Machado de Assis e as
sociedades literárias
Pedro
J. Bondaczuk
A vocação de Machado de
Assis para as letras manifestou-se muito cedo, ainda no início da adolescência,
a despeito de pouco ter freqüentado escolas, digamos, formais, em vista das circunstâncias
que cercaram sua vida. Ele soube, todavia, suprir essa tão importante lacuna
com contatos com intelectuais, sobretudo com escritores, com os quais, nos anos
de sua formação, aprendeu muito e aos quais, quando já maduro e consagrado,
ensinou mais ainda. Muitos dos que aprenderam com ele tiveram a humildade de
reconhecer isso. Outros tantos, porém... Deixaram-se levar pela vaidade (ou
pelo preconceito, o que é mais provável) e jamais admitiram essa
influência. Em Literatura as coisas (às
vezes) funcionam assim: ora somos influenciados por terceiros, ora os
influenciamos e assim a banda toca.
Com Machado de Assis
não foi diferente. Antes da fundação da Academia Brasileira de Letras – da qual
participou, com inusitado entusiasmo, mas não foi, propriamente, “o fundador” –
ele havia participado diretamente de duas entidades culturais que, entre os
assuntos de que tratavam, destacavam-se as artes e, entre estas, a Literatura.
A primeira, que chega a ser até surreal pelos objetivos que tinha, foi uma tal
de Sociedade Petalógica. Machado de Assis começou a freqüenta-la muito jovem,
quando ainda adolescente, quase menino, por influência direta de seu mentor,
espécie de padrinho e primeiro patrão (que lhe deu o primeiro emprego de
aprendiz de tipógrafo), o jornalista Francisco de Paula Brito.
Esta pitoresca figura
merece um estudo a parte, um resgate completo e detalhado, pelo que fez
naqueles idos do século XIX. Era uma espécie de “faz tudo”, misto de
jornalista, comerciante, empresário, escritor e vai por aí afora. Era um
intelectual desses de quem se diz que estão muito à frente de seu tempo. E
Paula Brito estava. Comentei, posto que de passagem, em outro texto, sobre essa
organização informal, que se reunia na gráfica desse “artista dos sete instrumentos”,
parece-me que sem pauta fixa, nem periodicidade definida ou sequer coisa que o
valha. Curiosíssima, principalmente, era a finalidade dessa sociedade,
definida, inclusive, em seu próprio nome. A melhor descrição dela encontrei,
dia desses, em um blog. “memoriasdemachadodeassis.blogspot.com.br”. Vejam que
coisa mais estranha:
“Seu (da Sociedade
Petalógica) interesse de estudo era a peta, a mentira, a afirmativa falsa. Não
só achavam seus membros de que, através da análise detalhista de mentira,
poderiam penetrar com mais acuidade na alma humana, como não a viam com maus
olhos morais. Diria até que a defendiam. E, como reconhecessem que não tinham
tanta profundidade no assunto, assumiram o compromisso do estudo dedicado e
sério. Cada petalógico tinha a incumbência de estudar e escrever sobre uma
faceta da mentira, fornecendo, assim, um capítulo para o Grande Dicionário
Referencial e Ilustrado da Peta, que seria a obra máxima da sociedade. Uma vez
concluída, ela seria impressa na mesma escala da Bíblia e distribuída a todos
os cidadãos do reino”. Claro que não foi!!! Esse era um sonho tão maluco como a
própria finalidade dessa sociedade. Mas...
Machado de Assis se
referiu, muitos anos depois, da seguinte maneira sobre esse grupo: "Lá se
discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da
moda, desde o dó do peito de Tamberlick até os discursos do Marquês do
Paraná". Deduzo, porém, até pela natureza e finalidade dessa “organização”
(nem sei se é correto caracterizá-la assim) que as discussões tinham o enfoque
da mentira, ou seja, da peta, sinônimo há muito arcaico e em desuso para as
tantas inverdades que se dizem e que se escrevem. Maluco ou não, o fato é que
uma sociedade desse tipo é excelente treino para ficcionistas. Afinal, o que é
a ficção se não uma total mentira, posto que com máxima verossimilhança?
Outra organização que
“pintou” na vida de Machado de Assis foi a “Arcádia Fluminense”. Aliás, dessa
ele foi o fundador. Quando a fundou, em 1865, já era relativamente famoso, se
não ainda como escritor, pelo menos como jornalista. Um ano antes, havia
publicado o livro de poesias “Crisálidas”. A entidade tinha esse nome porque se
reunia na sede do Clube Fluminense, no centro do Rio de Janeiro. Tratava-se de
uma sociedade artístico-literária, com apresentações, em seus saraus, não
somente de textos literários (geralmente poemas e crônicas), mas também de
música erudita, com exibições quer de instrumentistas, quer de cantores
líricos. Era freqüentada péla elite intelectual da cidade, como poetas,
jornalistas, romancistas etc. e também por simples diletantes de arte e de
cultura.
Na Arcádia Fluminense
Machado de Assis leu muitos de seus poemas, tanto os que posteriormente
integraram alguns de seus livros, quanto os que permaneceram inéditos. Usava
esses saraus, segundo entendo, como uma espécie de “teste de aceitação” de suas
composições. Tinha tanto apreço por essa entidade, que chegou a compor a letra
do seu hino oficial. A melodia ficou a cargo do controvertido compositor espanhol
José Zapata y Amat, uma espécie de refugiado político, acusado em seu país de
ser agitador. A partitura da música sobreviveu, mas a letra, composta por
Machado de Assis, desapareceu. Procurei-a em todas as fontes possíveis que
tratam da obra do “Bruxo do Cosme Velho”, em vão. Não consegui localizá-la.
Desconheço se alguém tem cópia dessa letra. Presumo que não, pois se tivesse,
certamente já teria vindo a público para exibi-la, por seu óbvio valor
histórico.
Machado de Assis
escreveu, em 1866, um artigo sobre essa sociedade (que parece não ter
sobrevivido mais do que um ano), publicado no “Diário do Rio de Janeiro”:
"A fundação da Arcádia Fluminense foi excelente num sentido: não cremos
que ela se propusesse a dirigir o gosto, mas o seu fim decerto que foi
estabelecer a convivência literária, como trabalho preliminar para obra de
maior extensão". Ou seja, praticamente confirmou minha impressão inicial
de que seu objetivo era o de testar a aceitação de textos literários antes
destes serem publicados em livros.Quanto à sua importância na “gênese” da
Academia Brasileira de Letras, é um aspecto de tamanha relevância, que merece
todo um capítulo á parte.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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