Pedro J. Bondaczuk
As novelas, em geral, e “Roque Santeiro”, em particular, salvaram a programação televisiva deste ano, com vários trabalhos bem elaborados sendo mandados ao ar, com a Rede Globo distinguindo-se, tranquilamente, das demais emissoras. Entre os programas que abordamos nas duas semanas anteriores, omitimos dois que, por questão de justiça, merecem menção, ambos exibidos pela Rede Bandeirantes.
O primeiro é comandado por esse extraordinário jornalista, mais do que isso, autêntico repórter na mais exata acepção do termo, que é Goulart de Andrade. Há tempos vínhamos acompanhando sua atuação na emissora anterior que trabalhava, a TV Record. E, na Bandeirantes, ele nos brindou com reportagens, como sempre originais e extremamente informativas, além de instrutivas.
O outro programa que não pode, jamais, deixar de ser citado é “Maria Gabi Gabriela”, comandada pela competente profissional que lhe empresta o nome. Finalmente, ela encontrou seu espaço mais adequado para expandir seu talento, após passagem, de início brilhante e depois um tanto acidentada, pela Rede Globo. O telespectador pôde sentir o seu grande amadurecimento e quase que uma implícita promessa de trabalhos até mesmo melhores do que o atual, num futuro próximo, e de excelente nível.
Abrindo e fechando rapidamente esse parêntese, voltemos ao tema de abertura destas considerações. Escrevíamos que as novelas salvaram o ano em termos de programação de TV. E disso, acreditamos, ninguém tem qualquer espécie de dúvida. É consenso. Afinal, foi uma obra do gênero, o excelente “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, que conseguiu um feito deveras raro e não apenas em televisão, mas em qualquer atividade: a unanimidade.
Em várias ocasiões, a novela obteve índice de audiência absoluta, isto é, de 100%, o que quer dizer que nesses dias, na hora em que o programa foi ao ar, “todos” os receptores de TV do País que estavam ligados, estavam sintonizados na Globo. E, especificamente, no “Roque Santeiro”. Não é sempre que uma façanha desse porte se concretiza. Aliás, é mais correto dizer que quase nunca isso ocorre.
A novela caiu tanto no agrado dos brasileiros, que vários de seus personagens impuseram modas, passaram a ser imitados em seus cacoetes e as passagens mais enfáticas do enredo se transformaram em temas obrigatórios das conversas nos bares, nas filas de ônibus, nos salões de cabeleireiros e, por que não dizer, até asqui, na redação do Correio Popular.
Algumas sessões da Câmara de Deputados, em Brasília, tiveram, sutilmente, seus horários alterados, para que os parlamentares não perdessem nenhum capítulo. E até reuniões de negócios de empresários deixaram de ser agendadas nos horários em que “Roque Santeiro”, costumeiramente, vai ao ar, para não privar ninguém dos seus emocionantes lances.
Mas não foi apenas essa novela – embora, obviamente, tenha se destacado das demais – que despertou o interesse do telespectador em 1985. Várias outras, como “A gata comeu”, “Livre para voar”, “Corpo a corpo”, “Um sonho a mais”, “Vereda tropical” e “De quina para a lua” (apenas para mencionar as mais comentadas) prenderam as pessoas em casa, atrasaram jantares em muitas residências por este imenso Brasil afora e até interferiram em horários de muitas atividades profissionais, até mesmo dos políticos (o que não é muito de se estranhar dada sua má fama de ociosidade).
Os que acompanham futebol (e quem não acompanha neste País?) devem estar bem lembrados da gravação do capítulo final de determinada novela. Durante o jogo entre o Vasco da Gama e o Corinthians, no Morumbi, válido pela “Taça de Ouro”, Mário Gomes, vestindo a camisa corintiana, chegou a entrar em campo com a partida em pleno andamento, levando o árbitro, naquela oportunidade, a determinar uma paralisação do encontro para advertir o ator.
“Vereda tropical”, responsável por esse incidente, teve todos os ingredientes para prender a atenção de pessoas de todos os gostos à mágica telinha. Teve romance, humor, pancadaria e... até futebol, já que o personagem principal era um atleta profissional, cujo objetivo era ser contratado por algum grande clube. Destaque-se a atuação soberba de Geórgia Gomide, que retornou, em grande estilo, ao vídeo, após uma década de incompreensível ostracismo.
Em “Corpo a corpo”, a linha do misticismo, que já houvera feito tanto sucesso em “O astro”, voltou a empolgar os telespectadores. O tema lembrou, ligeiramente, o mito de Mefistófeles, abordado, magistralmente, pelo genial escritor alemão Johann Wolfgang Göethe, há alguns séculos, no clássico “Fausto”, em que uma pessoa ambiciosa, para satisfazer seu desejo de fazer fama e fortuna, vendeu a alma ao demônio em troca da ajuda das forças do mal.
Sua adaptação para o mundo atual, moderno, que a princípio gerou desconfianças nos críticos (inclusive em mim), foi bastante criativa e convincente. E esse aspecto tem que ser destacado, pois chamou a atenção. Mas as outras novelas que mencionei também tiveram, todas elas, seu destaque. Algumas foram valorizadas por interpretações excelentes de alguns atores, ou de todo o elenco, que deram sustentação a histórias banais, que cresceram por esse motivo. Outras brilharam por causa de cenários bem escolhidos ou magnificamente elaborados, ou por impecável direção, quando não (e principalmente) pelo conjunto. Mas ninguém pode negar que o gênero, que completa quase um quarto de século de sucesso na TV, depois de ter brilhado por muito tempo no rádio, teve, certamente, um de seus melhores anos, neste 1985.
(Comentário publicado na página 20, editoria de Artes e Variedades, do Correio Popular, em 12 de dezembro de 1985).
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