Sunday, July 26, 2015

O crítico Machado de Assis

Pedro J. Bondaczuk

O primeiro crítico literário brasileiro foi Machado de Assis. Quem afirmou isso, com convicção e de forma categórica, foi alguém do ramo, um dos expoentes da  Literatura nacional do século XIX: o romancista e político José de Alencar, amigo, e grande admirador do nosso mais eclético e representativo escritor. Não creio que haja imprecisão ou exagero nessa afirmação. Não me consta que houvesse outro, anterior a ele, a atuar nesse importante e complicado gênero. Até que Machado de Assis começasse a escrever sobre livros, autores, conteúdos e conceitos, ninguém ainda havia se aventurado nessa seara. Mário de Alencar destaca que as críticas machadianas tiveram início, inclusive, antes que ele se lançasse como escritor, em 1858 (seu primeiro livro, de poesias, “Crisálidas”, foi publicado em 1866), quando tinha, apenas, dezenove anos de idade. Foi, portanto, um primor de precocidade.

O leitor deve estar se perguntando: “Por que, na vasta obra de Machado de Assis, não há nenhum livro de crítica literária?” Bem, informo-lhe, prezado amigo, que não existe esse ineditismo. Ocorre que livros do gênero são pouco lidos e, por isso, nem mesmo são divulgados (salvo uma ou outra exceção). Seu lançamento passa batido do público e só ficam sabendo dele, na maior parte dos casos, estudantes de Letras, e olhem lá. No meu círculo de amizades, constituído, na maior parte, de escritores e de apaixonados por Literatura, não conheço um único que já tenha lido obras do tipo. Uma pena! Deveriam. É verdade que o livro de críticas literárias de Machado de Assis foi lançado dois anos após sua morte, ou seja, em 1910. A iniciativa foi de Mário de Alencar, que reuniu textos do escritor publicados exclusivamente em jornais e revistas, como “A Marmota”, “A Semana Ilustrada”, “O Novo Mundo”, “Correio Mercantil”, “O Cruzeiro”, “Gazeta de Notícias” e “Revista Brasileira”.

O livro, a que me refiro, é “Joaquim Maria Machado de Assis: Crítica Literária” (Editora W. M. Jackson, 1959), provavelmente esgotado. Quem puder, todavia, de alguma forma, ter acesso a essa obra, recomendo que a leia e a estude com cuidado. Certamente irá aprender muito sobre Literatura, sobretudo, sobre o tipo dela que se fazia no Brasil no início da segunda metade do século XIX. Algumas das críticas de Machado de Assis são sumamente polêmicas. Uma delas, que causou o maior alvoroço, no Brasil e em Portugal, foi o duro ataque que fez ao romance “O primo Basílio”, de Eça de Queiroz, escritor que estava “na crista da onda” na ocasião.

Um dos aspectos que reprovou nesse livro foi o uso do autor do recurso inverossímil e fortuito na prosa prosaica. Aliás, tinha implicância com o português por sua ligação com o Realismo. Machado era visceralmente avesso a rotulações de teorias, escolas literárias ou estilos artísticos (coisas a que eu também, modestamente, me oponho). Escreveu, em certo trecho de sua crítica a “O primo Basílio”: "Voltemos os olhos para a realidade, mas excluamos o realismo; assim não sacrificaremos a verdade estética". As cenas de adultério, quase explícitas, do romance de Eça, causaram-lhe particular repulsa, como ficou claro nesta afirmação: "Essa pintura, esse aroma de alcova, essa descrição minuciosa, quase técnica, das relações adúlteras, eis o mal".

No artigo "Literatura brasileira: instinto de nacionalidade" (1873), Machado de Assis analisou praticamente todos os gêneros a que os escritores nacionais aderiram em dois séculos. Concluiu que o teatro era praticamente ausente, que faltava uma crítica literária elevada, que a poesia se orientava pela tal da "cor local", mas que ainda era débil; que a língua era demasiadamente influenciada pelo francês (na época era de fato) e que o romance "já deu frutos excelentes e os há de dar em muito maior escala". Ademais, acreditava que o escritor brasileiro precisaria unir o universalismo com os problemas e os eventos do país, o que, no seu entender, não vinha fazendo;

Machado de Assis achava errada a “crítica pela crítica”, sem pé e nem cabeça, como tantos e tantos e tantos fazem hoje em dia, a sem base e nem critério, fundamentada, apenas, no gosto pessoal do crítico, sem que muitas vezes sequer entendesse (ou entenda) o espírito da obra que criticava (ou critique). Recomendava, principalmente, objetividade e isenção e que fossem apontados não apenas defeitos de determinados livros, mas também suas virtudes. Entendia que, para alguém fazer o julgamento de uma obra literária, "cumpre-lhe meditar profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram para aquela produção".

Mário de Alencar, embora admirador do autor de “Quincas Borba” e o responsável pelo resgate de sua obra de crítica literária, fez algumas restrições á atuação de Machado de Assis nesse gênero. Escreveu, na apresentação do livro do qual foi o organizador: "Suscetível, suspicaz, delicado em extremo, receava magoar ainda que dizendo a verdade; e quando sentiu os riscos da profissão, já meio dissuadido da utilidade do trabalho pela escassez da matéria, deixou a crítica individualizada dos autores pela crítica geral dos homens e das coisas, mais serena, mais eficaz, e ao gosto do seu espírito". Entendo que, nesse caso, o Bruxo do Cosme Velho pagou o preço do pioneirismo.


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