Mudança
exige tempo
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente soviético, Mikhail Gorbachev, quer chegar a uma economia de mercado
livre sem abrir mão do socialismo. O que ele ajudou a matar em todo o Leste
europeu, e em seu próprio país, não foi esse ideal, mas uma aberração, um
monstro de múltiplas cabeças, que surgiu de uma distorção do pensamento
original dos mentores da Revolução de 191'7, que se convencionou chamar de
comunismo.
Este,
não tem mais nenhuma chance de sobreviver em qualquer lugar. Nem mesmo na
China, onde a linha-dura, liderada pelo primeiro-ministro Li Peng, teima em
querer obter milagres de uma fórmula que já se mostrou fracassada.
O
comunismo faliu, fracassou, morreu e caiu no ridículo. Todavia, países como
Itália, França, Espanha e Suécia são governados, ou foram durante algum tempo
--- no caso italiano do ex-premier Bettino Craxi, que tem chances reais de
voltar a liderar um gabinete --- por dirigentes socialistas, com pleno êxito.
Este
é o socialismo que Gorbachev sonha em implantar na União Soviética. Sua tarefa,
todavia, é das mais espinhosas e quando se avaliam os obstáculos que ele terá
de enfrentar, não se pode deixar de duvidar do seu sucesso.
Os
problemas que o presidente soviético tem pela frente são infinitamente maiores
do que aqueles que já enfrentou e vem enfrentando ao longo dos seus seis anos
no Cremlin. Seus críticos mais mordazes condenam a estratégia gradualista de
implantação do mercado, por exemplo, achando que aderindo a esse sistema,
imediatamente os gravíssimos problemas estruturais da URSS estarão
solucionados.
A
prática, porém, mostra que as coisas não são tão simples. Nesse caso, mais do
que nunca, vale o clichê que diz que a pressa é inimiga da perfeição. Gorbachev
tem diante de si o exemplo dos ex-satélites de seu país, Polônia, Hungria,
Checoslováquia e a ex-rebelde Romênia, que se debatem com dificuldades
econômicas até maiores do que as enfrentadas quando estavam sob a ditadura
comunista, por causa do furor mudancista de seus governos democráticos.
O
ensaísta francês, Alain Minc, observou com muita argúcia tais situações ao
analisar: "As nações do Leste que emergem entram em conflagração com o
mercado. Elas atravessaram em 15 dias o que os países europeus passaram em 20
anos! Resultado: o mercado faz estragos. Há, de um lado, categorias que se
pauperizam e, de outro, uma burguesia improdutiva, que se enriquece com a
distribuição. Acreditaram que se podia chegar ao capitalismo por aí,
contentando-se em fazer o inverso do comunismo. Privatizações foram feitas como
se fossem liquidações, sem imaginar nem sistemas fiscais adaptados nem
proteções, sem compreender que o jogo da economia de mercado é uma ascese
permanente".
Ora,
se o simples corte de subsídios dos principais produtos produzidos pelo Estado,
que redundou num aumento geral de preços, para que haja uma compatibilização
entre os custos de produção e os pagos pelo consumidor --- isto sem pretender
lucros, mas apenas um "empate" --- já deflagrou tamanha agitação na
União Soviética, o que não ocorreria se subitamente o presidente implantasse,
de chofre, por decreto, a liberdade total de mercado? Se passasse, hoje, a
imperar a lei natural da oferta e da procura?
Produtos
como o leite, o pão e a carne, não duplicariam, triplicariam ou
quadruplicariam, respectivamente, como ocorreu agora, mas poderiam aumentar em
até 1.000% ou muito mais! E a guerra civil deixaria de ser possibilidade para
se transformar em fatalidade.
(Artigo
publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 5 de abril de
1991).
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