Tuesday, July 28, 2015

Afinal, andamos para a frente



Pedro J. Bondaczuk


O “Plano de Inflação Zero”, posto em prática pelo governo do presidente José Sarney, completou, anteontem, o seu primeiro mês de implantação e, segundo as primeiras avaliações, feitas pelas autoridades, deverá superar, no período, todas as expectativas. Não apenas vai zerar a inflação, que já havia se acomodado no patamar dos 15%, como ainda produzir um fato inédito na história brasileira. Ou seja, conseguir a nossa primeira deflação. Os preços, na média geral, sofreram um decréscimo entre 1,5 e 2%.

Há quem esteja apostando, entretanto, no arrefecimento da fúria fiscalizadora da população, que foi o fator decisivo para o imediato sucesso da medida. Caso isso ocorra, ou seja, se porventura voltarmos à atitude passiva e omissa de antes, estará formada a primeira brecha na muralha defensiva contra esse insidioso monstro econômico, que age subrepticiamente e solapa a economia popular. Nesse caso, corremos o risco de que os preços, represados, subitamente venham a explodir.

Entretanto, após experimentar a delícia de poder planejar as finanças domésticas, o consumidor, que pela primeira vez assumiu de fato o seu papel de cidadão, certamente irá querer perpetuar esse estado de coisas tranqüilizador. E os “fiscais do Sarney” (pelo menos assim se espera), continuarão mais vigilantes do que nunca, brandindo tabelas de congelamento diante dos especuladores, garantindo a viabilidade de todo o projeto.

Aliás, este não irá se restringir tão somente ao combate inflacionário. Seus objetivos são muito mais profundos e a segunda etapa deverá vir já neste próximo mês, mais especificamente no dia 14 ou 15 de abril, quando o presidente da República deverá anunciar medidas de grande impacto na área social. Possivelmente serão providências para distribuir melhor a renda nacional, uma das mais concentradas que se conhece no mundo.

Quanto ao Plano Cruzado, constata-se, nesse um mês que ele existe, que não foram apenas os consumidores que lucraram. Em conversa com vários pequenos comerciantes, constatamos que eles estão eufóricos com o crescimento de seus negócios. E o fenômeno tem uma explicação bem simples.

Com o congelamento dos preços, o morador de um determinado bairro já não tem mais necessidade de se deslocar de onde reside para o centro da cidade, para efetuar sua compra, especialmente dos gêneros de maior consumo doméstico. Tem condições, agora, de adquirir essas mercadorias ali mesmo, pertinho de casa, sem filas, aglomerações, confusões para estacionar o seu automóvel etc.

Para os grandes supermercados, há, também, algumas vantagens. Eles têm condições, agora, de atender com maior facilidade a sua clientela e a concorrência, doravante, desloca-se do campo dos preços para o setor de atendimento. Quem tiver mais jogo de cintura, sairá na frente e dificilmente alguém poderá anular, mais adiante, essa importante dianteira.

Outro setor que lucrou bastante, pelo menos neste primeiro mês, com o projeto de “Inflação Zero”, foi o voltado para o turismo. O cidadão da chamada classe média “média”, isto é, aquele que possui um certo status, um determinado padrão de vida, mas que não recebe salário tão condizente assim para manter determinados luxos, já pode planejar o seu orçamento. E, espremendo aqui, ali e acolá, sempre acaba extraindo alguma sobra. E esta, pelo menos em março, acabou sendo gasta em lazer. Na região serrana próxima a Campinas, os hotéis permanecem, literalmente, lotados nesta Semana Santa e as perspectivas são de que o movimento virá a dobrar doravante.

A rigor, só não lucrou com o fim da indexação quem vivia da especulação. Ou seja, quem apostava na inflação futura e nela depunha toda a sua confiança, raras vezes frustrada, pelo menos nos derradeiros quatro anos. Mas, mesmo diante destes, abre-se um leque extraordinário de oportunidades para investimentos de alto retorno e que, ao contrário da prática anterior, unem essa agradabilidade já assinalada antes ao aspecto da utilidade, satisfazendo a interesses nacionais.

Estão aí as bolsas de valores, instrumento voltado à capitalização de empresas saudáveis e de grande potencial. Está aí o mercado imobiliário, ávido por investimentos, com promessas de lucros bastante compensadores. E outros negócios mais estão à sua frente, estranhamente inexplorados durante tanto tempo.

A rigor, numa economia organizada, não há perdedores. A lógica indica que as transações acabam se transformando numa grande bola de neve, que só tende a crescer. A produtividade aumenta, já que quem trabalha sente que seu esforço é recompensado. As vendas tendem a crescer, obrigando o setor produtivo a gerar mais e mais mercadorias para atender essa demanda.

Crescem, por conseqüência, empregos, arrecadação de impostos e o próprio Brasil. É verdade que há, ainda, pontos de estrangulamento a serem corrigidos. Como a questão da dívida externa, que drena preciosos recursos de um país razoavelmente pobre. Como os gastos públicos, que doravante passarão a ser, também, controlados pelos atentos “fiscais do Sarney”. E tantos outros, que precisam ser, urgentemente, extintos. Mas o primeiro passo foi dado. E ninguém deterá essa caminhada do brasileiro, orgulhoso de ter recuperado a sua cidadania.      

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de março de 1986)


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