Saturday, July 04, 2015

"Que é a política senão obra de homens?"


Pedro J. Bondaczuk

O pensamento político de Machado de Assis seria diferente do que expressou em seus artigos, romances e contos caso, por um desses sortilégios incríveis, e impossíveis, ele “renascesse” e voltasse à ativa, na imprensa e na Literatura? Essa é uma pergunta recorrente que ouço, amiúde, entre meus amigos, aqueles familiarizados com a sua obra. Como saber? Não é possível. Só se pode especular a respeito, com base no que “supomos” conhecer dele (conhecer, mas conhecer mesmo, ninguém conhece ninguém, nem a si próprio). Tenho, assim como várias pessoas com que conversei sobre isso têm, minha opinião sobre isso. Não garanto que seja a verdadeira, por motivos óbvios. Afinal, essa possibilidade (na verdade impossibilidade) não passa só de especulação e nada mais.

Entendo, por exemplo, que a opinião de Machado de Assis não seria diferente hoje, da que foi em 5 de março de 1867, véspera das eleições legislativas daquele ano, quando publicou uma crônica em que apontava algumas razões, no seu entender, de tantos cidadãos se disporem a seguir carreira política. Escreveu: “Eu creio que há em todo o império uma soma de políticos capaz de formar cinco ou seis câmaras. É que não há outra classe mais numerosa no Brasil. Divide-se essa classe em diversas seções: políticos por vocação, políticos por ambição, políticos por vaidade, políticos por interesse, políticos por desfastio, políticos por não terem nada que fazer. Imagino daqui o imenso trabalho que há de ter V. Excia. em escolher os bons e os úteis entre tantos. E esse é o meu desejo, essa é a necessidade do país”.

Agora pergunto: haveria motivo para Machado de Assis mudar de opinião caso, hoje, tivesse que redigir um artigo, em véspera de eleições, face à enxurrada de candidatos que sempre se apresentam diante do eleitor, todos ávidos pelo seu voto, disputado quase que a tapa? Na votação do ano passado, por exemplo, os postulantes aos vários cargos em disputa somaram, se não estou enganado, cerca de 60 mil, ou algo que o valha. Uma enormidade, como se vê. Mais do que as populações somadas de Mônaco e San Marino, que são países com assento na ONU.

Todo esse caudaloso contingente de postulantes é constituído por “políticos por vocação”, idealistas que desejam, apenas, o bem comum e a prosperidade da Pátria? Ora, ora, ora... Quem afirmar isso, ou é o alienado dos alienados ou estará fazendo piada, e das mais sem graça. Parcela considerável postulou um cargo por ambição (não raro desmedida, aquela que leva muitos a recorrerem até a ações criminosas para satisfazer sua ganância). Outro tanto, candidatou-se por interesse (próprio, ou de grupos a que estavam vinculados). Certamente muitos e muitos o fizeram exclusivamente por vaidade. E o eleitor, coitado, teve que tentar separar o joio do trigo. Não conseguiu, óbvio. Daí...

O que Machado de Assis diria dessas eleições específicas? Como avaliaria essa “inflação” de cargos, (executivos e/ou legislativos, não importa) a aerem preenchidos? Além de presidente e vice, coube-nos a tarefa de escolher 27 governadores e seus eventuais substitutos. No ano que vem, teremos que eleger mais de 5.500 prefeitos, com os respectivos vices e as respectivas câmaras de vereadores, com cadeiras variando de em torno de uma dezena a 33, dependendo da população de cada cidade. Só no Congresso, foram eleitos 513 deputados e 81 senadores (considerando o todo, inclusive o um terço de cadeiras que não precisou ser renovado). Pra que tanto?!!! Quantidade, no caso, tem a ver com qualidade? Ora, ora, ora. E não faço a menor idéia do número de cadeiras somadas das 27 assembléias legislativas do País. Só sei que são muitas. É necessário tudo isso? Pra que um gasto tamanho, custeado pelos nossos (escorchantes) impostos? O que Machado de Assis pensaria disso? Dá para imaginar, não é fato? Garanto que não seria nada lisonjeiro.

Depreendo, da leitura de vários de seus artigos e crônicas, que Machado de Assis era cético a propósito da política. Não acreditava que era o melhor meio (ou mesmo o único) para promover a prosperidade dos povos, com um mínimo que fosse de justiça social. Deu a entender, até mesmo, que a considerava “mal necessário”. Não escreveu isso explicitamente, mas, para um bom entendedor... meia palavra basta, não é mesmo? Afirmou, por exemplo, em uma crônica de 13 de dezembro de 1868: “Para ser pensador é mister olhar as coisas por cima do ombro do seu partido. Nisto incluo republicanos e monarquistas, socialistas e absolutistas, todos quantos querem organizar o mundo como um tabuleiro de xadrez, e dar a forma predileta de suas convicções como a panacéia universal de todas as doenças políticas, sem atenção à índole, estado, tendências, desenvolvimento histórico e moral dos povos”. E aduziu, mais adiante: “Os Vitrúvios do século querem fazer da política uma arquitetura, e esquecem justamente que a arquitetura compõe-se de linhas curvas e linhas retas. Será remédio a política, será; mas é mister não esquecer o equívoco de Figaro que, tendo a seu cargo uma repartição de drogas, dava muita vez aos homens bons medicamentos de cavalo. – o que lhe inspirou esta reflexão sensata, mas tardia: Ah! Ah! Não há remédio universal!”. E há?!!!

Além do mais, Machado de Assis identificou, nessa mesma crônica, o que faltava no cenário político (nacional e internacional): “O Bom Senso! Ó desterrado do século! Quando voltarás a este mundo para repor as coisas nos seus eixos? Sem ti matam-se e decompõem-se os homens, fazem-se e desfazem-se governos, cruzam-se os interesses, campeia a vaidade, domina a força, sob todas as formas, da espada e do número, sem ti andamos em perpétuo conflito, sem ti vamos ter a política-xadrez, a política-uniformidade, a política-alinhamento. Quando voltarás a este mundo, ó Bom Senso, ó meu amigo?”.

Diga, paciente leitor, se Machado de Assis vivesse em nosso tempo e estivesse na ativa, no jornalismo e na Literatura, teria opinião diversa dessas sobre política e políticos? Embora se trate de mera especulação, ponho minha mão no fogo e asseguro, convicto: não, não e não! As coisas, nesse aspecto, só pioraram, e muito, em relação ao seu tempo. Li, dia desses, esclarecedora monografia do mestre em Filosofia e professor da Faculdade Católica de Anápolis, João Batista de A. Prado Ferraz Costa intitulada “O realismo político de Machado de Assis”. Atentem, sobretudo, para a forma como ele encerra esse lúcido texto (que compartilho com vocês e que assino embaixo, sem titubear):

“De tudo isto resulta claro o interesse de Machado de Assis pela política. Um interesse expresso muitas vezes em tom sarcástico, mas real e profundo. Um interesse que revela uma preocupação ética constante pelas exigências da justiça e do bem comum. A concepção machadiana da política é um aspecto da sua concepção filosófica da vida. Uma concepção que, à primeira vista, parece agnóstica, cética. Mas para o leitor atento e assíduo de Machado será fácil superar essa impressão superficial da obra do grande mestre e penetrar-lhe o sentido mais profundo e descobrir uma visão espiritualista e bíblica da vida e da história”.

Diz mais: “Na verdade, o pensamento político de Machado de Assis, que, a partir de alguns de seus textos, parece indicar uma concepção determinista, encerra a sua crença na Providência Divina no destino dos povos, pois quando diz que o homem, por mais que se agite e arroste aos fatos, a sociedade se organiza por si mesma (como se depreende da sua imagem da roseira e do jardineiro), ele põe o homem na condição de causa eficiente segunda do ser social. A sucessão das sociedades e impérios ao longo do história, que nem sempre premia os bons e castiga os maus, está subordinada a um plano divino. Os homens lutam e pleiteiam na terra em demandas intermináveis pelo poder, mas só perante o tribunal da Divina Providência é que se pronunciará a sentença inapelável.

E o mestre encerra assim sua monografia: “Só assim, a meu ver, se pode entender a referida analogia empregada por Machado. Enfim, ler Machado de Assis não é apenas reviver um período tão pitoresco da história nacional ou apreciar o português mais bem escrito entre nós, é aprender a ser mais humano, é ver a grandeza de um talento artístico e a nobreza de um coração voltado para a elevação do espírito humano. Daí o seu valor estético e moral perene”. Afinal, como Machado de Assis perguntou, para em seguida responder: “Que é a política senão obra de homens?”. Sim, o que é?


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