Pedro J. Bondaczuk
A principal característica (e uma de suas maiores virtudes) da vasta obra literária de Victor Hugo é o fato dela ter conteúdo. Foi um escritor que jamais teve receio de opinar sobre qualquer assunto, sem considerar nenhum tema, absolutamente nenhum, como tabu. Opinou, sempre com fundamento e lógica, sobre religião, por exemplo, verdadeiro campo minado até para pessoas especializadas na matéria, os teólogos, o que dirá para um leigo. “Filosofou” com propriedade e não apenas em ensaios, mas na maioria dos poemas que compôs, nos romances, nas peças teatrais e em tudo o que publicou.
É o tipo de autor cujos livros se têm que ler com atenção redobrada, mesmo em se tratando de ficção. Mas não porque tenha estilo confuso e empolado, repleto de desnecessários jargões filosóficos, científicos e/ou teológicos, desses que o leitor precisa fazer exaustiva ginástica mental para entender o que pretendeu expressar. Nesse aspecto, aliás, foi exemplar: primou pela clareza, simplicidade e objetividade. Sempre soube dar o seu recado. Sem abrir mão de linguagem elegante, passou suas mensagens, não raro polêmicas, dessas que remam contra a maré, mediante palavras claras, objetivas, precisas, com precisão que se pode classificar de “milimétrica”.
Seus livros requerem, sim, atenção redobrada, mas para que não se percam pérolas de pensamento das quais foi pródigo. Raros escritores tiveram e têm essa coragem de se expor, e o tempo todo, pois Hugo nunca fugiu de temas polêmicos, desses que, se você não tiver sólidos fundamentos culturais, tende a resvalar, facilmente, para o ridículo. Suas opiniões, fortes e incisivas, foram, muitas vezes, rebatidas com vigor por seus adversários e até inimigos gratuitos, mas jamais foram rotuladas ou classificadas de superficiais, vazias e, por isso, inconsistentes.
Nunca li qualquer livro de Hugo sem ter à mão caneta e um providencial bloco de anotações, para registrar citações e mais citações, que me têm sido de extrema utilidade, como “ganchos” para minhas tantas e próprias reflexões. Isso não quer dizer que concordo com “todas” suas opiniões. Discordo de muitas. Mas jamais li alguma que fosse vaga, sem fundamento e sem cunho nitidamente esclarecedor e construtivo, ou seja, que me passasse a mais ligeira impressão de que se tratasse de mero “chute” a propósito de algum assunto que o autor não tivesse pleno conhecimento de causa.
Muitas de suas opiniões são tidas hoje (e o eram no seu tempo) como ingênuas, sobretudo a propósito de questões sociais. Afinal, era um idealista por excelência, jamais abrindo mão dos ideais que o moveram na juventude e que o acompanharam por 83 anos, ou seja, até sua morte.
Acreditava na racionalidade humana. Tinha fé no homem e na sua capacidade de consertar erros e superar contradições. Idealizava um socialismo, sim, mas não aquele da “Comuna de Paris”, cujos excessos combateu, embora tenha defendido com vigor a anistia para os insurretos. Certamente jamais apoiaria, se estivesse vivo, o tipo de regime que seria implantado alguns anos depois da sua morte, na extinta União Soviética. Não condizia com suas mais profundas e arraigadas crenças.
Entendia que a absoluta igualdade de classes, por exemplo, seria nociva ao país, pois desestruturaria sua economia, afetando a produção e gerando escassez e miséria, por suprimir a motivação das pessoas para produzirem mais e melhor. O que não concebia, porém, era o estado de miserabilidade dos operários e camponeses, o que julgava vil e imoral.
Sua ingênua ideologia creditava sinceridade e lógica às ações humanas. A História, todavia, nos mostra que essas características são raríssimas e ocorrem (se e quando ocorrem), em escassíssimas ocasiões. Prevalecem, isso sim, a ganância, a cobiça, a perversa e desigual competição, o instinto do mais forte de subjugar e explorar o mais fraco, visando, exclusivamente, vantagens pessoais a qualquer custo.
Defendia uma tese – que secretamente sempre foi, se não meu ideal, pelo menos minha esperança, mas que, objetivamente, sei que não passa de sonho, por ser implausível e irrealizável – ou seja, a da criação de uma República única, indivisível e universal, unindo todos os povos do Planeta em uma única e homogênea comunidade, sob um governo escolhido livremente pelo voto e que abolisse, de vez, o feudalismo aristocrático.
Defendia um regime em que nenhuma pessoa, em parte alguma, passasse fome; em que não houvesse falta de emprego para ninguém; em que todas as pessoas contassem com moradias dignas, com oportunidades de acesso à educação, à assistência médica e à segurança pessoal.
Óbvio que se tratava de utopia. E, nos tempos atuais, é ideal mais utópico e irrealizável ainda. Provavelmente (e é 99,9% certo), nunca virá a se concretizar. Não haverá nada sequer remotamente parecido Para que se tornasse minimamente possível, seria necessária uma profunda e radical “reforma” no coração humano. Mas de todos os mais de sete bilhões de habitantes da Terra, sem comportar exceções. Cá para nós, uma utopia tão magnífica, posto que apenas ficção, só poderia passar pela cabeça de um poeta. E que poeta! Exatamente o mais reverenciado que a França, pródiga deles, já produziu.
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