Saturday, July 11, 2015

Mudança exige tempo


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, quer chegar a uma economia de mercado livre sem abrir mão do socialismo. O que ele ajudou a matar em todo o Leste europeu, e em seu próprio país, não foi esse ideal, mas uma aberração, um monstro de múltiplas cabeças, que surgiu de uma distorção do pensamento original dos mentores da Revolução de 191'7, que se convencionou chamar de comunismo.

Este, não tem mais nenhuma chance de sobreviver em qualquer lugar. Nem mesmo na China, onde a linha-dura, liderada pelo primeiro-ministro Li Peng, teima em querer obter milagres de uma fórmula que já se mostrou fracassada.

O comunismo faliu, fracassou, morreu e caiu no ridículo. Todavia, países como Itália, França, Espanha e Suécia são governados, ou foram durante algum tempo --- no caso italiano do ex-premier Bettino Craxi, que tem chances reais de voltar a liderar um gabinete --- por dirigentes socialistas, com pleno êxito.

Este é o socialismo que Gorbachev sonha em implantar na União Soviética. Sua tarefa, todavia, é das mais espinhosas e quando se avaliam os obstáculos que ele terá de enfrentar, não se pode deixar de duvidar do seu sucesso.

Os problemas que o presidente soviético tem pela frente são infinitamente maiores do que aqueles que já enfrentou e vem enfrentando ao longo dos seus seis anos no Cremlin. Seus críticos mais mordazes condenam a estratégia gradualista de implantação do mercado, por exemplo, achando que aderindo a esse sistema, imediatamente os gravíssimos problemas estruturais da URSS estarão solucionados.

A prática, porém, mostra que as coisas não são tão simples. Nesse caso, mais do que nunca, vale o clichê que diz que a pressa é inimiga da perfeição. Gorbachev tem diante de si o exemplo dos ex-satélites de seu país, Polônia, Hungria, Checoslováquia e a ex-rebelde Romênia, que se debatem com dificuldades econômicas até maiores do que as enfrentadas quando estavam sob a ditadura comunista, por causa do furor mudancista de seus governos democráticos.

O ensaísta francês, Alain Minc, observou com muita argúcia tais situações ao analisar: "As nações do Leste que emergem entram em conflagração com o mercado. Elas atravessaram em 15 dias o que os países europeus passaram em 20 anos! Resultado: o mercado faz estragos. Há, de um lado, categorias que se pauperizam e, de outro, uma burguesia improdutiva, que se enriquece com a distribuição. Acreditaram que se podia chegar ao capitalismo por aí, contentando-se em fazer o inverso do comunismo. Privatizações foram feitas como se fossem liquidações, sem imaginar nem sistemas fiscais adaptados nem proteções, sem compreender que o jogo da economia de mercado é uma ascese permanente".

Ora, se o simples corte de subsídios dos principais produtos produzidos pelo Estado, que redundou num aumento geral de preços, para que haja uma compatibilização entre os custos de produção e os pagos pelo consumidor --- isto sem pretender lucros, mas apenas um "empate" --- já deflagrou tamanha agitação na União Soviética, o que não ocorreria se subitamente o presidente implantasse, de chofre, por decreto, a liberdade total de mercado? Se passasse, hoje, a imperar a lei natural da oferta e da procura?

Produtos como o leite, o pão e a carne, não duplicariam, triplicariam ou quadruplicariam, respectivamente, como ocorreu agora, mas poderiam aumentar em até 1.000% ou muito mais! E a guerra civil deixaria de ser possibilidade para se transformar em fatalidade.

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 5 de abril de 1991).


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