Thursday, January 17, 2013

Banalização da violência

Pedro J. Bondaczuk

O incidente ocorrido domingo, quando um avião de transporte, particular, tripulado por norte-americanos, carregado de armamentos, foi derrubado no Sudoeste da Nicarágua, está sendo visto por alguns analistas, dentro e fora dos Estados Unidos, como mais um passo em uma escalada capaz de transformar o conflito centro-americano num novo Vietnã.

Não concordo com um enfoque tão dramático e sequer creio em participação direta do governo Ronald Reagan neste episódio específico, embora não seja descartável a hipótese de alguém, ligado ao presidente, ter agido por sua própria conta e risco, achando que realizava uma grande façanha quando, na verdade, o que fez foi uma enorme e inoportuna trapalhada.

Não é novidade para ninguém que acompanha atentamente o desenrolar da crise na América Central, especialmente desde o ano de 1982 (quando foi descoberto um plano de desestabilização do regime sandinista, elaborado por assessores da Casa Branca) que muitas organizações particulares norte-americanas estão envolvidas na Nicarágua, atuando em ambos os lados da guerra civil.

Quando em meses recentes, o pedido de Reagan, de ajuda de US$ 100 milhões aos rebeldes anti-sandinistas estava em debate no Congresso dos EUA, facções pró e contra a medida veiculavam, abertamente, anúncios em redes nacionais de TV, de Nova York a Los Angeles, de uma costa a outra, em defesa de suas respectivas teses, como se a manutenção ou queda de um regime de outro país fosse uma questão a ser decidida não por seu próprio povo, mas alhures.

Há duas semanas, numa página em que analisei o fenômeno do terrorismo, publicada aqui, no Correio Popular, reproduzi alguns classificados de grupos mercenários de direita dos Estados Unidos recrutando jovens a lutarem, por dinheiro, na América Central.

A violência, como tudo o mais, hoje em dia, como se vê, foi transformada em produto de largo consumo para determinadas faixas de desequilibrados, de inadaptados e de indivíduos que, onde quer que estejam, serão eternos problemas, com direito a propaganda nos meios de comunicação e tudo o mais, como a venda de qualquer reles mercadoria.

À Casa Branca, é dispensável uma operação tão primária, como a de domingo passado, já que, a partir do momento em que a lei que concede a ajuda de US$ 100 milhões aos “contras” for regulamentada, os rebeldes poderão ser supridos de armamentos normalmente, sem maiores riscos ou sobressaltos. Por que, portanto, arriscar?

Aliás, o grande problema dos mercenários anti-sandinistas não é a falta de efetivos (eles contam com mais de 18 mil homens), nem de armamentos e muito menos de suprimentos. O que eles carecem é de credibilidade junto à população que desejam conquistar.

A imagem dos líderes rebeldes está irremediavelmente associada à ditadura de Anastásio Somozza, que sobreviveu, cinicamente, sob o olhar complacente dos Estados Unidos, por quatro décadas, sem que ninguém jamais pusesse reparos nos métodos de governo dos ditadores desse clã.

Aliás, os “contras”, pomposamente chamados por Reagan de “combatentes da liberdade”, merecem, de fato, esse apelido. “Contrariam” a vontade nacional. São traidores da pátria. Causam repugnância nos nicaragüenses que, mesmo não morrendo de amores pelos sandinistas, preferem-nos, porque eles representam, pelo menos, o único e curto momento de dignidade e soberania que a Nicarágua pôde viver neste atribulado século para a América Central, marcado por sucessivas invasões estrangeiras em diversos dos países da região.

O próprio presidente Ronald Reagan afirmou, reiteradas vezes, que seu objetivo não é a deposição, pelas armas, do presidente Daniel Ortega. O que ele deseja é criar um clima de impasse de tal sorte na Nicarágua que leve os sandinistas a concordarem em partilhar o poder e romper todos os laços com a União Soviética.

Mas não será utilizando esse caricato “Exército de Brancaleone”, que são os grupos anti-sandinistas atuais, que ele vai conseguir alcançar esse objetivo. Até agora, o tiro está saindo pela culatra. O regime está se fechando, mais e mais, a pretexto de enfrentar uma agressão externa (o que não deixa de ser verdade). Com isso, a Nicarágua está se “satelizando”, entrando, cada dia mais, na órbita marxista e, o que é pior, se depauperando, com a economia em frangalhos e com graves problemas sociais.

Quem está pagando, como sempre, esta perversa conta, é o sofrido e impotente povo nicaragüense, colhido, acuado e desprotegido em meio a um fogo cruzado de interesses ideológicos antagônicos que sequer são os seus.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 10 de outubro de 1986)

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