Machado de Assis e o
teatro
Pedro
J. Bondaczuk
O teatro sempre foi uma
das grandes paixões de Machado de Assis. Desde muito cedo, quando ainda era
praticamente um garoto, o futuro escritor já freqüentava os meios teatrais.
Dialogava com atores. Trocava idéias com diretores. Fazia sugestões, e pertinentes,
aos autores de peças. Enfim, “enturmava-se” naquele ambiente que tanto o
fascinava. Certamente, nessa época, deve ter cogitado em seguir carreira como
autor teatral. E, de certa forma, seguiu. Afinal, foi o autor de dez peças,
muitas das quais nunca encenadas, mas todas publicadas, entre os anos de 1860 e
1906. Ou seja, até, praticamente, véspera de sua morte, ocorrida em 1908.
Poucos autores teatrais podem se orgulhar de ter uma obra
tão volumosa e eclética. Mas... “Por que, então, Machado de Assis não fez
sucesso como autor teatral?”, é a pergunta recorrente que mais ouço dos raros
amigos que sabem que ele se aventurou por essa trilha. A imensa maioria dos
leigos (e até mesmo alguns especialistas da obra machadiana) sequer sabe que
ele escreveu, e tanto, e muito bem, para o teatro. E não me refiro como crítico
teatral notável que foi, pois isso é fartamente conhecido. Estou pensando nele
como autor de deliciosas comédias, sem chulices ou apelações.
Um dos seus últimos
textos publicados, “Lições de Botânica”, foi uma peça teatral. Foi escrita
quando Machado de Assis já era escritor e jornalista consagrado, tido e havido
(com muita justiça, óbvio) como ícone, como paradigma, como referência de
qualidade na Literatura brasileira (e mundial). Ademais, não se pode dizer que
não tenha feito sucesso como autor teatral. Fez sim. Todavia, aconteceu com ele
o que sempre acontece com pessoas dotadas de múltiplos talentos, todos
exercidos com competência e qualidade. Por mais eclético que um sujeito assim
seja, ele sempre será melhor em uma coisa específica do que nas demais. Foi o
que aconteceu com ele. Machado de Assis concorreu não com outros autores de
peças teatrais, aos quais era infinitamente superior. Seu concorrente foi ele
próprio!!!! E nessa disputa surreal, venceu o escritor (e também o jornalista),
ofuscando o teatrólogo. A tal ponto da posteridade praticamente esquecer, ou
literalmente não saber dessa sua virtude.
As sete primeiras peças
de Machado de Assis foram escritas entre 1860 e 1866: “Hoje avental, amanhã
luva” (1860), “Desencantos” (1861), “O caminho da porta” (1863), “O protocolo”
(1863), “Teatro” (1863) e “Quase ministro” (1864) e “Os deuses de casaca”
(1866). Todavia, as três derradeiras já são do seu período de maturidade
literária, quando era romancista e contista consagrado, tido e havido como um
dos melhores ficcionistas de todos os tempos: “Tu, só tu puro amor” (1880),
“Não consultes médico” (1896) e “Lição de Botânica” (1906). Como se vê, Machado
de Assis praticamente nunca deixou de escrever para teatro, demonstrando o
quanto apreciava essa arte. E por que, então, suas peças acabaram esquecidas?
Porque seus romances e contos ofuscaram-nas, assim como ofuscaram, mesmo que
parcialmente, suas qualidades de poeta. Foi Machado de Assis concorrendo com
Machado de Assis.
Em grande parte, sua
imensa erudição e genial criatividade, que deveriam ser suas vantagens no
teatro, acabaram servindo de empecilho para que se projetasse, também, como
autor teatral para a posteridade. Explico. O consagrado jornalista Quintino
Bocaiuva – uma espécie de mito do jornalismo – que foi protetor e admirador
incondicional de Machado de Assis em seu início de carreira, opinou, com
conhecimento de causa, que as peças daquele jovem e promissor autor eram “mais
adequadas à leitura do que à representação”. Seus diálogos eram eruditos em
demasia, o que dificultava os atores de levá-los á cena com a naturalidade que
a arte dramática exige. Ou seja, eram boas demais para o nível técnico e
intelectual dos artistas de então.
Que curiosa
contradição! A maioria dos autores teatrais que fracassa o faz pelo fato de
suas peças não terem conteúdo, quando não por não se expressar com competência
e com clareza. Mas Machado de Assis deixou de se consagrar também nesse gênero
exatamente pelo contrário. Ou seja, pelo fato de seus textos teatrais terem
conteúdo além da conta e serem escritos com inigualável perícia. Um crítico
(não me lembro qual) observou com pertinência a respeito: "Suas peças têm
um tom moralizante, são bem escritas, mas pecam por um excesso de retórica,
isto é, pela falta de naturalidade nos diálogos". Uma coisa, porém, não se
pode negar (como li alhures): “Machado era profundo conhecedor dos elementos
cênicos e teatrais. Seu repertório tem valor significativo uma vez que
representa a sociedade do seu tempo e faz parte de um movimento interessado em
criar um teatro brasileiro”. Na época, a imensa maioria das peças levadas à
cena era traduzida, o que incomodava o escritor.
Sua temática era
cômica, portanto, não trágica, o que me deixa ainda mais intrigado sobre o
motivo de suas peças não serem, hoje, tão elogiadas quanto seus romances, como
“Dom Casmurro”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Quincas Borba”, entre
outros e, sobretudo, seus contos. Afinal, fazer rir, com bom gosto e sem apelar
para a escatologia, é muito mais complicado do que fazer chorar. Seus textos
teatrais são engraçadíssimas comédias, infinitamente mais inteligentes e
hilariantes do que a totalidade dos programas ditos humorísticos da nossa
televisão atual. Fosse vivo, certamente seria convidado a redigir essas hoje
pífias apresentações de TV que, convenhamos, salvo raríssimas exceções, são
chulas e totalmente sem graça.
E seus personagens, o
que dizer deles? São, salvo uma ou outra exceção, membros da alta burguesia
brasileira do século XIX. Mas não são escrachados e muito menos
“caricaturizados”. São cultos, elegantes e espirituosos. Mantêm, como bem
caracterizou não faz muito um crítico, "diálogos aos quais não faltam
chistes, bom humor e ironia refinada.". É tudo o que falta à comédia
atual, que está mais para a tragédia, por sua burrice, apelação e mau gosto,
não é mesmo? Eu, se fosse produtor teatral, arriscaria um investimento e
produziria pelo menos uma das dez peças de Machado de Assis (qualquer delas),
se não todas. Seria, além de justo resgate cultural, um festival de
inteligência e de bom gosto. Afinal, o teatro tem, também, (ou pelo menos
deveria ter) função educativa.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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