Afinal,
andamos para a frente
Pedro J. Bondaczuk
O “Plano de Inflação Zero”, posto em prática pelo
governo do presidente José Sarney, completou, anteontem, o seu primeiro mês de
implantação e, segundo as primeiras avaliações, feitas pelas autoridades, deverá
superar, no período, todas as expectativas. Não apenas vai zerar a inflação,
que já havia se acomodado no patamar dos 15%, como ainda produzir um fato
inédito na história brasileira. Ou seja, conseguir a nossa primeira deflação.
Os preços, na média geral, sofreram um decréscimo entre 1,5 e 2%.
Há quem esteja apostando, entretanto, no
arrefecimento da fúria fiscalizadora da população, que foi o fator decisivo
para o imediato sucesso da medida. Caso isso ocorra, ou seja, se porventura
voltarmos à atitude passiva e omissa de antes, estará formada a primeira brecha
na muralha defensiva contra esse insidioso monstro econômico, que age
subrepticiamente e solapa a economia popular. Nesse caso, corremos o risco de
que os preços, represados, subitamente venham a explodir.
Entretanto, após experimentar a delícia de poder
planejar as finanças domésticas, o consumidor, que pela primeira vez assumiu de
fato o seu papel de cidadão, certamente irá querer perpetuar esse estado de
coisas tranqüilizador. E os “fiscais do Sarney” (pelo menos assim se espera),
continuarão mais vigilantes do que nunca, brandindo tabelas de congelamento
diante dos especuladores, garantindo a viabilidade de todo o projeto.
Aliás, este não irá se restringir tão somente ao
combate inflacionário. Seus objetivos são muito mais profundos e a segunda
etapa deverá vir já neste próximo mês, mais especificamente no dia 14 ou 15 de
abril, quando o presidente da República deverá anunciar medidas de grande
impacto na área social. Possivelmente serão providências para distribuir melhor
a renda nacional, uma das mais concentradas que se conhece no mundo.
Quanto ao Plano Cruzado, constata-se, nesse um mês
que ele existe, que não foram apenas os consumidores que lucraram. Em conversa
com vários pequenos comerciantes, constatamos que eles estão eufóricos com o
crescimento de seus negócios. E o fenômeno tem uma explicação bem simples.
Com o congelamento dos preços, o morador de um
determinado bairro já não tem mais necessidade de se deslocar de onde reside
para o centro da cidade, para efetuar sua compra, especialmente dos gêneros de
maior consumo doméstico. Tem condições, agora, de adquirir essas mercadorias
ali mesmo, pertinho de casa, sem filas, aglomerações, confusões para estacionar
o seu automóvel etc.
Para os grandes supermercados, há, também, algumas
vantagens. Eles têm condições, agora, de atender com maior facilidade a sua
clientela e a concorrência, doravante, desloca-se do campo dos preços para o
setor de atendimento. Quem tiver mais jogo de cintura, sairá na frente e
dificilmente alguém poderá anular, mais adiante, essa importante dianteira.
Outro setor que lucrou bastante, pelo menos neste
primeiro mês, com o projeto de “Inflação Zero”, foi o voltado para o turismo. O
cidadão da chamada classe média “média”, isto é, aquele que possui um certo
status, um determinado padrão de vida, mas que não recebe salário tão
condizente assim para manter determinados luxos, já pode planejar o seu
orçamento. E, espremendo aqui, ali e acolá, sempre acaba extraindo alguma
sobra. E esta, pelo menos em março, acabou sendo gasta em lazer. Na região
serrana próxima a Campinas, os hotéis permanecem, literalmente, lotados nesta
Semana Santa e as perspectivas são de que o movimento virá a dobrar doravante.
A rigor, só não lucrou com o fim da indexação quem
vivia da especulação. Ou seja, quem apostava na inflação futura e nela depunha
toda a sua confiança, raras vezes frustrada, pelo menos nos derradeiros quatro
anos. Mas, mesmo diante destes, abre-se um leque extraordinário de oportunidades
para investimentos de alto retorno e que, ao contrário da prática anterior,
unem essa agradabilidade já assinalada antes ao aspecto da utilidade,
satisfazendo a interesses nacionais.
Estão aí as bolsas de valores, instrumento voltado à
capitalização de empresas saudáveis e de grande potencial. Está aí o mercado
imobiliário, ávido por investimentos, com promessas de lucros bastante
compensadores. E outros negócios mais estão à sua frente, estranhamente
inexplorados durante tanto tempo.
A rigor, numa economia organizada, não há
perdedores. A lógica indica que as transações acabam se transformando numa
grande bola de neve, que só tende a crescer. A produtividade aumenta, já que
quem trabalha sente que seu esforço é recompensado. As vendas tendem a crescer,
obrigando o setor produtivo a gerar mais e mais mercadorias para atender essa
demanda.
Crescem, por conseqüência, empregos, arrecadação de
impostos e o próprio Brasil. É verdade que há, ainda, pontos de estrangulamento
a serem corrigidos. Como a questão da dívida externa, que drena preciosos
recursos de um país razoavelmente pobre. Como os gastos públicos, que doravante
passarão a ser, também, controlados pelos atentos “fiscais do Sarney”. E tantos
outros, que precisam ser, urgentemente, extintos. Mas o primeiro passo foi
dado. E ninguém deterá essa caminhada do brasileiro, orgulhoso de ter
recuperado a sua cidadania.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 30 de março de 1986)
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