Pedro J. Bondaczuk
O que torna determinados indivíduos bons escritores, enquanto outros, melhor preparados, cultos, autodisciplinados, organizados e observadores, não conseguem atingir grau de excelência sequer razoável? Existe alguma “fórmula” infalível para isso? Ouso afirmar: não! Não há. Se houvesse, qualquer um seria escritor digno de frequentar academias de letras e se tornar paradigma de qualidade e de sucesso. E não é isso o que acontece, claro.
Talento pode ser um dos fatores contribuintes para alcançar esse objetivo. Todavia, apenas ele não basta. Conheço dúzias de pessoas talentosas que, no entanto, nunca souberam o que fazer com sua aptidão. Conheço, também, indivíduos com imensas dificuldades de raciocínio e, sobretudo, de comunicação (principalmente por escrito), mas que, com esforço, perseverança e dedicação, produziram obras surpreendentes, de qualidade muito acima da média. Portanto, reitero e confirmo: não existe fórmula que assegure a quem quer que seja que venha a se tornar escritor sequer razoável, quanto mais excelente.
Creio que o único fator indispensável, determinante do sucesso não só na Literatura, mas em tudo na vida, seja o das circunstâncias. Se estas forem “todas” favoráveis (o que, convenhamos, é raríssimo), nada impedirá quem for bafejado por elas de atingir o topo. Em caso contrário, seus esforços e virtudes, por maiores e melhores que sejam, serão baldados e vãos. Há fatores (e muitos) que se não garantem por si sós que se alcance o pretendido nível de excelência, contribuem para isso. Não os nomearei para não ser redundante, já que o leitor sagaz sabe, de sobejo, quais são. Citarei, somente, o da “experiência”, que considero fundamental não apenas ao escritor, mas a qualquer pessoa, não importa sua atividade. E, claro, o de saber o que fazer com ela.
Este longo preâmbulo vem a propósito de uma tentativa de explicação para o sucesso do personagem que venho enfocando atualmente, Víctor Marie Hugo. As circunstâncias da sua vida favoreceram-no para que acumulasse vasta experiência, e em idade bastante precoce. E ele soube o que fazer com ela. Tornou-a matéria-prima da sua magnífica obra, que conseguiu transformar em romances, poemas, novelas e ensaios marcantes, com as “ferramentas” da Literatura, que usou com perícia, dado seu inegável talento. Mas, é mister que eu coloque ordem neste relato e parta do princípio. É o que farei.
Victor Marie Hugo nasceu em 26 de fevereiro de 1802 na cidade francesa de Besançon, filho do general Joseph Leopold Sigisbert Hugo, oficial de confiança de Napoleão Bonaparte. Durante toda a infância, acompanhou o pai em suas andanças pela Europa, às voltas com as conquistas e fracassos militares do “Grande Corso”. Dessa forma, esteve na Calábria, em Nápoles, em Roma, em Florença e em tantas outras localidades em que o general esteve em missão.
Viveu, durante certo tempo, também na Espanha. Essas viagens, certamente, contribuíram para a formação do espírito aberto e universalista do jovem Víctor, sobretudo para uma visão mais ampla do mundo, fatores que se manifestariam, anos mais tarde, sobretudo em seus romances de cunho social, especialmente em “Os miseráveis” (sobre o qual escrevi detalhado ensaio que consta do meu livro, inédito, “Dimensões infinitas”).
Aliás, em sua passagem pela Calábria – onde o pai foi governador – a família do menino vivenciou um episódio que lhe foi sumamente marcante e instrutivo, posto que dramático. O general Hugo, ao cabo de sua gestão nessa região da atual Itália, foi preso, após uma dessas reviravoltas políticas tão freqüentes e comuns na vida dos povos. Na oportunidade, dividiu a cela com o célebre bandoleiro “Fra Diávolo”, reconhecidamente perverso bandido, flagelo para todo cidadão de bem . Foi quando o garoto compreendeu, e muito cedo, que o limite entre a glória e a derrocada é estreitíssimo, ínfimo, do calibre comparável ao de um fio de cabelo. Anos depois, no auge da glória e da fama, lembrou-se desse episódio. E não se deixou, jamais, empolgar pelo sucesso, entendendo que ele era frágil e volátil, e poderia se transformar, subitamente, a qualquer momento, em catástrofe irremediável.
Aos nove anos de idade, em 1811, Víctor retornou à Espanha na companhia da família. Na oportunidade, Napoleão empenhava-se em anexar o território desse país ao da França, nomeando, inclusive, seu irmão para governá-lo. Aproximava-se, porém, um tempo de grandes provações para os franceses, decorrente das aventuras militares de seu truculento general imperador. Os poderosos da Europa deixaram de lado suas desavenças e juntaram forças para deter as desmedidas ambições de conquista do “Grande Corso”, que os fustigava e ameaçava com seus poderosos exércitos, de centenas de milhares de fieis soldados.
Todavia, a derrocada de Napoleão, na batalha de Waterloo, viria a acontecer, apenas, após sua temerária, tresloucada e desastrosa campanha na Rússia – magistralmente descrita, pela visão dos agredidos, por Leon Tolstoi, em seu clássico “Guerra e paz” – que o jovem Víctor, no entanto, não chegou a testemunhar. Preocupado com seu futuro, o pai levou-o para Paris e internou-o no Pensionato Cordier, para que aprendesse as primeiras letras, ingressando, a seguir, no Liceu Louis Legrand, no período de 1815 a 1818.
Por esta época, o rapaz enfrentou sua primeira grande batalha pessoal, posto que acadêmica: era fraco em Matemática. Todavia, tinha que dominar a matéria de qualquer maneira, para ingressar na Escola Politécnica, onde pretendia cursar Direito. Com uma garra digna de grande guerreiro, posto que não físico, mas intelectual, superou esse obstáculo com galhardia. O adolescente descobriu, na hora de maior necessidade, que era dotado de capacidade de raciocínio muito superior à média. E utilizou com maestria esse recém descoberto potencial não somente para números, mas, principalmente para as letras. Tanto que em 1819, com apenas 17 anos de idade, apresentou três peças em versos para a então famosa “Academia dos Jogos Florais”. Todas as três foram premiadas, e em primeiro, segundo e terceiro lugares. As circunstâncias apontaram-lhe, pois, o caminho a seguir. E ele, astutamente, sem relutância, o trilhou, o que o conduziu à glória, à fama e talvez à imortalidade.
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