Machado de Assis e a
Academia Brasileira de Letras
Pedro
J. Bondaczuk
A fundação da Academia
Brasileira de Letras é, erroneamente, atribuída a Machado de Assis. Não, amável
leitor, ele não foi o fundador. Digamos que possa (e deva) ser considerado seu “co-fundador”,
embora a instituição seja indissociavelmente vinculada ao seu nome. Explico. A
idéia de se criar uma entidade para difundir e cultuar a cultura nacional,
sobretudo nossa Literatura, partiu de Medeiros e Albuquerque, Lúcio de Mendonça
e de um grupo de intelectuais – na maioria, jornalistas e escritores –
vinculados à “Revista Brasileira” – a terceira dessa publicação, já que houve
duas outras que tiveram idêntico nome. Refiro-me à da chamada “Fase José
Veríssimo”, por ter sido comandada por esse ilustre e polêmico crítico
literário. O projeto original, afinal concretizado (posto que com “cores
locais”), era o de criar uma entidade nos moldes da Academia Francesa.
E onde entra Machado de
Assis nessa história? Bem, ressalte-se que ele era amigo desses intelectuais
que tiveram essa idéia, tida por muitos como utópica e irrealizável e fadada ao
fracasso. E, embora em princípio fazendo algumas objeções, não tardou em ser
convencido. Depois disso... tornou-se entusiasta da iniciativa. Passou a apoiar,
sem mais reservas ou restrições (com inusitado vigor) a criação da Academia
Brasileira de Letras. Entendia que sua existência viria concretizar sua intensa
luta pessoal pela valorização da literatura nacional, tão desvalorizada na
ocasião (os livros mais vendidos na época, a exemplo do que ocorre ainda hoje,
eram de autores estrangeiros, traduzidos ou não, em detrimento da produção
nacional). Tornou-se defensor tão ferrenho da idéia que, quando se cogitou de
quem deveria ser seu primeiro presidente, houve unanimidade em torno do seu
nome.
O crítico literário, e
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Gustavo Bernardo, escreveu
a respeito: "Quando se fala que Machado fundou a Academia, no fundo o que
se quer dizer é que Machado pensava na Academia. Os escritores a fundaram e
precisaram de um presidente em torno do qual não houvesse discussão". E o
“Bruxo do Cosme Velho” não encontrou a mínima resistência ou oposição entre
seus novos pares. Já era tido e havido, quase que consensualmente, como a
glória nacional das letras. Era considerado, até mesmo pelos mais ferrenhos
inimigos (declarados ou dissimulados) como o mais completo escritor brasileiro.
Isso não havia como negar, não é mesmo? E, em 28 de janeiro de 1897, Machado de
Assis, eleito por aclamação sem nenhum voto contrário, em branco ou abstenção,
presidiu a reunião inaugural da nova instituição, que sobreviveu ao tempo e a
obstáculos de todos os tipos e tamanhos.
Como todo
empreendimento novo, a Academia, em seus anos iniciais, teve que superar toda a
sorte de problemas, desde os financeiros, aos de estabelecimento de normas e
princípios que a regessem. Ademais, cabia ao seu primeiro condutor uma das
tarefas mais ingratas quando se trata de comandar intelectuais: a administração
de vaidades. Estas, convenhamos, não faltam aos escritores (claro que não
somente a eles). Pelo contrário: abundam. E entre os primeiros acadêmicos,
compreensivelmente, abundavam. Machado de Assis, todavia, comandou esse
processo com sabedoria e com paciência.
Com muita paciência!!! Caberia aqui até um bastante enfático
superlativo.
Fazia sugestões, mas
não impunha, a ferro e fogo, coisa alguma. Concordava com idéias pertinentes e
criativas, mas era diplomático em relação às inadequadas, muitas das quais
esdrúxulas. Nesses casos, insinuava, ponderava, levava a questão a debate em
plenário e... democraticamente acatava a opinião da maioria, mesmo quando
contrária à sua. A presidência de Machado de Assis durou dez longos e
produtivos anos, em que a Academia só cresceu em prestígio e credibilidade,
consolidando-se e prosperando, contra tudo e contra todos. Claro que enfrentou
ferrenha oposição dos que não lograram acesso a ela. Isso ocorre ainda hoje.
Esse comportamento enquadra-se no significado da fábula “A raposa e as uvas”.
Ademais, seu então presidente jamais deixou que problemas pessoais (inúmeros e
graves) interferissem na gestão da entidade.
Mesmo após a morte de
sua amada esposa, Carolina, em 1904, manteve a serenidade no comando de seus
pares. Seus problemas de saúde igualmente não afetaram seu tirocínio
administrativo e nenhuma de suas decisões. Para o leitor ter uma idéia,
sobretudo da questão da assiduidade (grande obstáculo das várias academias de
letras hoje existentes), basta dizer que, nos dez anos em que comandou a
Academia Brasileira de Letras, das 96 sessões então realizadas, Machado faltou
somente a duas. Não tenho certeza, mas me parece que as duas em que esteve
ausente foram as da época da morte da esposa. Por tudo isso, é justo, pois,
considerá-lo como o legítimo fundador da entidade, embora historicamente isso
não seja correto. E, mais justo ainda, é o título dado à Academia Brasileira de
Letras, quando de sua morte, em 1908, de “A Casa de Machado de Assis”. Ela o é,
de fato e de direito.
Em seu discurso
inaugural, naquele já tão longínquo 28 de janeiro de 1897, nosso maior escritor
aconselhou aos presentes: "Passai aos vossos sucessores o pensamento e a
vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa obra
seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida
brasileira". E foi isso, creio, que os vários acadêmicos que ocuparam suas
42 cadeiras, e é o que os que hoje lá estão, fizeram e fazem, para a
preservação da Literatura e, por extensão, da cultura brasileira. Admitam ou
não, a eleição pára a ABL sempre foi, e continua sendo, se não ambição
concreta, pelo menos sonho, mesmo que remoto, de nossos melhores escritores.
Por absurdo que pareça, o meu, pelo menos, sempre foi e sempre será (pensem de
mim o que quiserem).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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