Wednesday, July 15, 2015

Machado de Assis e as sociedades literárias

Pedro J. Bondaczuk

A vocação de Machado de Assis para as letras manifestou-se muito cedo, ainda no início da adolescência, a despeito de pouco ter freqüentado escolas, digamos, formais, em vista das circunstâncias que cercaram sua vida. Ele soube, todavia, suprir essa tão importante lacuna com contatos com intelectuais, sobretudo com escritores, com os quais, nos anos de sua formação, aprendeu muito e aos quais, quando já maduro e consagrado, ensinou mais ainda. Muitos dos que aprenderam com ele tiveram a humildade de reconhecer isso. Outros tantos, porém... Deixaram-se levar pela vaidade (ou pelo preconceito, o que é mais provável) e jamais admitiram essa influência.  Em Literatura as coisas (às vezes) funcionam assim: ora somos influenciados por terceiros, ora os influenciamos e assim a banda toca.

Com Machado de Assis não foi diferente. Antes da fundação da Academia Brasileira de Letras – da qual participou, com inusitado entusiasmo, mas não foi, propriamente, “o fundador” – ele havia participado diretamente de duas entidades culturais que, entre os assuntos de que tratavam, destacavam-se as artes e, entre estas, a Literatura. A primeira, que chega a ser até surreal pelos objetivos que tinha, foi uma tal de Sociedade Petalógica. Machado de Assis começou a freqüenta-la muito jovem, quando ainda adolescente, quase menino, por influência direta de seu mentor, espécie de padrinho e primeiro patrão (que lhe deu o primeiro emprego de aprendiz de tipógrafo), o jornalista Francisco de Paula Brito.

Esta pitoresca figura merece um estudo a parte, um resgate completo e detalhado, pelo que fez naqueles idos do século XIX. Era uma espécie de “faz tudo”, misto de jornalista, comerciante, empresário, escritor e vai por aí afora. Era um intelectual desses de quem se diz que estão muito à frente de seu tempo. E Paula Brito estava. Comentei, posto que de passagem, em outro texto, sobre essa organização informal, que se reunia na gráfica desse “artista dos sete instrumentos”, parece-me que sem pauta fixa, nem periodicidade definida ou sequer coisa que o valha. Curiosíssima, principalmente, era a finalidade dessa sociedade, definida, inclusive, em seu próprio nome. A melhor descrição dela encontrei, dia desses, em um blog. “memoriasdemachadodeassis.blogspot.com.br”. Vejam que coisa mais estranha:

“Seu (da Sociedade Petalógica) interesse de estudo era a peta, a mentira, a afirmativa falsa. Não só achavam seus membros de que, através da análise detalhista de mentira, poderiam penetrar com mais acuidade na alma humana, como não a viam com maus olhos morais. Diria até que a defendiam. E, como reconhecessem que não tinham tanta profundidade no assunto, assumiram o compromisso do estudo dedicado e sério. Cada petalógico tinha a incumbência de estudar e escrever sobre uma faceta da mentira, fornecendo, assim, um capítulo para o Grande Dicionário Referencial e Ilustrado da Peta, que seria a obra máxima da sociedade. Uma vez concluída, ela seria impressa na mesma escala da Bíblia e distribuída a todos os cidadãos do reino”. Claro que não foi!!! Esse era um sonho tão maluco como a própria finalidade dessa sociedade. Mas...

Machado de Assis se referiu, muitos anos depois, da seguinte maneira sobre esse grupo: "Lá se discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da moda, desde o dó do peito de Tamberlick até os discursos do Marquês do Paraná". Deduzo, porém, até pela natureza e finalidade dessa “organização” (nem sei se é correto caracterizá-la assim) que as discussões tinham o enfoque da mentira, ou seja, da peta, sinônimo há muito arcaico e em desuso para as tantas inverdades que se dizem e que se escrevem. Maluco ou não, o fato é que uma sociedade desse tipo é excelente treino para ficcionistas. Afinal, o que é a ficção se não uma total mentira, posto que com máxima verossimilhança?

Outra organização que “pintou” na vida de Machado de Assis foi a “Arcádia Fluminense”. Aliás, dessa ele foi o fundador. Quando a fundou, em 1865, já era relativamente famoso, se não ainda como escritor, pelo menos como jornalista. Um ano antes, havia publicado o livro de poesias “Crisálidas”. A entidade tinha esse nome porque se reunia na sede do Clube Fluminense, no centro do Rio de Janeiro. Tratava-se de uma sociedade artístico-literária, com apresentações, em seus saraus, não somente de textos literários (geralmente poemas e crônicas), mas também de música erudita, com exibições quer de instrumentistas, quer de cantores líricos. Era freqüentada péla elite intelectual da cidade, como poetas, jornalistas, romancistas etc. e também por simples diletantes de arte e de cultura.

Na Arcádia Fluminense Machado de Assis leu muitos de seus poemas, tanto os que posteriormente integraram alguns de seus livros, quanto os que permaneceram inéditos. Usava esses saraus, segundo entendo, como uma espécie de “teste de aceitação” de suas composições. Tinha tanto apreço por essa entidade, que chegou a compor a letra do seu hino oficial. A melodia ficou a cargo do controvertido compositor espanhol José Zapata y Amat, uma espécie de refugiado político, acusado em seu país de ser agitador. A partitura da música sobreviveu, mas a letra, composta por Machado de Assis, desapareceu. Procurei-a em todas as fontes possíveis que tratam da obra do “Bruxo do Cosme Velho”, em vão. Não consegui localizá-la. Desconheço se alguém tem cópia dessa letra. Presumo que não, pois se tivesse, certamente já teria vindo a público para exibi-la, por seu óbvio valor histórico.

Machado de Assis escreveu, em 1866, um artigo sobre essa sociedade (que parece não ter sobrevivido mais do que um ano), publicado no “Diário do Rio de Janeiro”: "A fundação da Arcádia Fluminense foi excelente num sentido: não cremos que ela se propusesse a dirigir o gosto, mas o seu fim decerto que foi estabelecer a convivência literária, como trabalho preliminar para obra de maior extensão". Ou seja, praticamente confirmou minha impressão inicial de que seu objetivo era o de testar a aceitação de textos literários antes destes serem publicados em livros.Quanto à sua importância na “gênese” da Academia Brasileira de Letras, é um aspecto de tamanha relevância, que merece todo um capítulo á parte.


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