Saturday, July 25, 2015

A guerra dos meninos


Pedro J. Bondaczuk


A chacina da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, trouxe à baila, mais uma vez, em âmbito nacional, a questão do menor abandonado. Políticos fazem declarações, jornais publicam extensos editoriais e uma enxurrada de artigos, entidades realizam palestras a respeito, todos querem dar sua opinião. Ou seja, abundam palavras, mas elas continuam desacompanhadas de ações.

O caso parece não sensibilizar, da forma que deveria, a população, dividida entre os que se chocam ainda com um ato violento dessa espécie, os indiferentes e aqueles que, de uma forma ou de outra, respaldam o crime, mais um dos tantos cometidos diariamente contra crianças por este Brasil afora e que apenas não ganham as manchetes, como sequer são noticiados.

Vivemos uma época de desamor e fúria. Há tempos temos menores matando (foram vários os assassinatos cometidos por eles para roubar um simples par de tênis) e morrendo. Na escalada da violência, o País assiste, atarantado, sem saber o que fazer, uma autêntica “guerra dos meninos”.

À medida que os sucessivos planos econômicos são elaborados, e fracassam, a miséria avança em progressão geométrica sobre os brasileiros. E com ela, o oportunismo, o desespero, a lei das selvas, a força bruta substituindo cada vez mais a razão.

O problema do menor abandonado, expurgados a retórica e os dividendos que os políticos colhem da situação, na verdade sensibiliza a poucos, a pouquíssimos, a quase ninguém. E ele vem de longe. Na década de 60, no mesmo Rio de Janeiro, houve o caso dos mendigos afogados no Rio Guandu.

Trinta anos se passaram e até hoje nada se fez para apurar os responsáveis por esse crime e lhes dar a devida punição. Quem se importa? Como a chacina da Candelária, tão logo a poeira baixar, vai acabar sendo esquecido. Não será a última mortandade coletiva de crianças a se registrar e está muitíssimo longe de ser a primeira.

O problema do menor abandonado não será resolvido com palavras e muito menos com soluções paliativas. Passa por uma reforma nas regras da sociedade, em franco processo de decomposição. Exige uma revalorização da família.

Hoje, é indispensável educar os adultos, que se casam ou se ajuntam para gerar filhos sem que saibam sequer cuidar de si próprios. A maioria das crianças de rua da Candelária, por exemplo, tem casa e pais. No entanto, fogem para escapar de maus-tratos, quando não de abusos sexuais.

São seres humanos que se sentem rejeitados, indesejados, inoportunos. Boa parte dessas crianças é gerada acidentalmente. São consideradas enormes estorvos, e não uma dádiva divina. Daí, não ser surpreendente quando se “bestializam”.

Muitos são postos no mundo (propositalmente) apenas com o intuito de serem explorados por seus pais. Há denúncias nas ruas de mulheres que se deixam engravidar, deliberadamente, por qualquer um, para utilizar, tão logo possam, suas “crias” para esmolar.

Por mais repugnante que isso pareça, é a mais crua das realidades brasileiras. O jornalista Gaudêncio Torquato, num artigo publicado em 3 de julho de 1990 no jornal “O Estado de S. Paulo”, constatou: “O panorama nas capitais é assustador. Menores de 10 a 14 anos continuam a ser assassinados em penca. Cirurgias clandestinas para abortos chegam ao absurdo índice de quase 6 milhões”.

De lá para cá, a situação se agravou demais. E o que se fez de prático nestes últimos três anos para pelo menos reduzir as dimensões do problema? O mesmo que se fará tão logo a chacina da Candelária caia no esquecimento: NADA!!!     

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 27 de julho de 1993)


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