Pedro J. Bondaczuk
O Parlamento da Noruega reúne-se, todos os anos, na segunda semana do mês de outubro, para atribuir o prêmio mais prestigioso, cobiçado, polêmico e controvertido dos tantos que existem para premiar o talento, nas mais diversas áreas de atividade. Refiro-me ao Nobel da Paz, destinado a personalidades internacionais – estadistas ou não, políticos ou notórios pacifistas – que, através de suas ações contribuam para tornar o mundo mais habitável, ou seja, promovendo a concórdia entre os povos.
Muito se tem falado e escrito sobre a aparente contradição que há já no próprio nome dessa honraria. Algumas pessoas argumentam que, no mínimo, é paradoxal que o prêmio da paz tenha a denominação de uma pessoa que, através de sua descoberta, contribuiu para que as guerras se tornassem mais sangrentas e destrutivas. Isso sem contar que muitos dos premiados foram notórios belicistas e que até guerrilheiros já foram galardoados.
Pouca gente, todavia, chegou a conhecer de fato, na intimidade, esse inventor sueco, cujo nome é um dos mais conhecidos do mundo, mas cuja vida e cuja personalidade são do conhecimento de relativamente poucos. Alfred Bernhard Nobel foi químico, engenheiro e pesquisador. Descobriu não apenas a dinamite, mas alguns outros explosivos não tão conhecidos. Nasceu em Estocolmo, em 21 de outubro de 1833 e morreu, aos 63 anos de idade, em 10 de dezembro de 1896, na cidade italiana de San Remo.
Atribui-se sua decisão de destinar, em testamento, a maior parte da sua fortuna, para premiar benfeitores da humanidade, a um tardio remorso por causa do uso dado à sua invenção. Não é essa, todavia, a verdadeira história do Prêmio Nobel, em suas várias categorias. E muito menos é correto afirmar que a dinamite serve, “apenas” para tornar mais sofisticada a “arte” de matar. Aliás, seu uso na guerra é praticamente nulo. E não se pode perder de vista os benefícios trazidos por este explosivo, que sequer é o mais potente que há, facilitando e até tornando viáveis grandes obras, que exijam a remoção de enormes volumes de pedras e de terra.
Na história do Prêmio Nobel, além, claro, do cientista que lhe empresta o nome, uma pessoa em especial não pode e não deve jamais ser esquecida, por se tratar da inspiradora que motivou o inventor a instituí-lo em testamento. Trata-se da baronesa austríaca Bertha Von Suttner, uma das mais fascinantes personalidades do século XIX, notável batalhadora pela causa da paz. Foi a enorme admiração que essa mulher despertou no taciturno e tímido Alfred, de quem foi secretária e pelo qual se afeiçoou, que levou o inventor a tomar essa decisão, com a finalidade de estimular diversas atividades, essenciais ao homem, como a Medicina, a Física, a Química, a Economia e a Literatura, mediante premiação em espécie aos que se destacassem, anualmente, nessas disciplinas. A idéia era a de prover-lhes recursos para aprofundarem suas pesquisas.
Entendo, no entanto, que esse objetivo nunca foi alcançado. Os premiados com o Nobel encaram a premiação (ou pelo menos assim me parece) como um fim e não como meio para aprofundar e aperfeiçoar as obras que justificaram sua escolha. E olhem que os recursos financeiros que recebem não são nada desprezíveis. Muito pelo contrário.
Creio que a esta altura é interessante traçar, mesmo que ligeiramente, o perfil dessa notável baronesa, cuja biografia é tão interessante que mais parece ficção, desses tantos romances que vêm encontando gerações.
Em 1872, uma jovem austríaca, bonita e instruída, empregou-se como governante na casa do Barão von Suttner. Quem visse sua maneira simples de trajar-se e de comportar-se e o modo cortês e afável com que tratava as pessoas jamais poderia supor que se tratasse de alguém ligado à nobreza. A moça em questão era filha de um dos mais célebres marechais do Exército da Áustria. Quando nasceu, todavia, seu ilustre pai havia morrido semanas antes, sem que tivesse, pois, a oportunidade de conhecê-la. A morte do militar viria a deixar, em poucos anos, a família em sérias dificuldades financeiras.
A jovem era, portanto, mais uma das tantas representantes da “indigente” nobreza austríaca que, do esplendor do passado, guardava, apenas, o título nobiliárquico e o gosto por futilidades mundanas. Aliás, a Europa estava cheia de nobres falidos. Eles existiam em profusão na Alemanha, na Rússia, na França e... claro, na Áustria. O único handicap que essas pessoas tinham era o título de nobreza que ostentavam e que impressionava a burguesia endinheirada. Isso, não raro, lhes rendia casamentos vantajosos e providenciais.
Desde menina, nossa personagem aprendeu todas as manhas sociais da época. Foi instruída pela mãe, por exemplo, a receber com simpatia os convidados, a dançar os ritmos mais populares em voga e a se comportar como “nobre” nas tediosas reuniões de mexericos. Ensinaram-na vários idiomas e até estimularam na jovem o gosto literário, levando-a a redigir, até, pequenos “sketches” teatrais, ao sabor romântico de fins do século XIX.
Enquanto o dinheiro deixado pelo pai (que, diga-se de passagem, não era nenhuma fortuna) não se esgotou, viajou muito, quer a passeio, quer a estudo. Quanto a estes, destaque-se, estudou canto em Paris, com os melhores mestres da época, até que os recursos da família se esvaíssem. Tinha excelente voz, era afinada e muito boa cantora.
Vendo-se, subitamente, sem dinheiro, a jovem não se desesperou e nem procurou o caminho mais comum dos nobres falidos, o de um casamento vantajoso, no aspecto financeiro, com algum rico burguês. A mocinha, embora educada, digamos, para coisas frívolas, tinha fibra e resolveu trabalhar para garantir o sustento, ao contrário do que as moças da sua classe, na sua condição, costumavam fazer. Não viu demérito algum, em exercer a função de governanta. E assim foi admitida na casa dos Von Suttner, para cuidar das quatro filhas do velho barão.
Impetuosa e saudável, porém, apaixonou-se, tempos depois, por Arthur, filho do seu patrão, sobre quem escreveria, anos mais tarde: “Quando ele entrava na sala, esta ficava alegre e acolhedora”. Tratava-se de um jovem saudável, bonito e, sobretudo, herdeiro de imensa fortuna. Bertha (e vocês certamente adivinharam quem era essa nossa personagem), contava, então, com 33 anos. Transformara-se numa mulher madura, instruída, refinada, trabalhadora e responsável. E bonita, acrescente-se. Mas justamente sua idade tornou-se um dos grandes obstáculos, na verdade o maior, para que o romance florescesse e tivesse final feliz.
Para o barão, o caso era um “escândalo” que atingia sua casa e contrariava seus rígidos princípios. Afinal (conforme seu raciocínio), Arthur, seu herdeiro, merecia destino melhor do que se ligar a uma família arruinada, como a de Bertha. O rapaz era sete anos mais novo do que a governanta e, numa sociedade preconceituosa, como a européia, de fins do século XIX, essa era uma barreira que pouquíssimos se dispunham ou se atreviam a transpor, especialmente na classe da nobreza.
Bertha passou a sofrer todo o tipo de coação para que deixasse Arthur em paz. Resistência tem limites. E a governanta decidiu não resistir mais. Ferida nos brios, decidiu abrir mão do seu amor. Demitiu-se e abandonou o palácio dos Von Suttner. Foi nessa ocasião que conheceu Alfred Nobel, a quem influenciou, e de tal maneira, que o convenceu a destinar a maior parte da sua fortuna para premiar os benfeitores da humanidade. Mas... esta é outra história que fica para outra vez.
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