Pedro J. Bondaczuk
As pessoas mudam ao longo do tempo e quase nunca sequer se apercebem dessas mudanças. Não raro, nem mesmo admitem que mudaram, mesmo que intimamente tenham a consciência plena que sim. Não me refiro às transformações físicas, as da fisionomia, decorrentes do processo natural e inevitável do envelhecimento. Este pode ser retardado, mas jamais evitado, a menos que se morra antes que ele comece. Mesmo estas mudanças tardam a serem percebidas, a despeito das pessoas virem, diariamente, e não raro várias vezes ao dia, sua imagem no espelho. As alterações a que me refiro são outras. São as de idéias, de sentimentos e de percepções da realidade.
Tenho convicção firmada a esse propósito, mas não sobre todas suas variantes. Por exemplo, quanto às mudanças de idéias, entendo que não apenas posso, como devo mudar minha opinião a propósito de qualquer uma delas, desde que me comprovem que determinada coisa que penso não é bem aquilo. Convencido do erro, seria óbvia estupidez permanecer nele. Mudo, pois, sem nenhum constrangimento ou problema. Mas, reitero, desde que me provem, sem sombra de dúvidas, que eu estava errado.
O mesmo raciocínio vale para sentimentos. Mas nem todos. A fidelidade a uma pessoa, causa, entidade ou ideologia somente é imprescindível e indispensável se for comprovada sua correção e/ou eficácia. Em caso contrário... Por exemplo, se alguém em quem confio e amo me for infiel, não defendo ação idêntica, o conhecido “troco” (um erro nunca justifica outro), mas a separação. Que cada qual vá para o seu canto e viva sua vida em paz.
Caso perceba que determinada causa, por cujo sucesso me empenho, não é positiva, correta e nem construtiva, como julgava, entendo que me sinto liberado a não somente deixar de apoiá-la, como, até, a combatê-la com vigor. O mesmo vale em relação a alguma entidade ou ideologia. O que acho inadmissível é permanecer no erro depois de convencido de tal, apenas por receio de ser infiel. A fidelidade tem que andar, sempre, de mãos dadas com a verdade e a justiça. Caso contrário descamba para a cumplicidade, mas no pior dos sentidos.
Victor Hugo, em determinado momento da sua vida, mudou de opinião a propósito de coisas importantes. Durante muito tempo, por exemplo, foi favorável à monarquia, convicto que era a forma de governo ideal para a França. Contudo, à certa altura, convenceu-se que esta não era o melhor caminho para seu país. E abraçou, então, ideais inicialmente liberais e, posteriormente, socialistas, face às injustiças e desigualdades que via por toda a parte.
Uma dessas suas tantas mudanças foi de cunho, digamos, moral. Casado, apaixonou-se por outra mulher, que não a sua (óbvio). Não porei a mão nessa cumbuca e não farei juízo de valor a propósito. Aqui entra em cena um conflito entre fidelidade conjugal e amor, sentimento que é incontrolável e imprevisível. Há que se pensar, porém, na outra parte, na que se vê traída em sua confiança. Cada qual tem comportamento próprio face a situações tão complicadas. Da minha parte, me manteria fiel ao compromisso original que jurei, perante Deus e a sociedade, cumprir, “até que a morte nos separasse”. Mas... Como se vê, é um assunto delicadíssimo.
Essa mudança na vida de Victor Hugo se deu a partir de 1833, quando tinha 31 anos de idade e já era famoso e respeitado como escritor. Foi quando conheceu Juliete Druet, por quem passou a nutrir devastadora paixão. Embora fizesse dela sua amante, não se separou de Adele, a esposa. Agiu certo? Agiu errado? Recuso-me a julgar!!
O fato é que, conforme sugere a mínima lógica, sua vida doméstica se deteriorou, transformando o lar em “sucursal do inferno”. Brigas e mútuas recriminações tornaram-se coisas rotineiras no dia a dia do casal. E cessaram, tão somente, quando outro fato dramático ocorreu na vida do escritor: o seu exílio. E este deveu-se à sua mudança na forma de encarar a vida social do seu país, envergonhado com a pobreza e as injustiças que via a todo instante ao seu redor.
Hugo mudou de posição política diversas vezes, conforme as circunstâncias e arcou com as conseqüências advindas dessas mudanças. A princípio, esteve apegado ao conservadorismo católico, defendendo teses monarquistas, principalmente a do direito divino dos reis ao trono. Entretanto, à medida que foi amadurecendo, como homem e como intelectual, passou a abraçar teses liberais, especialmente em relação às reformas sociais que entendia indispensáveis, visando conceder pelo alguns direitos às classes absolutamente desprotegidas, exploradas e espoliadas, que não tinham nenhum. Coerente, aliás, com os ideais e postulados da Revolução de 1789, baseados no tripé: liberdade, igualdade e fraternidade.
Na década de 1840, vários acontecimentos viriam a mudar radicalmente a vida de Victor Hugo, ora para o bem, ora para o mal. Um deles, por exemplo, ocorreu em 1841 e significou grande vitória pessoal. Nesse ano, após três tentativas anteriores frustradas, o escritor foi, finalmente, eleito para a prestigiosa Academia de Letras Francesa, ganhando, assim, o direito de ostentar o “habit-vert”, o tradicional fardão acadêmico que até hoje os chamados “imortais” ostentam com orgulho e galhardia.
Quatro anos depois, Hugo viria a obter outra vitória, desta vez no campo político. Conseguiu ser feito “par da França”, título equivalente ao de “sir” na Inglaterra. Ou seja, tornou-se conselheiro do governo, uma espécie de senador. Entretanto, no auge do prestígio e da realização pessoal, o país passou pela Revolução de 1848. Hugo, então, em vez de manter suas convicções monárquicas (se fosse oportunista, manteria), tornou-se republicano convicto. E mais, arriscou todas suas conquistas e seu crescente prestígio, se opondo, tenazmente, ao príncipe Luís Napoleão, que em 1851, deu um golpe de Estado, restaurou a monarquia e tomou para si a coroa francesa, acabando com a nascente e ainda incipiente República, ostentando o título de Napoleão III. Tanto o escritor se opôs a essa reviravolta institucional, que o novo monarca resolveu se livrar de seu indigesto adversário. Exilou-o do país, em 1852.
Expulso da pátria, Victor Hugo instalou-se no Marine Terrace, em Saint Helier, na ilha britânica de Jersey, onde montou seu quartel-general, disposto a comandar a oposição a Napoleão III e ao seu governo, que considerava retrógrado e ilegítimo. De lá saíram livros ácidos, vigorosos e, por que não dizer, até panfletários contra quem o escritor chamava de “o usurpador”, tais como “Napoleon, Le Petit” e “Les Chatiments”. A despeito de todos seus esforços, todavia, seu exílio foi longo, muito prolongado, quase uma eternidade: durou 18 sofridos e aflitivos anos. Foi quando se reconciliou com a esposa, Adele, e restabeleceu, dessa forma, seu abalado e comprometido casamento
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