Saturday, July 18, 2015

Guerra mostra senso de desproporção


Pedro J. Bondaczuk


A guerra do Golfo Pérsico mostrou o quanto a humanidade ainda está despreparada para instituir uma nova era, em que o ser humano, e não sistemas, ideologias e corporações, seja prioritário. A operação militar para desalojar as tropas de Saddam Hussein do Kuwait5, cantada e decantada em verso e prosa, em declarações bombásticas adredemente ensaiadas e em imagens cuidadosamente editadas para iludir quem as via, acabou se constituindo na coisa mais estúpida, despropositada e sem sentido dos últimos tempos.

Finda a confrontação, nada, em absoluto, mudou para melhor. A questão palestina continua da mesmíssima forma, a democracia não avançou um único milímetro na região e, de quebra, restaram dois países devastados, a natureza, mais uma vez, severamente agredida e um espetáculo dantesco de milhões de pessoas famintas e doentes perambulando por entre ruínas, como marionetes dos poderosos, que ditam as cartas na arena internacional.

A guerra foi tão surrealista, tão repleta de lances que seriam cômicos, não fossem trágicos ao agravar a miséria de milhões de criaturas, que o polêmico escritor francês Jean Baudrillard, num livro que vem causando sensação na Europa, chegou a afirmar que sequer “existiu”.

O intelectual europeu, todavia, explica, para não ser mal-interpretado pelos eternos “videotas” – a maioria esmagadora da humanidade atual – que se recusam a pensar: “Tudo se desenrolou como uma espécie de virtualidade muito documentada. É claro que houve violência, mortes e tudo, mas isto não foi suficiente para construir um evento histórico real...Afinal, nada mudou, foi como uma experiência de laboratório”.

É até possível que tenha sido, de fato. Saddam Hussein, por exemplo, continua no poder e, apesar da mídia ocidental, num evidente exercício maniqueísta, estranhamente aceito por multidões, pintá-lo como o supra-sumo de todo o mal, traçar o seu perfil como sendo o de Satã, e não Saddam, o presidente iraquiano continua contando com o apoio da maioria do seu povo.

Outro aspecto, citado pelo jornalista Nicholas Dougty, num artigo para a Agência Reuter, foi o exagero de forças reunidas para esmagar os iraquianos. O comentarista menciona a perplexidade do ministro de Defesa da Bélgica, Guy Coeme – que é igualmente a de todos os que raciocinam sem necessidade que ninguém lhes induza – com esse fato.

A referida personalidade afirmou: “Em termos militares, a guerra do Golfo foi uma aberração. Para enfrentar um só país, o Iraque, com um Produto Interno Bruto equivalente a 25% do PIB belga, foram mobilizados equipamentos correspondentes a 50% do que a Otan teria acionado para enfrentar a União Soviética”.

E para quê tudo isso? Qual o objetivo verdadeiro – certamente não o apregoado – da mobilização de tamanho aparato? Apenas para libertar um Kuwait arrasado até os alicerces? As declarações bombásticas, até poéticas, de Saddam Hussein conseguiram fazer o Ocidente tremer nas bases?

Se foi isso, o fiasco da guerra foi ainda maior. Pois, como constatou o ministro belga, o Iraque “sequer saiu para a luta, nem em terra, nem no ar, limitando-se apenas a defender o território ocupado, o que é pouco comum”. Como se observa, os líderes políticos das grandes potências devem muitas explicações à opinião pública...   

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 8 de maio de 1991)


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