Algumas lições que
aprendi com Machado de Assis
Pedro
J. Bondaczuk
A obra de Machado de
Assis, sobretudo seus romances (mas não somente eles) influenciou e segue
influenciando um número incontável de escritores (e não somente do Brasil, mas
de várias partes do mundo). Alguns têm a humildade de confessar essa influência
e apontam no que, e por qual livro foram influenciados. Afinal, não há demérito
algum em tal admissão. Muito pelo contrário, é uma atitude até de respeito por
seus leitores, fazendo-os uma espécie de confidentes e de justiça com o mestre. Outros tantos escritores, todavia, omitem
esse detalhe. Porém seus textos, quando submetidos à mais superficial das
análises, refletem escancarada semelhança estilística com os do nosso maior
literato. A vaidade, no entanto, impede-nos de admitir o que é óbvio.
Da minha parte,
confesso, até com orgulho, que fui, e continuo sendo influenciado por tão
magnífico mestre. E não apenas na minha obra ficcional, mas em outros gêneros,
como a poesia, a crônica e os tantos ensaios que escrevo. Pondero, no entanto,
que “ser influenciado” não significa “escrever igual”. Cada escritor tem seu
próprio estilo, de acordo com sua realidade, com sua cultura, temperamento,
gosto, personalidade e vai por aí afora. Ademais, teria que ser um gênio (o que
não sou) para escrever, já não digo igual, mas razoavelmente parecido com
Machado de Assis. Além do que, nenhum escritor sofre influências só de um único
grande mestre da Literatura. Confesso que aprendi muito com inúmeros deles,
através das tantas e tantas leituras que já fiz.
Por exemplo, a todo o
momento admito ter sido influenciado por Jorge Luís Borges. Quando faço tal
confissão, não estou exagerando e nem particularizando. Explico. Isso não quer
dizer que ele seja “o” meu modelo, ou seja, o único, mas que é “um” deles, como
também o são Mário Quintana, Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Graciliano Ramos
etc.etc.etc. e tantos e tantos e tantos outros. E, sobretudo... Machado de
Assis, sem dúvida. Qual dos citados (e dos milhares que sequer nomeei) me
influenciou mais? É uma avaliação impossível (e ademais desnecessária) de
fazer. Até porque, muito dessas influências tem caráter exclusivamente
subconsciente. Ou seja, nem eu sou capaz de identificar em que aspecto fui
influenciado, e por quem, embora tenha convicção de ter sido.
Com Machado de Assis
aprendi, por exemplo, que não há nada de errado em fazer dos textos, não
importa se ficcionais ou não, diálogo com o leitor, mesmo que apenas
monologando. O curioso é que a grande maioria dos manuais de redação não
somente não recomendam esse procedimento, como consideram-no “deficiência de
estilo”. Ou seja, algo que o redator não deve fazer. Ora, ora, ora. Nesse
aspecto, vivi, inclusive, uma experiência que me fez adotar maior cautela sobre
o que alguns teóricos tentam nos transmitir.
Há alguns anos, quando
mal começava a empreender meus primeiros “rabiscos” literários (pelo menos eu
julgava que o fossem), sonhando em me tornar escritor, decidi fazer um desses
tantos cursos de redação, em busca de um estilo próprio que ainda não tinha.
Não nego que, em termos formais, de organização dos textos, aprendi alguma
coisa nessas aulas. Todavia, em certa ocasião veio à baila essa questão
referente a se o redator deve ou não “conversar” com o leitor, como se este
estivesse cara a cara com ele. O professor disse (baseado em não sei o que) que
esse procedimento era impróprio, incorreto e, portanto, errado e que arruinava
um bom texto.
Por coincidência, nessa
mesma ocasião eu estava lendo, pela primeira vez, o romance “Dom Casmurro”, de
Machado de Assis (que reli “n” vezes). E o que encontrei nele, desde o primeiro
capítulo? Exatamente o tal diálogo do autor com o leitor, que o mestre do tal
curso de redação dizia ser inadequado e condenável. A partir desse dia, resolvi
deixar de freqüentar as aulas. Sabem por que? Porque fiz o seguinte raciocínio:
“Como querem me ensinar que é errado o recurso que o maior escritor brasileiro
de todos os tempos utilizou com tamanha freqüência?!!!! Em quem acreditar? No
professor do curso de redação ou em Machado de Assis? Nem é preciso revelar a
conclusão a que cheguei, não é mesmo?
Claro que essa não foi
a única influência que recebi do Bruxo do Cosme Velho. Aprendi com ele, por
exemplo, o valor de ser eclético, de aprender (e aplicar) tudo o que me fosse
possível. Aprendi, na poesia, a valorizar, sobretudo, a reflexão, o sentimento,
a emoção em vez de centralizar meus poemas na descrição, com uso e abuso de uma
enxurrada de metáforas, muitas das quais incabíveis e até surreais. Aprendi, na
criação de personagens, não me restringir a descrever seu aspecto físico e sua
indumentária e nem em me limitar a narrar suas ações e conseqüências, mas
voltar-me para seu interior e revelar o que pensam, o que sentem e as
motivações de cada um de seus atos. Aprendi que a ironia (recurso de dificílimo
manejo), quando inteligente, sutil e não agressiva, é expediente imbatível para
criticar tudo o que considere errado. Foram tantas as coisas que aprendi com
Machado de Assis que seria necessário todo um tratado para nomeá-las uma a uma
e, mesmo assim, faltaria uma infinidade delas por não lembrá-las todas.
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