Pátria de chuteiras
Pedro J. Bondaczuk
O futebol no Brasil, em
tempos ainda recentes, foi considerado mais do que um mero esporte,
principalmente quando envolvia a seleção brasileira. Mobilizava multidões,
despertava paixões extremas, era classificado por sociólogos como o “ópio do
povo” (para os comunistas, esse narcótico era a religião) e merecia teses de
psicólogos e psiquiatras, que viam nessa modalidade esportiva um mecanismo da
catarse, de válvula de escape do cidadão para extravasar seus recalques e
frustrações. Nelson Rodrigues chegou a classificá-lo de “a Pátria de
chuteiras”. Foi tido, inclusive, posto que informalmente, como questão de
segurança nacional.
Daí
derivam as cobranças – algumas exageradas – sobre os técnicos das várias
seleções, que nunca (sem nenhuma exceção), mereceram a confiança integral do
torcedor. Desde Flávio Costa, em 1950, a Carlos Alberto Parreira, em 1993, o
trabalho dos vários treinadores foi alvo de reparos, de críticas, de
xingamentos e de absoluta falta de confiança tanto por parte dos cronistas
esportivos quanto da torcida.
O
leitor de mais idade certamente está lembrado do clima que cercou o selecionado
de 1958 quando embarcou para a Suécia. Houve, até mesmo, um deputado mais
afoito que propôs que a equipe fosse impedida de embarcar e abrisse mão da
vaga, para evitar um grande vexame, como o que tinha ocorrido quatro anos
antes, quando o técnico era Zezé Moreira, e a colocação brasileira, na Suíça,
foi um modesto quinto lugar.
Nem
é preciso dizer o que aconteceu. O Brasil foi campeão do mundo, façanha que
seria repetida no Chile, em 1962, sob o comando de Aimoré Moreira, e no México,
em 1970, sob a batuta deste mesmo Zagalo e do mesmíssimo Parreira tão
criticados agora.
Na
ocasião, ressalte-se, também o foram. Quem não de lembra da polêmica sobre se o
time poderia ou não contar com três meias-esquerdas (Tostão, Pelé e Rivelino)
jogando juntos? Ou da gritaria geral para que Félix deixasse de ser o goleiro
(pelo mesmo motivo que se pede a saída de Taffarel, ou seja, pelos seus
“frangos”)? Ou então do clamor nacional para que Brito deixasse a zaga central?
Todo brasileiro é um pouco médico, técnico de futebol e economista.
E
com Telê? Tanto em 1982, quanto em 1986, seu trabalho foi contestado e
durissimamente criticado. Foi chamado de “burro”, de “teimosos”, de “pé frio” e
de outras coisas mais, de contundência bem maior. Hoje seu nome é unanimidade
nacional. De cada dez pessoas indagadas nas ruas, sobre quem deveria dirigir a
seleção, ele é o preferido por nove. Deu a volta por cima e hoje é tido como
“pé quente”.
Surrealista?
Nem tanto. Até porque, o compositor de música clássica alemão, Ernst Theodor
Wilhelm Amadeus Hoffmann (cujo nome é tão comprido quanto o do ex-capitão do
nosso selecionado Sócrates), observou que “nada é mais fantástico e louco que a
vida real”. E não é mesmo.
Já
imaginaram se o mesmo Parreira, tão assediado, pressionado e criticado,
classificar o Brasil para a Copa e em primeiro lugar? E se por um destes
caprichos do próprio esporte, trouxer, no ano que vem, o tetra dos Estados
Unidos? Todos os seus críticos vão desaparecer.
Como
“desapareceram” atualmente os eleitores de Fernando Collor. Ou como “sumiram”
no ar, misteriosamente, os que criticaram Feola em 1958, Aimoré, em 1962 e
Zagalo em 1970. E como seria bom se isso ocorresse, para elevar um pouquinho o
astral dos brasileiros, que anda tão por baixo!
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de agosto de 1993).
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