Democracia
não surge do nada
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente soviético, Mikhail Gorbachev, quer em seu célebre livro
"Perestroika, Novas Idéias para o Meu País e o Mundo", quer em
discursos que proferiu, quer em entrevistas coletivas que concedeu, sempre
afirmou que seu objetivo maior era revigorar o socialismo através de uma
sociedade livre, democrática, responsável, fanática e rigorosa cumpridora das
leis. Ou seja, um autêntico Estado de direito.
Muitos
interpretaram isso como o desejo dele transplantar para a URSS a democracia
norte-americana, tida e havida como modelo em todo o mundo. Mas seria isso
possível? E se fosse, qual o tempo necessário para que tal transplante pudesse
vingar?
Sociólogos,
cientistas políticos e historiadores de diversas tendências, porém, não vêem
viabilidade nisso. Até porque, o próprio conceito está carregado de
ambigüidades, sendo interpretado de formas muito diversas pelos que se arriscam
a fazer interpretações.
O
historiador norte-americano Jacques Barzun afirma a esse respeito: Estou
convencido de que a democracia não possui uma teoria, mas somente o que
chamamos de teorema, ou seja, uma proposição que é geralmente aceita e que pode
ser expressa em uma simples sentença. Eis o teorema da democracia: para a
humanidade livre, é melhor que o povo seja soberano, e esta soberania popular
implica uma igualdade social e política". Mas somente isto seria
suficiente? Claro que não!
As
pessoas precisam ser treinadas para a democracia. Têm de ser educadas desde o
berço, condicionadas a respeitar, às últimas conseqüências, as opiniões e
procedimentos alheios que sejam contrários aos seus, desde que não violem seus
direitos. Mas não uma, dez, cem, mil ou um milhão delas. Se possível, a
totalidade da população ou pelo menos a grande maioria dela tem de agir dessa
forma.
Os
próprios Estados Unidos, embora sempre preservassem suas instituições, tiveram
períodos de maior ou de menor liberdade interna. De mais ou menos democracia.
Porque este é um comportamento, uma postura, uma maneira de ser e não um
sistema cheio de dogmas, fundamentações filosóficas e intermináveis regras,
como é o caso do marxismo.
Barzun,
em determinado trecho de um brilhante artigo que escreveu a propósito para a
revista "Diálogo", assinala: "Tal como a vida neste Planeta
depende de uma confluência especial de fatores sem aparente relação entre si,
também uma democracia, para nascer viável, depende de toda uma constelação de
elementos e condições díspares. Entre estas condições podemos citar as
tradições, o grau de alfabetização e
educação, e um certo treinamento de reciprocidade e concessões mútuas
entre pessoas e classes, como também o efeito moderador dos grandes desastres e
catástrofes nacionais".
Se
os soviéticos pretenderem viver uma democracia que pelo menos se assemelhe com
a norte-americana, precisam começar a ser educados imediatamente para ela, para
que dentro de duas ou três gerações --- e assim mesmo sem muita certeza ---
consigam, finalmente, ter sucesso.
O
país, a rigor, jamais, em sua milenar história, conheceu um período de
liberdade maior do que a atual. E no entanto, a União Soviética está muito mais
próxima da anarquia do que da democracia, para a qual seus cidadãos nunca foram
preparados.
(Artigo
publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 3 de abril de
1991).
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