Dólar forte
Pedro J. Bondaczuk
A
simples indicação dada pelo presidente norte-americano Ronald Reagan --- quando
da sua primeira aparição em rede nacional de TV após a posse na Casa Branca ---
de que possui a chave para a crise econômica que seu país atravessa, provocou
no mundo todo uma nova "corrida ao dólar". De uma hora para outra a
moeda dos EUA conheceu uma brusca e surpreendente revalorização. Na Itália, por
exemplo, bateu todos os recordes em relação à lira. Na Alemanha Ocidental, voltou
a ser cotada, diante do marco, no mesmo nível de três anos atrás. Até a libra
esterlina --- em franca recuperação face às recentes medidas econômicas
adotadas pela primeira-ministra Margaret Thatcher, e ao sucesso da Inglaterra
na exportação petrolífera do Mar do Norte --- quedou vencida diante da
espetacular ascensão do dólar.
O
novo entusiasmo dos especuladores para com a moeda norte-americana colocou em
xeque o outrora orgulhoso marco alemão. E forçou o Banco Central da Alemanha
Ocidental a uma nova operação de emergência. Levou-o a descarregar milhões de
dólares de suas imensas reservas monetárias na praça, para controlar o seu
irresistível fluxo ascendente. Os cambistas europeus, que em julho do ano
passado haviam experimentado um prejuízo com a moeda dos EUA em relação a 16
outras, da ordem de 20%, não apenas recuperaram seus investimentos em fevereiro
de 1981, como ainda, de quebra, lucraram 5,5%. E acreditam que vão ganhar muito
mais.
No
meio do ano passado, por seu turno, o ouro havia alcançado a astronômica cifra
de US$ 698 a onça. E atingiu o pique no mês de setembro, com o início da guerra
entre o Iraque e o Irã no Golfo Pérsico. O metal, em decorrência daquele
conflito, alcançou, na oportunidade, uma cotação superior à casa dos US$ 710 a
onça.
Os
europeus temiam que os combates no Oriente Próximo poderiam envolver em
confronto direto as superpotências. O clima de tensão mundial era
indisfarçável. O Irã ameaçava bloquear o estratégico Estreito de Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico. Aquela
passagem marítima, como é do conhecimento geral, se constitui na rota
obrigatória dos superpetroleiros ocidentais que demandam da Arábia Saudita,
Kuwait e Emirados Árabes Unidos. Por isso é considerada uma artéria petrolífera
vital para todo o Ocidente. Temia-se por uma invasão norte-americana ao Irã, já
que além da ameaça iraniana de bloqueio da passagem oceânica, estava em pleno
andamento a prolongada e desgastante crise dos reféns. Como conseqüência, era
aguardada, também, uma represália soviética, pois todos acreditavam --- e
acreditam --- que Moscou não se dispõe a permitir a presença de tropas dos EUA
em seus dois mil quilômetros de fronteiras com a rebelde República Islâmica de
Khomeini.
Mas
o bom senso e o pragmatismo econômico de Teerã e Bagdá superaram os seus ódios
e paixões ideológicas. E nada disso aconteceu, restringindo-se a guerra a
simples ações de desgaste mútuo. O ouro então acumulado --- ele que é o lastro
para todas as moedas e o meio de pagamento mais seguro em períodos de conflito
armado --- começou novamente a ser vendido, especialmente pela Europa que o
havia estocado.
O
dólar voltou outra vez a se constituir no dinheiro quase oficial do chamado
"mundo livre". Passou a atrair novamente os europeus, que começaram a
acumulá-lo a todo o vapor para saldar os seus compromissos externos,
especialmente com as maciças importações de petróleo feitas no início da guerra
do Golfo Pérsico.
Quando
Ronald Reagan assumiu a presidência dos EUA, em 20 de janeiro passado, o
precioso metal estava em franca queda. O mercado de Londres registrava na
oportunidade uma imensa oferta contra baixa e decrescente procura. Pela lei
natural que regula automaticamente as compras e vendas, a cotação do ouro só
tinha mesmo é que cair. Seu preço, então, já estava reduzido a irrisórios US$
500 a onça.
Desde
quando assumiu a Casa Branca, o novo presidente norte-americano --- com muita
habilidade, por sinal --- vem aproveitando o seu extraordinário poder de
comunicação para transmitir confiança ao mundo capitalista. Acima de qualquer
providência de caráter prático --- que, diga-se de passagem, não foi tomada ---
incutiu uma elevada dose de otimismo nos financistas internacionais. A própria
admissão de que os EUA estão "à beira de uma catástrofe econômica sem
precedentes desde a Grande Depressão" da década de 1930, serviu mais como
um alerta estimulante do que como motivo de pânico ao mundo financeiro.
A
crença de que ele possuía uma "solução mágica", escondida na manga,
para os problemas econômicos do Ocidente, tornou-se generalizada nas casas de
câmbio européias. Um especulador de Paris chegou a dizer --- conforme assinalou
a revista "Newsweek" de 16 de fevereiro passado --- o seguinte a esse
respeito: " Há uma sensação geral de que alguma coisa nova está
acontecendo. De que Reagan está sinalizando o início de uma nova era".
O
incrível fortalecimento do dólar, motivado exclusivamente por fatores externosà
economia norte-americana, é, por si só, o maior voto mundial de confiança ---
principalmente da Europa --- à nova política econômica preconizada pela Casa
Branca. Mas os homens de negócio não estão, certamente, se guiando apenas pelo
instinto. O seu otimismo quanto a um revigoramento da economia de todo o
Ocidente está sendo muito bem estimulado de Washington. Ainda recentemente o diretor
da Reserva Federal dos EUA, Paul Volcker, um dos estrategistas do novo plano de
Reagan, depondo na Comissão de Finanças do Congresso, garantiu uma sensível
queda nas taxas inflacionárias norte-americanas ainda até o final do corrente
ano de 1981. E afirmou que o sucesso será total no domínio do
"monstro" da inflação, se as medidas de contenção dos gastos
públicos, exigidas pelo presidente, forem rigorosamente postas em execução.
É
muito cedo para prever o sucesso ou o fracasso das providências saneadoras de
Ronald Reagan. Entretanto, se tudo depender do carisma do novo governante para
dar certo, o êxito certamente deverá ser espetacular. A prova inequívoca disso
é a atual recuperação do dólar, surpreendente e alentadora para aqueles que
dependem economicamente da superpotência do Ocidente.
(Artigo
publicado na página 4 do jornal "Fatos & Negócios! em 15 de março de
1981)
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