Pedro J. Bondaczuk
As normas da convivência internacional, que já não andavam sendo lá muito respeitadas desde a criação da Organização das Nações Unidas, foram totalmente subvertidas após o ataque de segunda-feira passada, às cidades líbias de Trípoli e Benghazi, por parte de aviões norte-americanos.
Doravante, ninguém irá estranhar quando controvérsias, antes resolvidas mediante acordos diplomáticos, ou pelo menos através de negociações, passarem a ser decididas à valentona, com o simples emprego de força militar. Quanto mais as autoridades – tanto norte-americanas, quanto da Europa Ocidental – procuram justificar esse ato de guerra, mais e mais se complicam e se comprometem.
Ontem, por exemplo, o jornal “The Washington Post” publicou uma declaração estarrecedora, atribuída ao presidente francês, François Mitterrand, a propósito do incidente, do qual, frise-se, o seu país não participou, nem por ação e nem por omissão. Esse dirigente teria dito, ao enviado de Reagan ao continente europeu, Vernon Walters, que a França teria concordado com o bombardeio, caso esse visasse à deposição do regime líbio, encabeçado pelo coronel Muammar Khadafy.
Em outras palavras, as grandes potências ainda se sentem com pleno direito de intervir na vida interna de outros Estados, no instante que desejarem (mesmo o período colonial tendo terminado, pelo menos oficialmente, na década de 60).
No caso da Líbia, o motivo da ação militar seria o pretenso patrocínio do seu governo ao terrorismo internacional. Aliás, pretextos nunca faltaram no passado e nem faltarão no futuro para justificar as mazelas e truculências dos povos que se julgam os tutores da humanidade. Só que os seus atos, através de séculos, em vez de servirem de redenção para os colonizados, apenas conseguiram aprofundar o fosso que os separava dessas pessoas submetidas aos seus caprichos, que eles garantiam desejar proteger e promover.
Ainda ontem, os ministros de Relações Exteriores europeus iniciaram uma reunião, no principado de Luxemburgo, para discutir prováveis sanções econômicas à Líbia. Essa providência, até aqui, vinha sendo repudiada por esses mesmos chanceleres, que a consideravam contraproducente e inócua. O que será que fez com que mudassem de opinião tão repentinamente? São mistérios insondáveis, para nós, terceiromundistas, que temos que assistir calados a esses atos atrabiliários e à total desmoralização de organismos internacionais, principalmente da ONU, tornados inviáveis por uma simples manifestação unilateral de vontade (má, por sinal) das grandes potências.
Esse procedimento, destaque-se, não vem de hoje. Começou com a retirada dos Estados Unidos – e posteriormente, da Grã-Bretanha – da Unesco, sob o pretexto de que essa organização que integra a ONU estava “excessivamente politizada”.
Não defendo os supostos atos do coronel Muammar Khadafy (se ele, de fato, fez aquilo de que o acusam), que ademais sequer foram provados. Trata-se, na verdade, de um conjunto de denúncias e de acusações, sem as competentes provas, como se todos tivéssemos que aceitar, liminarmente, como a mais pura verdade, as afirmações dos poderosos, que tantas vezes já foram flagrados mentindo, como se fossem verdades absolutas ou incontestáveis dogmas.
É de se temer, doravante, que guerras e conflitos regionais se multipliquem. Afinal, a União Soviética anteriormente (com as invasões à Hungria, Checoslováquia e Afeganistão e pressões à Polônia) e os Estados Unidos agora (invadindo Granada, financiando e treinando guerrilheiros na Nicarágua, intervindo no Vietnã e bombardeando a Líbia) firmaram uma lamentável jurisprudência: a de que a Justiça e a razão estão com os mais fortes; com os que contam com maior quantidade de armamentos ou que estes sejam os mais sofisticados e letais.
O que se disser em contrário, na prática, não passará de vazia e inócua retórica. A história e os grandes erros cometidos no passado não ensinaram nada, mesmo, a ninguém! Até quando a humanidade continuará permitindo que a força prevaleça sobre a razão, não importa qual seja o pretexto?!
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 22 de abril de 1986).
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