Machado de Assis no
papel de ombudsman
Pedro
J. Bondaczuk
A importância de
Machado de Assis para a incipiente imprensa brasileira do seu tempo, que então
praticamente ainda engatinhava no País, está para ser devidamente resgatada e
valorizada. Foi imensa! E não me refiro, apenas, ao conteúdo de suas crônicas e
artigos. Estes, é até redundante destacar, eram bem escritos e, sobretudo, bem
fundamentados. Enfocavam os principais fatos de então, além de mazelas e vícios
dos principais personagens políticos, não importando se fossem da situação ou
da oposição. No jornalismo que exercia, não tomava partido, embora, como
cidadão, tivesse lá suas preferências.
Reputo como fundamental
sua enfática defesa dos pilares que sempre deveriam nortear o bom jornalismo,
que volta e meia eram (e são) deixados de lado. Dois deles são princípios que
considero sagrados – como uma espécie de cláusula pétrea, imutável e
irrevogável. O primeiro é a isenção na divulgação das notícias, sem “puxar a
sardinha” para nenhum dos lados. Compete ao repórter justificar o verbo que
define sua função: “reportar”. Ou seja, reproduzir, fielmente, o que vê e ouve,
sem omitir e nem falsear o mínimo detalhe, e sem fazer nenhuma espécie juízo a
propósito. O segundo princípio, não menos importante, é sempre, sem exceção,
ouvir a outra parte envolvida. Não era assim que se fazia jornalismo na época
de Machado de Assis. Não é assim que se faz jornalismo nos tempos atuais.
Lamentável!
Os jornalistas da
segunda metade do século XIX – e os deste século XXI – agem, salvo exceções,
como se fossem “oráculos dos deuses”, que tudo soubessem (ou sabem) e tudo
pudessem (ou podem). E a imensa maioria dos leitores confere irrestrito crédito
a tudo o que lê – ou vê ou ouve, dependendo da mídia – agindo como se isso
fosse sempre “infalível”, a mais lídima expressão da realidade. Claro que nem
sempre é. Parodiando Machado, quando se refere à política, é oportuno lembrar
que “jornalismo é obra de homens”. E estes são sujeitos a enganos, contradições
e interesses pessoais nem sempre justos ou lícitos. Não me oponho, óbvio, a
opiniões (que é o que mais fiz e faço em minha profissão) desde que quem opine
deixe claro que seu texto não se trata de informação, de notícia, mas de sua
visão pessoal sobre determinados fatos, pessoas ou organizações de que trata.
Nem sempre isso é explicitado. Aliás, pelo contrário
A postura ética de
Machado de Assis, enquanto jornalista, ficou patenteada na questão que
mobilizou toda a opinião pública nacional em fins do século XIX: a Guerra de
Canudos (1896 e 1897). Enquanto a imprensa toda, sem exceção, demonizava
Antonio Conselheiro e seus seguidores, ele nadava contra a correnteza nesse
caso e questionava a veracidade de tais avaliações. Criticava, entre outras
coisas, o fato de nenhum jornal enviar para o local dos acontecimentos nenhum
repórter, limitando-se a reproduzir ora versões oficiais, logicamente
contrárias aos rebeldes, ou meros boatos que circulavam distantes do cenário do
conflito.
Por sua influência ou
não, finalmente um jornal, e paulista, destacou alguém para cobrir, “in loco”,
a rebelião. O “Estado de São Paulo”, enviou para Canudos uma espécie de
“multitarefas” (era, simultaneamente, engenheiro, militar, físico, naturalista,
jornalista, geólogo, geógrafo, botânico, zoólogo, hidrógrafo, historiador,
sociólogo, professor, filósofo, poeta, romancista, ensaísta e escritor. Ufa!).
Refiro-me a Euclides da Cunha. Aliás, da série de reportagens que ele fez,
emergiu um dos grandes clássicos da Literatura brasileira, ou seja, “Os sertões”.
Não questiono a exatidão dos dados trazidos à baila por tão qualificada
testemunha.
Todavia, concordo com o
que escreveu o professor e jornalista Marcos Fabrício Lopes da Silva em
detalhado texto que publicou em 6 de setembro de 2005 no site do “Observatório
de Imprensa”, em que observou, em determinado trecho: “Euclides retratou
Antônio Conselheiro como personagem trágico, guiado por forças obscuras e
ancestrais e por maldições hereditárias, que o teriam levado à insanidade e ao
conflito com a ordem. Viu Canudos como desvio histórico capaz de ameaçar a
‘linha reta’, que se ligava ao conceito linear e evolutivo de história, adotado
por positivistas e evolucionistas, que acreditavam no aperfeiçoamento
progressivo do homem e da sociedade”. Ou seja, na contramão do que Machado de
Assis pensava sobre esse trágico e até hoje pouco conhecido personagem e suas
motivações.
O então consagrado
escritor detectou (e condenou acerbamente, com todas as letras) o
sensacionalismo da imprensa na cobertura desses acontecimentos. Em um tempo em
que sequer se cogitava na criação da figura de um “ombudsman”, exerceu esse
papel, criticando, inclusive, o procedimento do repórter do próprio jornal de
que era sócio, a “Gazeta de Notícias”. Denunciou a manipulação da opinião
pública movida pela propaganda do governo exercida pela totalidade da imprensa,
provavelmente de olho nas benesses oficiais, em detrimento da verdade. Para
ele, conforme enfatiza Marcos Fabrício Lopes da Silva, “um dos lados estava
sendo bastante ouvido: o governo, enquanto a voz de Canudos não era sequer
escutada. Machado de Assis critica o estilo ‘rápido e rasteiro’ que marcou a
cobertura jornalística a respeito dos acontecimentos ocorridos na mais estéril
região do semi-árido baiano”. Este é, como se vê, assunto que tende a render
inúmeras observações e constatações.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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