Pedro J. Bondaczuk
O limite entre o sucesso e o fracasso é sumamente frágil e sutil e o êxito, seja em que atividade for, raríssimas vezes é contínuo e definitivo. É, como o italiano Alberto Morávia tão bem o caracterizou: “lauto banquete, ao qual convém digerir e se preparar para uma próxima refeição”. Ou seja, quando somos bem sucedidos em algo, não devemos nos satisfazer com isso e nos dar por realizados, mas buscar mais e mais, tendo sempre em mente que o sucesso pode ou não se repetir.
Muitos sucumbem diante do primeiro fracasso e, não raro, encerram, prematuramente, carreiras que tinham tudo para serem brilhantes. Desanimam, perdem a confiança em seu talento e procuram se empenhar em outras atividades. Um dos maiores méritos de Victor Hugo, porém, foi o de nem se empolgar demais com êxitos (e muito menos se acomodar) nem ser abater com insucessos. Buscou descobrir onde errou para continuar produzindo, com mais qualidade, como se nada de negativo lhe tivesse acontecido. Isso é raro tanto em Literatura quanto em tudo o que fazemos (e que nos acontece na vida).
Ao leitor desavisado da biografia do autor de “Os miseráveis” pode ficar a impressão de que ele foi um colecionador de sucessos, sem nunca tropeçar e cair. Nada mais falso. Hugo fracassou, e muitas vezes. Reitero, todavia, que suas molas propulsoras foram a persistência, a perseverança e a capacidade de absorver fracassos e de transformá-los em sucessos. Isso aconteceu, por exemplo, com seu casamento – que conseguiu salvar quando parecia ter naufragado irremediavelmente – com sua atuação política, marcada por altos e baixos, mas caracterizada pela humildade de mudar de opinião quando convencido que estava errado e, principalmente com sua Literatura. Estivesse vivo, veria que alguns de seus livros, que foram fracassos de crítica e de vendas no seu tempo, são, atualmente, retumbantes sucessos, disputados a tapas por apaixonados leitores.
Victor Hugo, por exemplo, teve enorme decepção com seu primeiro romance, “Hans da Islândia”, publicado justamente em 1822, o ano de seu casamento. Pior, esse fracasso se deu apenas um ano depois do estrondoso sucesso do seu livro de poesias, “Odes e poesias diversas”, que além de vender bastante, lhe valeu uma pensão, concedida pelo rei Luís XVII. O que um escritor comum pensaria diante disso? Como agiria? Provavelmente concluiria que o romance não era sua praia. E, salvo uma ou outra exceção, nunca mais se aventuraria no terreno da ficção. Nem é preciso ressaltar que Hugo não agiu assim. Pelo contrário. Escreveu romances e mais romances, colecionando sucesso após sucesso.
Tornou-se um dos raros escritores do seu tempo que pôde se dar o luxo de viver exclusivamente de literatura. Ganhou muito dinheiro com seus livros, além de enriquecer seus editores. O fracasso do seu primeiro romance, que foi mal recebido pela crítica, ocorreu em um período em que mais precisava de dinheiro. Viu-se, dessa forma, numa enrascada financeira das grandes e que viria a se complicar na sequência, dois anos depois, com o nascimento da sua primeira filha, Leopoldine, o que, certamente, multiplicou suas despesas.
Hugo, porém, valeu-se de vencedora estratégia para dar a volta por cima. Como até então seu livro de maior sucesso havia sido de poesias, voltou a insistir no gênero. Lançou, em 1826, “Odes e baladas” que, se não superou, pelo menos igualou o êxito de “Odes e poesias diversas”. Além do que, restabeleceu seu prestígio no mundo literário, abalado com o insucesso do primeiro romance. Esse fato marcou o início de uma das fases mais criativas e bem-sucedidas da vida do escritor.
Hugo viria a ter problemas com a peça teatral “Manon do Lorme”, de 1829, que poderia ter sido seu primeiro trabalho do gênero a ser levado ao palco, mas não foi. Desta vez, não foram os críticos que impediram a apresentação, mas foi a censura. O texto tratava da vida de uma cortesã francesa do século XVII, mas foi considerado, digamos, “liberal demais” para a ocasião (para não dizer “imoral”). Além disso, os censores (figuras detestáveis, principalmente quando se trata de censurar obras de arte, que têm que ser rigorosamente livres de qualquer censura), interpretaram o enredo da peça como crítica velada ao rei Carlos X.
Torno a perguntar: o que um escritor comum faria nessas circunstâncias? Certamente deixaria de lado esse gênero e investiria no que já lhe havia dado fama e dinheiro. Mas... Hugo nunca foi “comum”. Foi excepcional. Apenas um ano depois, em 1830, tinha outra peça prontinha, “Hernani”, para ser encenada. E ela era tão polêmica oui mais que a anterior, que havia sido censurada. Tanto que causou profundo impacto na opinião pública. Os conservadores, as pessoas mais velhas, detestaram-na. Já os progressistas, ou seja, a juventude de Paris, adoraram-na e acolheram-na com entusiasmo. A peça lotou teatros e por muito tempo, permanecendo por várias temporadas em cartaz. Outro ponto, portanto, para o determinado, persistente (e genial, claro) escritor.
“Hernani” extrapolou o âmbito literário e/ou teatral. As opiniões contidas na peça geraram discussões por muito tempo em toda a França, opondo os que defendiam a manutenção do “status quo” e os que batalhavam por profundas reformas sociais no país. Falando bem ou falando mal, o fato é que, em sendo tão falado, cresceu, desmedidamente, o prestígio de Hugo. E esse crescimento render-lhe-ia, muitos anos depois, considerável saldo político. Tanto que, ao regressar, em 1870, do exílio, após 18 anos longe da pátria, foi eleito, primeiro, deputado e, posteriormente, senador. Isso é que é “capitalizar” um sucesso!
Cito, a título de ilustração, um fato – que requer ligeiro comentário à margem – que dá bem a medida da gratidão e da reverência dos franceses em relação a esse controvertido e geralmente polêmico escritor. Em toda a sua obra, quer poética, quer ficcional, quer de ensaios, tratou com muito respeito propósito das meretrizes, criando várias personagens com essa característica, condoído por sua situação e revoltado com os que as exploravam. Claro que nunca chegou a defender essa que é tida como a “profissão mais antiga do mundo”. Mostrou, no entanto, profunda piedade pelas que a exerciam. Pois bem, quando da morte de Hugo, o que você, atento e paciente leitor, acha que aconteceu? Todas as prostitutas de Paris guardaram luto, agradecidas por quem as respeitou e compreendeu!!!!
Das várias biografias que li, portanto, as que tratam desse peculiar e, sobretudo, humano biografado foram as que mais me fascinaram, por tudo o que dele já comentei e pelo me proponho, ainda, a comentar.
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