Pedro J. Bondaczuk
A baronesa Bertha Von Suttner é reconhecida como a pessoa que inspirou Alfred Nobel a destinar, em testamento, parte considerável de sua fortuna para premiar pessoas que fossem consideradas benfeitoras da humanidade em suas respectivas atividades. Ambos se conheceram em Paris, depois que a mulher foi admitida como secretária e governanta do inventor. Ela procurou-o em decorrência de um anúncio de jornal oferecendo esse tipo de emprego. Queria deixar Viena para trás, após seu romance (frustrado) com o jovem herdeiro do barão (em cuja casa trabalhava), Arthur, ter sido impedido pela família dele.
Em Paris, Bertha e Alfred se conheceram, simpatizaram de imediato um com o outro e estreitaram relações, que se tornaram muito mais profundas e duradouras do que um relacionamento de patrão com empregada. Tornaram-se amigos. E essa amizade durou por toda a vida de ambos. Mesmo depois que Bertha deixou o emprego, para casar-se, continuou se correspondendo com o inventor, com o qual se encontrou em diversas ocasiões, tanto em encontros casuais, quanto em agendados.
Bertha, embora se sentisse útil e realizada trabalhando para Alfred Nobel, não conseguia esquecer seu amado Arthur Von Suttner. Este, por sua vez, continuava apaixonado por ela muito mais do que antes. Os dois trocavam longas e apaixonadas cartas, e as irmãs do jovem barão, por sua vez, também escreviam, penalizadas com o sofrimento do rapaz. Destacavam que este mudara muito desde a separação, emagrecera, tornara-se calado, arredio e desinteressado de tudo. Diziam, até, que o flagraram chorando em diversas ocasiões. Amor, ah o amor!
Até que um dia, justo na ocasião em que Alfred Nobel precisou viajar para Estocolmo para inaugurar nova fábrica de dinamite na Suécia, Bertha recebeu um bilhete do amado, com apenas estes dizeres: “Não posso viver sem você”. E ela não teve dúvidas: largou tudo, escreveu uma longa carta de agradecimento ao patrão, com pedido de desculpas por deixá-lo tão intempestivamente, penhorou algumas jóias que tinha e comprou passagem de trem, no primeiro expresso com destino a Viena. Três semanas depois, casava-se, escondida do mundo, no minúsculo principado de Mingrélia, no Cáucaso (que nove anos antes havia pertencido ao império russo), para onde o casal fugiu.
A lua de mel foi longa, mas penosa. Pode-se dizer que durou nove anos também. Nesse período, os “pombinhos”, acostumados ao conforto que o dinheiro pode trazer, chegaram a viver praticamente na miséria. Tiveram que amadurecer à força. Não havia outro jeito. Arthur empregou-se como guarda-livros em uma fábrica de papel de parede. Bertha lecionava piano e canto às filhas da nobreza local. O que os dois ganhavam, mal dava para o sustento.
Em 1877, porém, aconteceria um fato que mudaria a sorte do casal Von Suttner, fazendo com que seus conceitos sobre guerra e paz mudassem por completo. Tratou-se do conflito armado declarado pela Rússia contra a Turquia. Aquela pacata região do Cáucaso transformou-se, subitamente. De aprazível local de descanso, tornou-se campo de batalha. Bertha, até então, não se opunha à guerra, desde que fosse “justa”. Afinal, era filha de militar, de um marechal austríaco de grande fama e respeito. Isso começou a mudar, porém, em seu espírito, diante da visão diária, de jovens saudáveis e alegres partindo, despreocupados para o front, e voltando em trens-hospitais, quando não em caixões de defunto, sujos, famintos, em farrapos, feridos, quando não mortos.
Na juventude acreditara que as guerras eram oportunidades para se forjarem heróis, que voltavam dos campos de batalha com o peito coberto de medalhas para valsar, garbosamente, nos elegantes salões de Viena. Todavia, Bertha conhecia, agora, toda a miséria e a imundície, física e moral, que essa insânia causava. Exercia então intensa atividade, quer como enfermeira, cuidando de soldados feridos, quer como auxiliar na cantina local ou até mesmo como uma espécie de psicóloga, consolando mães e viúvas pela perda de filhos e maridos em batalhas ferozes e inglórias. Passou a odiar os políticos e generais, que mandavam jovens saudáveis e promissores para a morte apenas para satisfazer ambições e caprichos pessoais. Revoltava-se, sobretudo, com a própria impotência, por não poder fazer nada para deter e impedir tamanha insânia e estupidez.
Com a guerra, porém, Arthur obteve inesperada oportunidade profissional, que agarrou com as duas mãos. Passou a escrever uma série de artigos para jornais de Viena, com relatos das batalhas, que se transformaram numa sensação na capital austríaca, por serem detalhados e muito bem escritos. Com o correr dos anos e o fim do conflito armado, ele voltou-se para a literatura e tornou-se escritor de sucesso. E ela, influenciada e incentivada por Arthur, decidiu, também, incursionar pelo mundo das letras. A princípio, escreveu um ensaio de cunho pacifista. Mas, temendo ser barrada pelos jornais, por causa do preconceito contra as mulheres, assinou o texto com o pseudônimo de “B. Oulot” e remeteu-o ao “Presse”, de Viena. Foi uma sensação. O sucesso foi estrondoso e imediato.
Em resumo, na passagem pelo Cáucaso, o casal Von Suttner superou suas dificuldades financeiras e encontrou seu caminho na vida. Marido e mulher tornaram-se escritores. E a dupla escreveu – em parceria ou individualmente – seis romances, todos bem-sucedidos, além de grande quantidade de artigos. Ambos tornaram-se respeitados e admirados literatos, no restrito e tão complicado mundo das letras. E, o que é melhor. Em 1885 os pais de Arthur perdoaram a fuga do casal. Foram mais longe: ofereceram-lhe um apartamento permanente em seu castelo de Viena, pondo fim, dessa forma, ao longo exílio que ambos haviam se auto-imposto como preço para poderem se casar. Foi assim que Bertha se tornou a “Baronesa Von Suttner”. Foi, como se vê, o triunfo do amor sobre o preconceito de classe.
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