Machado de Assis e as
escolas literárias
Pedro
J. Bondaczuk
Os críticos literários
e professores de Literatura têm enorme dificuldade em enquadrar a obra de
Machado de Assis em alguma escola e divergem, portanto, nesse aspecto. O
escritor foi “Romântico”, como suas primeiras poesias e romances iniciais
sugerem? Bem, no início de carreira até pode ser caracterizado como tal, embora
já fosse possível detectar, aqui e ali, características realistas. Quer dizer,
então, que pode ser classificado como realista? Às vezes sim, às vezes não.
Porquanto, mesmo nessa fase, produziu obras com nítidas feições
impressionistas. Então dever ser classificado na escola impressionista? A rigor
não! Notam-se várias características, que mais tarde seriam desenvolvidas por
outros tantos escritores, aos quais influenciou, típicas do modernismo. Como,
pois, enquadrar a obra de Machado de Assis? Pergunto: afinal, é preciso?
Digamos que sim.
Esclareço que esse enquadramento da obra de qualquer escritor na escola
literária “x”, “y” ou “z” tem, apenas, única finalidade: sistematizar seu
estudo. Esta não é preocupação do romancista, contista, poeta, novelista,
ensaísta etc. quando escreve seus livros. Isso nem lhes passa pela cabeça. O
escritor escreve de acordo com seu estilo, seus conhecimentos, suas
experiências e vai por aí afora. As “escolas literárias” não são como se fossem
ideologias políticas, como Capitalismo ou Comunismo, que o sujeito abrace e
defenda até com a vida. Tal caracterização compete apenas aos críticos, aos
teóricos e aos professores de Literatura. É um aspecto que nunca passa pela
cabeça do escritor. Não existe, pois, obra arcaica, somente pelo fato de,
embora ser escrita hoje, se enquadrar em determinada escola considerada
ultrapassada. O que há é livro excelente, bom, regular ou ruim, independente de
qualquer classificação.
Entendo, sem exagero,
que para caracterizar a obra de Machado de Assis – e somente para efeito de
estudo, reitero – se faz necessária a criação de nova categoria, de escola que
fuja dos padrões de todas existentes. Seria qualquer coisa como “Roman-natura-impressio-modernista”
ou algo que o valha. O rótulo é o que menos importa. Sei que esta minha
colocação é polêmica e, provavelmente, despertará a ira dos que se arrogam
donos da verdade. Que seja! Sustento-a, por ser baseada na lógica.
A propósito do estilo
machadiano (ou seriam estilos?), encontrei interessante avaliação na
enciclopédia eletrônica Wikipédia. Não dou o devido crédito ao autor, pois não
sei quem ele é. Contudo, identifico a fonte, para deixar claro que o texto não
é meu (embora concorde integralmente com ele). Esse anônimo analista afirma: “A
obra de Machado de Assis assume uma originalidade despreocupada com as modas
literárias dominantes de seu tempo. Os acadêmicos notam cinco fundamentais
enquadramentos em seus textos: ‘elementos clássicos’ (equilíbrio, concisão,
contenção lírica e expressional), ‘resíduos românticos’ (narrativas
convencionais ao enredo), ‘aproximações realistas’ (atitude crítica,
objetividade, temas contemporâneos), ‘procedimentos impressionistas’ (recriação
do passado através da memória), e ‘antecipações modernas’ (o elíptico e o
alusivo engajados a um tema que permite diversas leituras e interpretações)”.
A seguir, pondera: “Se,
por um lado, os realistas que seguiam Flaubert esqueciam do narrador por detrás
da objetividade narrativa, e os naturalistas, a exemplo de Zola, narravam todos
os detalhes do enredo, Machado de Assis optou por abster-se de ambos os métodos
para cultivar o fragmentário e interferir na narrativa com o objetivo de
dialogar com o leitor, comentando seu próprio romance com filosofias,
metalinguagens, intertextualidade. Em tom absolutamente não-enfático, neutro,
sem retórica, as obras de ficção machadianas possuem na maior parte das vezes
um humor reflexivo, ora amargo, ora divertido. De fato, uma de suas
características mais apreciadas é a ironia, que os estudiosos consideram a
‘arma mais corrosiva da crítica machadiana’. Num processo próximo ao do
‘impressionismo associativo’, há de certo uma ruptura com a narrativa linear,
de modo que as ações não seguem um fio lógico ou cronológico, mas que é
relatado conforme surgem na memória das personagens ou do narrador”.
E, finalmente, conclui:
“Sua mensagem artística se dá por meio de uma interrupção na narrativa para
dialogar com o leitor sobre a própria escritura do romance, ou sobre o caráter
de determinado personagem ou sobre qualquer outro tema universal, numa
organização metalinguística que constituía seu principal interesse como autor”.
Mais adiante, em outro parágrafo, aduz: “Sua preocupação no psicologismo das
personagens obrigavam-no a escrever numa narrativa lenta que não prejudicasse o
menor detalhe para que este não comprometesse o quadro psicológico do enredo.
Sua atenção desvia-se comumente do coletivo para ir à mente e à alma do ser
humano — fator denominado ‘microrrealismo’. Por conta destas características,
Machado criou um estilo enxuto que os acadêmicos chamam de ‘quase britânico’.
Sua economia vocabular é rara na literatura brasileira, ainda mais se procurada
em autores como Castro Alves, José de Alencar ou Rui Barbosa, que tendem ao uso
imoderado do adjetivo e do advérbio. Embora enxuta, não era adepto de uma
linguagem mecânica ou simétrica, e sim medida por seu ritmo interior”.
Em suma, em qual escola
se deve, ou se pode enquadrar a obra de Machado de Assis, com a ressalva que
esse enquadramento se destina, exclusivamente, a situá-la, para efeito de
estudo, na história da Literatura Brasileira? Bem, posso sugerir três opções. A
primeira é enquadrá-lo em “todas”, identificando os livros que tenham as
características de cada uma. A segunda, é criando uma “nova”, fundindo todas
elas, como sugeri acima. E, finalmente a terceira é “em nenhuma”, dedicando-lhe
extenso capítulo á parte, ressaltando seu pioneirismo nas letras nacionais.
Afinal, não por acaso, Machado de Assis é apelidado de “Bruxo”, capaz,
portanto, das mais inusitadas e incríveis bruxarias.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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