O preço da celebridade
Pedro
J. Bondaczuk
“A celebridade é uma
contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza
e enfraquece”. Quem fez essa constatação foi Fernando Pessoa, que mal sabia que
viria a se tornar célebre e que, tanto suas virtudes, quanto seus defeitos seriam
distorcidos, superestimados e exagerados, quando não inventados por alguém e
que essas distorções, superestimações, exageros e invenções adquiririam foros
de verdade, mesmo não o sendo. É o que em geral acontece nesses casos. É o
“preço da fama”, assim podemos caracterizar. O poeta, jornalista, humorista e
moralista francês Sebastien-Roch Nicolas de Chamfort foi mais direto, enfático
e exato ao afirmar: “Uma celebridade é aquele que é conhecido por aqueles que
não o conhecem”.
Machado de Assis tratou
com sua habitual maestria, e sem ambigüidades, dessa questão na crônica que
publicou, em 14 de fevereiro de 1897, na coluna “A Semana” do jornal “Gazeta de
Notícias”, intitulada “O homem que briga lá fora”. Referia-se a Antonio Vicente
Mendes Maciel, líder da rebelião de Canudos – que só foi sufocada após quatro
incursões militares, com grande contingente de soldados e armas pesadas, como
modernos (para a época) e potentes canhões. Em três batalhas anteriores, seus
homens, sem nenhum adestramento para combate e dispondo, apenas, de rústicas
espingardas, dessas de se carregar pela boca, haviam sido vencedores.
Machado de Assis
escreveu a propósito: “Conheci ontem o que é celebridade. Estava comprando
gazetas a um homem que as vende na calçada da Rua de S. José, esquina do Largo
da Carioca, quando vi chegar uma mulher simples e dizer ao vendedor com voz
descansada:
— Me dá uma folha que
traz o retrato desse homem que briga lá fora.
— Quem?
— Me esqueceu o nome
dele”.
E na sequência, Machado
comenta: “Leitor obtuso, se não percebeste que ‘esse homem que briga lá fora’ é
nada menos que o nosso Antônio Conselheiro, crê-me que és ainda mais obtuso do
que pareces. A mulher provavelmente não sabe ler, ouviu falar da seita dos
Canudos, com muito pormenor misterioso, muita auréola, muita lenda,
disseram-lhe que algum jornal dera o retrato do Messias do sertão, e foi
comprá-lo, ignorando que nas ruas só se vendem as folhas do dia. Não sabe o
nome do Messias; é ‘esse homem que briga lá fora’. A celebridade, caro e tapado
leitor, é isto mesmo. O nome de Antônio Conselheiro acabará por entrar na
memória desta mulher anônima, e não sairá mais...” Será que entrou? Bem, se
isso ocorreu não foi, certamente, por pleno conhecimento de causa. Foi pelo que
ela leu (caso soubesse ler), sem questionar o teor dos textos e sem nunca
colocar em dúvida sua veracidade.
Machado escreveu,
ainda, nessa reveladora crônica: “Esta é a celebridade. Outra prova é o eco de
Nova York e de Londres onde o nome de Antônio Conselheiro fez baixar os nossos
fundos. O efeito é triste, mas vê se tu, leitor sem fanatismo, vê se és capaz
de fazer baixar o menor dos nossos títulos”. Isso tudo é muito diferente do que
ocorre hoje, tanto no País quanto no Exterior, diante de alguma mera
“suspeita”, transformada em “denúncia”, das tantas que pipocam por aí, sobre
alguma autoridade, antes mesmo de haver qualquer prova que a fundamente? Ora,
ora, ora... Trata-se do lado negativo, perverso e implacável, da celebridade.
O que irritava,
particularmente, Machado de Assis era a forma como os acontecimentos de Canudos
eram noticiados. Nenhum jornal havia, até então, enviado repórter próprio para
a área de conflito. As reportagens baseavam-se, todas, em telegramas enviados
pelas autoridades locais para o Rio de Janeiro ou em boatos a propósito que
circulavam em profusão. Ora, tais fontes, até estátuas de pedra perceberiam,
eram “poluídas”, já que a única versão, que a imprensa acatava sem contestar,
era de uma das partes interessadas. E esta... óbvio, não era a dos rebelados.
Mesmo quando Euclides da Cunha foi destacado para cobrir o conflito, sua versão
(posto que genial, dada sua erudição e conhecimento de causa) não deixava de
ser parcial. Era do ponto de vista de quem combatia os rebeldes (destaque-se
que ele era, antes de tudo, militar).
Em 13 de agosto de 2011
escrevi um texto a respeito, intitulado “A guerra no sertão”. Na ocasião, ainda
não havia lido as crônicas de Machado de Assis sobre o Conselheiro. Escrevi,
então: “A bibliografia a respeito (da Guerra de Canudos) – nacional e
internacional – é vasta. Desde Euclides da Cunha, com seu clássico ‘Os
Sertões’, ao peruano Mário Vargas Llosa, com ‘A Guerra do Fim do Mundo’, livros
de todos os gêneros – da análise histórica a romance –, foram escritos a esse
propósito. Mas a maioria das obras segue o mesmo tom da época dos
acontecimentos, enfocados fartamente pela imprensa, em especial a do Rio de
Janeiro, capital da República de então. Considera os sertanejos envolvidos
nesse drama e, em especial seu líder, Antônio Vicente Mendes Maciel, o
Conselheiro, como mero bando de lunáticos; como um grupelho de fanáticos
religiosos, condenados pela própria Igreja”.
E aduzi: “É uma visão
muito simplista, bem ao gosto da elite. Canudos, na verdade, foi mais uma
revolta dos excluídos, dos despossuídos, dos vilipendiados, dos esquecidos, dos
‘sem-terra’, dos quais o País estava, e ainda está mais do que nunca, repleto.
Os moradores do arraial, fundado em 1893 na invadida Fazenda Velha, no
município de Massaté, eram camponeses pobres (como os invasores de hoje),
expulsos de suas terras pelas sucessivas secas e pelo latifúndio. Um século e
uma década depois, o que mudou foi somente o discurso. E o número de
brasileiros vítimas dessa exclusão social”. Sem saber, como se vê,, expressei a
mesmíssima opinião de Machado de Assis sobre Canudos (posto, claro, sem o
mínimo fragmento da sua genialidade). Mas... Antonio Conselheiro e seus
seguidores pagaram o preço da (má) celebridade, equívoco que o tempo não
conseguiu desfazer. Será que conseguirá? Provavelmente, jamais!!! E a verdade?
Ora, a verdade...
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