Pedro J. Bondaczuk
O filósofo e ativista político francês Jean-Paul Sartre fez uma afirmação que a princípio pode parecer mera frase de efeito, dessas usadas em discursos como forma de prender a atenção do espectador pela retórica, mas que, se devidamente analisada, se revela bastante profunda, ao sentenciar: "Quando a liberdade ilumina o coração de um homem, os deuses são impotentes contra ele".
Na Eslovênia, essa impotência ressalta como nunca, mas da parte do governo central da Iugoslávia, que tenta sufocar, com caças a jato, tanques e mísseis, o sonho de independência dos eslovenos. A força, todavia, tem se revelado um expediente mesquinho para demover 1,9 milhão de pessoas a abrirem mão de sua vontade, expressa nas urnas, num plebiscito realizado em dezembro do ano passado.
O homem evoluiu muito, em termos de convívio social, desde 1789, quando da ocorrência da Revolução Francesa. Todavia, as chamadas elites ainda não compreenderam um conceito elementar, expressado com clareza por juristas, sociólogos e cientistas políticos, mas ainda assim distorcido pelos que se julgam credores de um "direito divino" sobre os demais indivíduos. É o que se refere ao papel do Estado e à extensão do seu poder.
É estranho como o debate de uma questão de tamanha relevância raramente ganha dimensões públicas e nunca chega à imprensa, ficando restrito a palestras acadêmicas. Essa distorção, frise-se, não ocorre apenas nos regimes comunistas, embora seja neles que ela mais aparece.
Sociedades tidas como absolutamente democráticas, igualmente incorrem nesse erro, embora sequer se dêem conta. O professor Ronald C. Nairn disse a esse propósito, numa lúcida entrevista que concedeu à revista Visão há alguns anos: "Se o Estado deixar de ser amo e se tornar servo, o céu será o verdadeiro limite do homem, que poderá viajar espaço adentro e viver nas estrelas".
Ainda é freqüente e costumeiro nos dias atuais encarar essa instituição, portanto mera abstração, como sendo algo concreto, com vida própria e, o que é pior, tendo caráter infalível. É o caso de se emprestar maior importância à criatura do que àquele que a criou. O homem é uma realidade. O Estado não passa de uma criação humana. Portanto é falível e carente de aperfeiçoamento como todas as obras são. Não pode ser amo da vontade dos indivíduos.
Se um grupo de cidadãos decide que um determinado sistema não lhe convém, tem o maior dos direitos, o "natural", que lhe faculta escolher o tipo de vida que melhor lhe aprouver, de mudar. É o caso presente dos eslovenos. Eles não desejam mais integrar a federação iugoslava. É claro que devem estar conscientes das conseqüências de sua decisão. Precisam, por exemplo, conferir viabilidade à pátria que pretendem instituir.
Têm que adquirir condições de andarem com os próprios pés, em termos econômicos, gerando e distribuindo, de maneira inteligente, riquezas, já que nenhum povo pode ser politicamente independente se mantiver dependência econômica em relação aos demais.
Os eslovenos têm de pensar na sua segurança e nas relações com outras nações, pois não estão sozinhos na Europa e muito menos no mundo. Mas esta é uma decisão que somente compete --- ou pelo menos deveria competir --- a eles tomar, de forma livre e soberana. E a maioria esmagadora de seu povo optou pela independência. Tentar tolher sua liberdade, portanto, além de ato de tirania, é uma inutilidade, que pode custar muito caro em termos de perda de vidas humanas e de sofrimentos.
(Artigo publicado na página 21, Internacional, do Correio Popular, em 4 de julho de 1991).
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