Wednesday, July 29, 2015

Algumas lições que aprendi com Machado de Assis

Pedro J. Bondaczuk

A obra de Machado de Assis, sobretudo seus romances (mas não somente eles) influenciou e segue influenciando um número incontável de escritores (e não somente do Brasil, mas de várias partes do mundo). Alguns têm a humildade de confessar essa influência e apontam no que, e por qual livro foram influenciados. Afinal, não há demérito algum em tal admissão. Muito pelo contrário, é uma atitude até de respeito por seus leitores, fazendo-os uma espécie de confidentes e de justiça com o mestre.  Outros tantos escritores, todavia, omitem esse detalhe. Porém seus textos, quando submetidos à mais superficial das análises, refletem escancarada semelhança estilística com os do nosso maior literato. A vaidade, no entanto, impede-nos de admitir o que é óbvio.

Da minha parte, confesso, até com orgulho, que fui, e continuo sendo influenciado por tão magnífico mestre. E não apenas na minha obra ficcional, mas em outros gêneros, como a poesia, a crônica e os tantos ensaios que escrevo. Pondero, no entanto, que “ser influenciado” não significa “escrever igual”. Cada escritor tem seu próprio estilo, de acordo com sua realidade, com sua cultura, temperamento, gosto, personalidade e vai por aí afora. Ademais, teria que ser um gênio (o que não sou) para escrever, já não digo igual, mas razoavelmente parecido com Machado de Assis. Além do que, nenhum escritor sofre influências só de um único grande mestre da Literatura. Confesso que aprendi muito com inúmeros deles, através das tantas e tantas leituras que já fiz.

Por exemplo, a todo o momento admito ter sido influenciado por Jorge Luís Borges. Quando faço tal confissão, não estou exagerando e nem particularizando. Explico. Isso não quer dizer que ele seja “o” meu modelo, ou seja, o único, mas que é “um” deles, como também o são Mário Quintana, Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Graciliano Ramos etc.etc.etc. e tantos e tantos e tantos outros. E, sobretudo... Machado de Assis, sem dúvida. Qual dos citados (e dos milhares que sequer nomeei) me influenciou mais? É uma avaliação impossível (e ademais desnecessária) de fazer. Até porque, muito dessas influências tem caráter exclusivamente subconsciente. Ou seja, nem eu sou capaz de identificar em que aspecto fui influenciado, e por quem, embora tenha convicção de ter sido.

Com Machado de Assis aprendi, por exemplo, que não há nada de errado em fazer dos textos, não importa se ficcionais ou não, diálogo com o leitor, mesmo que apenas monologando. O curioso é que a grande maioria dos manuais de redação não somente não recomendam esse procedimento, como consideram-no “deficiência de estilo”. Ou seja, algo que o redator não deve fazer. Ora, ora, ora. Nesse aspecto, vivi, inclusive, uma experiência que me fez adotar maior cautela sobre o que alguns teóricos tentam nos transmitir.

Há alguns anos, quando mal começava a empreender meus primeiros “rabiscos” literários (pelo menos eu julgava que o fossem), sonhando em me tornar escritor, decidi fazer um desses tantos cursos de redação, em busca de um estilo próprio que ainda não tinha. Não nego que, em termos formais, de organização dos textos, aprendi alguma coisa nessas aulas. Todavia, em certa ocasião veio à baila essa questão referente a se o redator deve ou não “conversar” com o leitor, como se este estivesse cara a cara com ele. O professor disse (baseado em não sei o que) que esse procedimento era impróprio, incorreto e, portanto, errado e que arruinava um bom texto.

Por coincidência, nessa mesma ocasião eu estava lendo, pela primeira vez, o romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis (que reli “n” vezes). E o que encontrei nele, desde o primeiro capítulo? Exatamente o tal diálogo do autor com o leitor, que o mestre do tal curso de redação dizia ser inadequado e condenável. A partir desse dia, resolvi deixar de freqüentar as aulas. Sabem por que? Porque fiz o seguinte raciocínio: “Como querem me ensinar que é errado o recurso que o maior escritor brasileiro de todos os tempos utilizou com tamanha freqüência?!!!! Em quem acreditar? No professor do curso de redação ou em Machado de Assis? Nem é preciso revelar a conclusão a que cheguei, não é mesmo?

Claro que essa não foi a única influência que recebi do Bruxo do Cosme Velho. Aprendi com ele, por exemplo, o valor de ser eclético, de aprender (e aplicar) tudo o que me fosse possível. Aprendi, na poesia, a valorizar, sobretudo, a reflexão, o sentimento, a emoção em vez de centralizar meus poemas na descrição, com uso e abuso de uma enxurrada de metáforas, muitas das quais incabíveis e até surreais. Aprendi, na criação de personagens, não me restringir a descrever seu aspecto físico e sua indumentária e nem em me limitar a narrar suas ações e conseqüências, mas voltar-me para seu interior e revelar o que pensam, o que sentem e as motivações de cada um de seus atos. Aprendi que a ironia (recurso de dificílimo manejo), quando inteligente, sutil e não agressiva, é expediente imbatível para criticar tudo o que considere errado. Foram tantas as coisas que aprendi com Machado de Assis que seria necessário todo um tratado para nomeá-las uma a uma e, mesmo assim, faltaria uma infinidade delas por não lembrá-las  todas.                


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: