Guerra
mostra senso de desproporção
Pedro J. Bondaczuk
A guerra do Golfo Pérsico mostrou o quanto a
humanidade ainda está despreparada para instituir uma nova era, em que o ser
humano, e não sistemas, ideologias e corporações, seja prioritário. A operação
militar para desalojar as tropas de Saddam Hussein do Kuwait5, cantada e
decantada em verso e prosa, em declarações bombásticas adredemente ensaiadas e
em imagens cuidadosamente editadas para iludir quem as via, acabou se
constituindo na coisa mais estúpida, despropositada e sem sentido dos últimos
tempos.
Finda a confrontação, nada, em absoluto, mudou para
melhor. A questão palestina continua da mesmíssima forma, a democracia não
avançou um único milímetro na região e, de quebra, restaram dois países devastados,
a natureza, mais uma vez, severamente agredida e um espetáculo dantesco de
milhões de pessoas famintas e doentes perambulando por entre ruínas, como
marionetes dos poderosos, que ditam as cartas na arena internacional.
A guerra foi tão surrealista, tão repleta de lances
que seriam cômicos, não fossem trágicos ao agravar a miséria de milhões de
criaturas, que o polêmico escritor francês Jean Baudrillard, num livro que vem
causando sensação na Europa, chegou a afirmar que sequer “existiu”.
O intelectual europeu, todavia, explica, para não
ser mal-interpretado pelos eternos “videotas” – a maioria esmagadora da
humanidade atual – que se recusam a pensar: “Tudo se desenrolou como uma
espécie de virtualidade muito documentada. É claro que houve violência, mortes
e tudo, mas isto não foi suficiente para construir um evento histórico
real...Afinal, nada mudou, foi como uma experiência de laboratório”.
É até possível que tenha sido, de fato. Saddam
Hussein, por exemplo, continua no poder e, apesar da mídia ocidental, num
evidente exercício maniqueísta, estranhamente aceito por multidões, pintá-lo
como o supra-sumo de todo o mal, traçar o seu perfil como sendo o de Satã, e
não Saddam, o presidente iraquiano continua contando com o apoio da maioria do
seu povo.
Outro aspecto, citado pelo jornalista Nicholas
Dougty, num artigo para a Agência Reuter, foi o exagero de forças reunidas para
esmagar os iraquianos. O comentarista menciona a perplexidade do ministro de
Defesa da Bélgica, Guy Coeme – que é igualmente a de todos os que raciocinam
sem necessidade que ninguém lhes induza – com esse fato.
A referida personalidade afirmou: “Em termos
militares, a guerra do Golfo foi uma aberração. Para enfrentar um só país, o
Iraque, com um Produto Interno Bruto equivalente a 25% do PIB belga, foram
mobilizados equipamentos correspondentes a 50% do que a Otan teria acionado
para enfrentar a União Soviética”.
E para quê tudo isso? Qual o objetivo verdadeiro –
certamente não o apregoado – da mobilização de tamanho aparato? Apenas para
libertar um Kuwait arrasado até os alicerces? As declarações bombásticas, até
poéticas, de Saddam Hussein conseguiram fazer o Ocidente tremer nas bases?
Se foi isso, o fiasco da guerra foi ainda maior.
Pois, como constatou o ministro belga, o Iraque “sequer saiu para a luta, nem
em terra, nem no ar, limitando-se apenas a defender o território ocupado, o que
é pouco comum”. Como se observa, os líderes políticos das grandes potências
devem muitas explicações à opinião pública...
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do
Correio Popular, em 8 de maio de 1991)
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