O crítico Machado de
Assis
Pedro
J. Bondaczuk
O primeiro crítico
literário brasileiro foi Machado de Assis. Quem afirmou isso, com convicção e
de forma categórica, foi alguém do ramo, um dos expoentes da Literatura nacional do século XIX: o
romancista e político José de Alencar, amigo, e grande admirador do nosso mais
eclético e representativo escritor. Não creio que haja imprecisão ou exagero
nessa afirmação. Não me consta que houvesse outro, anterior a ele, a atuar
nesse importante e complicado gênero. Até que Machado de Assis começasse a
escrever sobre livros, autores, conteúdos e conceitos, ninguém ainda havia se
aventurado nessa seara. Mário de Alencar destaca que as críticas machadianas
tiveram início, inclusive, antes que ele se lançasse como escritor, em 1858
(seu primeiro livro, de poesias, “Crisálidas”, foi publicado em 1866), quando
tinha, apenas, dezenove anos de idade. Foi, portanto, um primor de precocidade.
O leitor deve estar se
perguntando: “Por que, na vasta obra de Machado de Assis, não há nenhum livro
de crítica literária?” Bem, informo-lhe, prezado amigo, que não existe esse
ineditismo. Ocorre que livros do gênero são pouco lidos e, por isso, nem mesmo
são divulgados (salvo uma ou outra exceção). Seu lançamento passa batido do
público e só ficam sabendo dele, na maior parte dos casos, estudantes de
Letras, e olhem lá. No meu círculo de amizades, constituído, na maior parte, de
escritores e de apaixonados por Literatura, não conheço um único que já tenha
lido obras do tipo. Uma pena! Deveriam. É verdade que o livro de críticas
literárias de Machado de Assis foi lançado dois anos após sua morte, ou seja,
em 1910. A iniciativa foi de Mário de Alencar, que reuniu textos do escritor
publicados exclusivamente em jornais e revistas, como “A Marmota”, “A Semana
Ilustrada”, “O Novo Mundo”, “Correio Mercantil”, “O Cruzeiro”, “Gazeta de
Notícias” e “Revista Brasileira”.
O livro, a que me
refiro, é “Joaquim Maria Machado de Assis: Crítica Literária” (Editora W. M.
Jackson, 1959), provavelmente esgotado. Quem puder, todavia, de alguma forma,
ter acesso a essa obra, recomendo que a leia e a estude com cuidado. Certamente
irá aprender muito sobre Literatura, sobretudo, sobre o tipo dela que se fazia
no Brasil no início da segunda metade do século XIX. Algumas das críticas de
Machado de Assis são sumamente polêmicas. Uma delas, que causou o maior
alvoroço, no Brasil e em Portugal, foi o duro ataque que fez ao romance “O
primo Basílio”, de Eça de Queiroz, escritor que estava “na crista da onda” na
ocasião.
Um dos aspectos que
reprovou nesse livro foi o uso do autor do recurso inverossímil e fortuito na
prosa prosaica. Aliás, tinha implicância com o português por sua ligação com o
Realismo. Machado era visceralmente avesso a rotulações de teorias, escolas
literárias ou estilos artísticos (coisas a que eu também, modestamente, me
oponho). Escreveu, em certo trecho de sua crítica a “O primo Basílio”:
"Voltemos os olhos para a realidade, mas excluamos o realismo; assim não
sacrificaremos a verdade estética". As cenas de adultério, quase
explícitas, do romance de Eça, causaram-lhe particular repulsa, como ficou
claro nesta afirmação: "Essa pintura, esse aroma de alcova, essa descrição
minuciosa, quase técnica, das relações adúlteras, eis o mal".
No artigo "Literatura
brasileira: instinto de nacionalidade" (1873), Machado de Assis analisou
praticamente todos os gêneros a que os escritores nacionais aderiram em dois
séculos. Concluiu que o teatro era praticamente ausente, que faltava uma
crítica literária elevada, que a poesia se orientava pela tal da "cor
local", mas que ainda era débil; que a língua era demasiadamente
influenciada pelo francês (na época era de fato) e que o romance "já deu
frutos excelentes e os há de dar em muito maior escala". Ademais, acreditava
que o escritor brasileiro precisaria unir o universalismo com os problemas e os
eventos do país, o que, no seu entender, não vinha fazendo;
Machado de Assis achava
errada a “crítica pela crítica”, sem pé e nem cabeça, como tantos e tantos e
tantos fazem hoje em dia, a sem base e nem critério, fundamentada, apenas, no
gosto pessoal do crítico, sem que muitas vezes sequer entendesse (ou entenda) o
espírito da obra que criticava (ou critique). Recomendava, principalmente,
objetividade e isenção e que fossem apontados não apenas defeitos de
determinados livros, mas também suas virtudes. Entendia que, para alguém fazer
o julgamento de uma obra literária, "cumpre-lhe meditar profundamente
sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver
enfim até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram para aquela
produção".
Mário de Alencar,
embora admirador do autor de “Quincas Borba” e o responsável pelo resgate de
sua obra de crítica literária, fez algumas restrições á atuação de Machado de
Assis nesse gênero. Escreveu, na apresentação do livro do qual foi o
organizador: "Suscetível, suspicaz, delicado em extremo, receava magoar
ainda que dizendo a verdade; e quando sentiu os riscos da profissão, já meio
dissuadido da utilidade do trabalho pela escassez da matéria, deixou a crítica
individualizada dos autores pela crítica geral dos homens e das coisas, mais
serena, mais eficaz, e ao gosto do seu espírito". Entendo que, nesse caso,
o Bruxo do Cosme Velho pagou o preço do pioneirismo.
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