Pedro J. Bondaczuk
A maioria das personalidades biografadas, apesar de todo o sucesso que fizeram e que justificou que fossem objetos de biografias, termina, via de regra, a vida de forma melancólica, quando não trágica. Claro que não se trata de regra, mas de mera coincidência. Muitos cometem suicídio, outros tantos tornam-se alcoólatras ou viciados em drogas e vários convivem com a ruína e a miséria.
Edgar Allan Poe, por exemplo, morreu em circunstâncias jamais cabalmente esclarecidas e nos verdes 40 anos de idade, havendo, inclusive, suspeitas de que teria sido assassinado. Rembrandt Van Rijn, por seu turno, acabou seus dias na pobreza, embora seus quadros, hoje, valham fortunas. Georg Friedrich Haendel morreu cego de tanto trabalhar e em decorrência da gula. Vincent Van Gogh expirou em um hospício, tido e havido como insano. E vai por aí afora.
Até nesse aspecto, todavia, Victor Marie Hugo foi notável exceção. Em uma época em que a expectativa de vida média nos países desenvolvidos girava ao redor dos 50 anos, viveu até os 83, apesar dos excessos que cometeu, tanto de trabalho, quanto, digamos, de “prazeres da carne”, desses que cobram alto preço em termos de erosão da saúde. Até nisso, portanto, o notável escritor se diferenciou da maioria das personalidades biografadas. Isso não quer dizer que não teve dissabores e sofrimentos. Teve-os, e muitos. Presumo que a Literatura, no entanto, tenha sido o antídoto de que se valeu para evitar maiores desgastes e viver, com boa saúde, por tanto tempo.
Um dos desgostos que Hugo teve, e que o marcou profundamente, foi a morte da filhas Leopoldine, que morreu afogada, junto com o marido, em um naufrágio ocorrido no Rio Sena, em Paris. Dá para imaginar a dor de pai nessas circunstâncias. É terrível! Claro que ele nunca se conformou com isso. Poucos, ou ninguém se conformaria.
A saudade dessa pessoa tão querida levou-o, inclusive, a crer no espiritismo e a investigar e a participar de experiências espíritas, justo ele que até então havia sido católico fervoroso, convicto e praticante. Tentava, com isso, comunicar-se com “o espírito” da filha morta. Desde então, passou a acreditar piamente nessa possibilidade. Dessas tentativas de comunicação (e dessa crença de que isso era possível) surgiu seu livro “Les tables tournantes de Jersey”. A menção a essa localidade deve-se ao fato de, na ocasião, encontrar-se exilado nessa ilha britânica.
Foi depois dessa experiência mística que concluiu: “A tolerância é a melhor das religiões”. E isso numa França que foi palco de uma das maiores manifestações de intolerância religiosa da História, a tristemente célebre “Noite de São Bartolomeu”, de 24 de agosto de 1572, oportunidade em que católicos e protestantes (huguenotes) se confrontaram, resultando em enorme carnificina, estimada em cem mil mortes. Coragem e posições firmes, aliás, nunca faltaram a Hugo.
A propósito do seu exílio, que durou 18 anos, deve-se ressaltar que essa demora em regressar à pátria se deveu, em grande parte, à teimosia do escritor. Mesmo após a queda do imperador Napoleão III, cujo golpe restaurando a monarquia motivou sua saída do país, ele resolveu prolongar seu afastamento da pátria por discordar de algumas atitudes políticas do novo governo republicano. Só aceitou pôr fim ao exílio quando entendeu que havia clima de liberdade na França, sem riscos, pelo menos iminentes, de novos golpes.
Regressou a Paris, de onde havia partido em 1852, somente em 1870, para nunca mais deixar a cidade que tanto amou. Nos primeiros anos após o regresso, seu prestígio, tanto literário, quanto político, só fez crescer. Foi eleito, sucessivamente, deputado, e depois senador, cargos que exerceu, se não com brilhantismo, pelo menos com dignidade. À medida que foi envelhecendo, reduziu as atividades e dedicou-se mais a completar parte da sua obra que estava inacabada.
Acho interessante a manifestação de Victor Hugo, por exemplo, a propósito da pena de morte. Quando esta foi abolida em Portugal, em 1876, ele se manifestou da seguinte maneira, com vigor, mas com seu estilo elegante e majestoso de escrever: “Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. (…) Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio. A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos”
Víctor Hugo Morreu em 22 de maio de 1885, aos 83 anos de idade, em conseqüência de um colapso cardíaco. Pautou sua grandiosa vida pela coragem, pela defesa intransigente de princípios, principalmente dos direitos humanos e da justiça social, mas, sobretudo, por respirar e fazer arte. Escreveu, certa feita: “As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”. Coerente, uniu à pregação a competente ação. Fê-las leves, quando as circunstâncias assim o exigiam e tempestuosas, quando se requeria vigor.
Hugo pode ter errado em muita coisa e, certamente, errou. Pode ter abraçado causas equivocadas, mas teve a grandeza de mudar de conduta e de opinião quando convencido do erro. Pode ter cometido muitos “pecados", sobretudo políticos, mas mesmo quando pecou o fez no afã de acertar. Ou seja, errou por ações, que teve chance de consertar (e consertou), mas jamais pela covardia da omissão. Foi, portanto, não apenas genial escritor e exemplar político, mas, sobretudo, um grande homem, na melhor acepção do termo.
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