Saturday, January 19, 2013

Conciliação de diferenças

Pedro J. Bondaczuk

O Prêmio Nobel da Paz deste ano, anunciado na sexta-feira passada, em Oslo, na Noruega, foi atribuído com uma raríssima felicidade. Coube a uma organização em tudo e por tudo modelar e, por isso, digna não apenas do reconhecimento público e de todos os elogios, mas principalmente de imitação. Formada por profissionais liberais, da área da Medicina, a Internacional de Médicos para a Prevenção da Guerra Nuclear demonstra que não é necessário que um cidadão seja político, ou diplomata, ou militar para se interessar por um tema de tamanha importância. Qualquer um pode, e deve, fazê-lo, já que o assunto não é monopólio de ninguém. Afinal, as armas atômicas colocam em risco não apenas as vidas dessas pessoas, mas de todos os seres animados, quer sejam ou não dotados de inteligência.

Essa organização já começa sendo exemplar na sua própria estrutura. Numa magnífica demonstração de que que povos, teoricamente inimigos inconciliáveis, geralmente querem, podem e devem conviver pacificamente, em estreita colaboração, a entidade chegou à sofisticação de ser copresidida por um soviético e um norte-americano. Fatores ideológicos, doutrinas políticas e costumes nacionais não conseguiram, portanto, separar esses homens notáveis, o professor de Saúde Pública da Universidade de Harvard, dos Estados Unidos, Bernard Lown e o cardiologista, membro da Academia de Ciências da União Soviética, Yevgeny Chazov. Há cinco anos ambos vêm liderando cerca de 140 mil médicos e enfermeiros que pensam e agem como eles, numa autêntica cruzada antinuclear. Na mais importante campanha pela preservação daquilo que entendem (até doutrinariamente, por força da própria profissão que exercem) ser o bem mais precioso existente no nosso sistema solar: a vida.

Como conhecedores profundos dessa maravilhosa máquina, que é o corpo humano, há um lustro eles vinham malhando em ferro frio, buscando fazer com que os líderes mundiais, aqueles que detêm posições reais de mando, entendessem a impossibilidade completa do uso de qualquer espécie de armamento atômico contra regiões habitadas. E por esse mesmo período, essa entidade vinha sendo encarada como um moderno Dom Quixote, aquele célebre personagem visionário de Miguel de Cervantes, que saía pelo mundo em defesa de nobres ideais, duelando com os "moinhos de vento" da intolerância e da incompreensão. Esse, aliás, é o preço que os idealistas sempre tiveram que pagar. O de serem tomados por loucos ao defenderem aquilo que é óbvio demais para que a cegueira e as ambições mesquinhas predominantes permitam que todos vejam.

Finalmente, na semana passada, veio o reconhecimento público pela cruzada incansável desses homens de ciência. Desses sábios que, exatamente por ostentarem tal condição, sempre tiveram os pés bem plantados no chão da realidade. Que despidos de jacobinismos ideológicos e de doutrinarismos ineficientes, (estes sim atributos daqueles que se desligaram do real através de renitente loucura e que são assumidos diariamente por aqueles que têm o papel de liderar os povos), raciocinam apenas em termos práticos. E o reconhecimento, embora tardio, não deixa de ser oportuno. Doravante, as seguidas advertências da organização quanto às conseqüências catastróficas de alguma eventual detonação de bombas nucleares serão ouvidas com atenção. E talvez, quem sabe, até com seriedade. Deixarão de ser consideradas, como até aqui o foram, como augúrios apocalípticos de meras cassandras do caos.

Isso é muito importante, principalmente quando se sabe que dentro de pouco mais de 30 dias, em Genebra, vai acontecer uma reunião que pode mudar os destinos do mundo (embora, baseado em oportunidades anteriores, haja um ceticismo generalizado de que isso ocorra) entre os mais altos dirigentes das superpotências. Lown e Chazov demonstraram até aqui que soviéticos e norte-americanos não precisam, necessariamente, ser inimigos para preservar os valores em que acreditam. Como seria bom se Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev também conseguissem essa façanha!

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 18 de outubro de 1985)

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