"Que é a política senão obra de homens?"
Pedro J. Bondaczuk
O pensamento político
de Machado de Assis seria diferente do que expressou em seus artigos, romances
e contos caso, por um desses sortilégios incríveis, e impossíveis, ele
“renascesse” e voltasse à ativa, na imprensa e na Literatura? Essa é uma
pergunta recorrente que ouço, amiúde, entre meus amigos, aqueles familiarizados
com a sua obra. Como saber? Não é possível. Só se pode especular a respeito,
com base no que “supomos” conhecer dele (conhecer, mas conhecer mesmo, ninguém
conhece ninguém, nem a si próprio). Tenho, assim como várias pessoas com que
conversei sobre isso têm, minha opinião sobre isso. Não garanto que seja a
verdadeira, por motivos óbvios. Afinal, essa possibilidade (na verdade impossibilidade)
não passa só de especulação e nada mais.
Entendo, por exemplo,
que a opinião de Machado de Assis não seria diferente hoje, da que foi em 5 de
março de 1867, véspera das eleições legislativas daquele ano, quando publicou
uma crônica em que apontava algumas razões, no seu entender, de tantos cidadãos
se disporem a seguir carreira política. Escreveu: “Eu creio que há em todo o
império uma soma de políticos capaz de formar cinco ou seis câmaras. É que não
há outra classe mais numerosa no Brasil. Divide-se essa classe em diversas
seções: políticos por vocação, políticos por ambição, políticos por vaidade,
políticos por interesse, políticos por desfastio, políticos por não terem nada
que fazer. Imagino daqui o imenso trabalho que há de ter V. Excia. em escolher
os bons e os úteis entre tantos. E esse é o meu desejo, essa é a necessidade do
país”.
Agora pergunto: haveria
motivo para Machado de Assis mudar de opinião caso, hoje, tivesse que redigir
um artigo, em véspera de eleições, face à enxurrada de candidatos que sempre se
apresentam diante do eleitor, todos ávidos pelo seu voto, disputado quase que a
tapa? Na votação do ano passado, por exemplo, os postulantes aos vários cargos
em disputa somaram, se não estou enganado, cerca de 60 mil, ou algo que o
valha. Uma enormidade, como se vê. Mais do que as populações somadas de Mônaco
e San Marino, que são países com assento na ONU.
Todo esse caudaloso
contingente de postulantes é constituído por “políticos por vocação”,
idealistas que desejam, apenas, o bem comum e a prosperidade da Pátria? Ora,
ora, ora... Quem afirmar isso, ou é o alienado dos alienados ou estará fazendo
piada, e das mais sem graça. Parcela considerável postulou um cargo por ambição
(não raro desmedida, aquela que leva muitos a recorrerem até a ações criminosas
para satisfazer sua ganância). Outro tanto, candidatou-se por interesse
(próprio, ou de grupos a que estavam vinculados). Certamente muitos e muitos o
fizeram exclusivamente por vaidade. E o eleitor, coitado, teve que tentar separar
o joio do trigo. Não conseguiu, óbvio. Daí...
O que Machado de Assis
diria dessas eleições específicas? Como avaliaria essa “inflação” de cargos,
(executivos e/ou legislativos, não importa) a aerem preenchidos? Além de
presidente e vice, coube-nos a tarefa de escolher 27 governadores e seus
eventuais substitutos. No ano que vem, teremos que eleger mais de 5.500
prefeitos, com os respectivos vices e as respectivas câmaras de vereadores, com
cadeiras variando de em torno de uma dezena a 33, dependendo da população de
cada cidade. Só no Congresso, foram eleitos 513 deputados e 81 senadores
(considerando o todo, inclusive o um terço de cadeiras que não precisou ser
renovado). Pra que tanto?!!! Quantidade, no caso, tem a ver com qualidade? Ora,
ora, ora. E não faço a menor idéia do número de cadeiras somadas das 27
assembléias legislativas do País. Só sei que são muitas. É necessário tudo
isso? Pra que um gasto tamanho, custeado pelos nossos (escorchantes) impostos?
O que Machado de Assis pensaria disso? Dá para imaginar, não é fato? Garanto
que não seria nada lisonjeiro.
Depreendo, da leitura
de vários de seus artigos e crônicas, que Machado de Assis era cético a
propósito da política. Não acreditava que era o melhor meio (ou mesmo o único)
para promover a prosperidade dos povos, com um mínimo que fosse de justiça
social. Deu a entender, até mesmo, que a considerava “mal necessário”. Não
escreveu isso explicitamente, mas, para um bom entendedor... meia palavra
basta, não é mesmo? Afirmou, por exemplo, em uma crônica de 13 de dezembro de
1868: “Para ser pensador é mister olhar as coisas por cima do ombro do seu
partido. Nisto incluo republicanos e monarquistas, socialistas e absolutistas,
todos quantos querem organizar o mundo como um tabuleiro de xadrez, e dar a
forma predileta de suas convicções como a panacéia universal de todas as
doenças políticas, sem atenção à índole, estado, tendências, desenvolvimento
histórico e moral dos povos”. E aduziu, mais adiante: “Os Vitrúvios do século
querem fazer da política uma arquitetura, e esquecem justamente que a
arquitetura compõe-se de linhas curvas e linhas retas. Será remédio a política,
será; mas é mister não esquecer o equívoco de Figaro que, tendo a seu cargo uma
repartição de drogas, dava muita vez aos homens bons medicamentos de cavalo. –
o que lhe inspirou esta reflexão sensata, mas tardia: Ah! Ah! Não há remédio
universal!”. E há?!!!
Além do mais, Machado
de Assis identificou, nessa mesma crônica, o que faltava no cenário político
(nacional e internacional): “O Bom Senso! Ó desterrado do século! Quando
voltarás a este mundo para repor as coisas nos seus eixos? Sem ti matam-se e
decompõem-se os homens, fazem-se e desfazem-se governos, cruzam-se os
interesses, campeia a vaidade, domina a força, sob todas as formas, da espada e
do número, sem ti andamos em perpétuo conflito, sem ti vamos ter a
política-xadrez, a política-uniformidade, a política-alinhamento. Quando
voltarás a este mundo, ó Bom Senso, ó meu amigo?”.
Diga, paciente leitor,
se Machado de Assis vivesse em nosso tempo e estivesse na ativa, no jornalismo
e na Literatura, teria opinião diversa dessas sobre política e políticos?
Embora se trate de mera especulação, ponho minha mão no fogo e asseguro,
convicto: não, não e não! As coisas, nesse aspecto, só pioraram, e muito, em
relação ao seu tempo. Li, dia desses, esclarecedora monografia do mestre em
Filosofia e professor da Faculdade Católica de Anápolis, João Batista de A.
Prado Ferraz Costa intitulada “O realismo político de Machado de Assis”.
Atentem, sobretudo, para a forma como ele encerra esse lúcido texto (que
compartilho com vocês e que assino embaixo, sem titubear):
“De tudo isto resulta
claro o interesse de Machado de Assis pela política. Um interesse expresso
muitas vezes em tom sarcástico, mas real e profundo. Um interesse que revela
uma preocupação ética constante pelas exigências da justiça e do bem comum. A
concepção machadiana da política é um aspecto da sua concepção filosófica da
vida. Uma concepção que, à primeira vista, parece agnóstica, cética. Mas para o
leitor atento e assíduo de Machado será fácil superar essa impressão
superficial da obra do grande mestre e penetrar-lhe o sentido mais profundo e
descobrir uma visão espiritualista e bíblica da vida e da história”.
Diz mais: “Na verdade,
o pensamento político de Machado de Assis, que, a partir de alguns de seus
textos, parece indicar uma concepção determinista, encerra a sua crença na
Providência Divina no destino dos povos, pois quando diz que o homem, por mais
que se agite e arroste aos fatos, a sociedade se organiza por si mesma (como se
depreende da sua imagem da roseira e do jardineiro), ele põe o homem na
condição de causa eficiente segunda do ser social. A sucessão das sociedades e
impérios ao longo do história, que nem sempre premia os bons e castiga os maus,
está subordinada a um plano divino. Os homens lutam e pleiteiam na terra em
demandas intermináveis pelo poder, mas só perante o tribunal da Divina
Providência é que se pronunciará a sentença inapelável.
E o mestre encerra assim
sua monografia: “Só assim, a meu ver, se pode entender a referida analogia
empregada por Machado. Enfim, ler Machado de Assis não é apenas reviver um
período tão pitoresco da história nacional ou apreciar o português mais bem
escrito entre nós, é aprender a ser mais humano, é ver a grandeza de um talento
artístico e a nobreza de um coração voltado para a elevação do espírito humano.
Daí o seu valor estético e moral perene”. Afinal, como Machado de Assis
perguntou, para em seguida responder: “Que é a política senão obra de homens?”.
Sim, o que é?
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