, sem nenhuma lógica ou critério, aparentemente incoerentes e sem relação uns com os outros. Já para os defensores, “Acossado” marcou nova fase no cinema, como poderoso recurso de análise do comportamento humano, que raramente guarda alguma linearidade ou até mesmo lógica. Revolucionou conceitos, introduzindo, virtualmente, nova linguagem cinematográfica, uma forma mais completa de expressão, tendo por instrumento apenas uma câmera para proceder a uma espécie de “jogo da verdade” ao captar a “sinceridade” dos gestos e expressões espontâneos e não mais se atendo à falsidade das palavras dos intérpretes.

Não porei a mão nessa cumbuca. Confesso que, a princípio, não entendi quase nada ao assistir “Acossado” pela primeira vez. Como tenho personalidade cartesiana e procuro racionalizar tudo o que vejo, ouço e leio, a princípio não gostei não somente desse filme, mas de tudo o que sequer lembrasse Nouvelle Vague. Todavia, após rever, e por várias vezes, essa produção e depois de assistir diversas outras do gênero, fui mudando, quase sem perceber, de opinião e fazendo, na mente, meus próprios enredos, com os fragmentos de ações exibidos.

Hoje, considero válida essa forma de fazer cinema, que, aliás, influenciou a literatura. Mas não é meu gênero preferido de cinema. Li, depois disso, inúmeros romances, que parecem não ter enredos ou que têm vários, posto que ilógicos e desconexos (como, por exemplo, “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, que na minha avaliação segue esse mesmo estilo, posto que de forma muito mais complicada, por não se utilizar de imagens, mas de palavras). Até apreciei alguns (como o que citei, de Gabo), mas não me arriscaria a escrever dessa forma. Por formação e por convicção, tenho imutável compromisso com a clareza e com a exatidão. Coisas de jornalista... Vai daí...

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