A
guerra dos meninos
Pedro J. Bondaczuk
A chacina da Candelária, no centro do Rio de
Janeiro, trouxe à baila, mais uma vez, em âmbito nacional, a questão do menor
abandonado. Políticos fazem declarações, jornais publicam extensos editoriais e
uma enxurrada de artigos, entidades realizam palestras a respeito, todos querem
dar sua opinião. Ou seja, abundam palavras, mas elas continuam desacompanhadas
de ações.
O caso parece não sensibilizar, da forma que
deveria, a população, dividida entre os que se chocam ainda com um ato violento
dessa espécie, os indiferentes e aqueles que, de uma forma ou de outra,
respaldam o crime, mais um dos tantos cometidos diariamente contra crianças por
este Brasil afora e que apenas não ganham as manchetes, como sequer são noticiados.
Vivemos uma época de desamor e fúria. Há tempos
temos menores matando (foram vários os assassinatos cometidos por eles para
roubar um simples par de tênis) e morrendo. Na escalada da violência, o País
assiste, atarantado, sem saber o que fazer, uma autêntica “guerra dos meninos”.
À medida que os sucessivos planos econômicos são
elaborados, e fracassam, a miséria avança em progressão geométrica sobre os
brasileiros. E com ela, o oportunismo, o desespero, a lei das selvas, a força
bruta substituindo cada vez mais a razão.
O problema do menor abandonado, expurgados a
retórica e os dividendos que os políticos colhem da situação, na verdade
sensibiliza a poucos, a pouquíssimos, a quase ninguém. E ele vem de longe. Na
década de 60, no mesmo Rio de Janeiro, houve o caso dos mendigos afogados no
Rio Guandu.
Trinta anos se passaram e até hoje nada se fez para
apurar os responsáveis por esse crime e lhes dar a devida punição. Quem se
importa? Como a chacina da Candelária, tão logo a poeira baixar, vai acabar sendo
esquecido. Não será a última mortandade coletiva de crianças a se registrar e
está muitíssimo longe de ser a primeira.
O problema do menor abandonado não será resolvido
com palavras e muito menos com soluções paliativas. Passa por uma reforma nas
regras da sociedade, em franco processo de decomposição. Exige uma
revalorização da família.
Hoje, é indispensável educar os adultos, que se
casam ou se ajuntam para gerar filhos sem que saibam sequer cuidar de si
próprios. A maioria das crianças de rua da Candelária, por exemplo, tem casa e
pais. No entanto, fogem para escapar de maus-tratos, quando não de abusos
sexuais.
São seres humanos que se sentem rejeitados,
indesejados, inoportunos. Boa parte dessas crianças é gerada acidentalmente.
São consideradas enormes estorvos, e não uma dádiva divina. Daí, não ser
surpreendente quando se “bestializam”.
Muitos são postos no mundo (propositalmente) apenas
com o intuito de serem explorados por seus pais. Há denúncias nas ruas de
mulheres que se deixam engravidar, deliberadamente, por qualquer um, para
utilizar, tão logo possam, suas “crias” para esmolar.
Por mais repugnante que isso pareça, é a mais crua
das realidades brasileiras. O jornalista Gaudêncio Torquato, num artigo
publicado em 3 de julho de 1990 no jornal “O Estado de S. Paulo”, constatou: “O
panorama nas capitais é assustador. Menores de 10 a 14 anos continuam a ser
assassinados em penca. Cirurgias clandestinas para abortos chegam ao absurdo
índice de quase 6 milhões”.
De lá para cá, a situação se agravou demais. E o que
se fez de prático nestes últimos três anos para pelo menos reduzir as dimensões
do problema? O mesmo que se fará tão logo a chacina da Candelária caia no
esquecimento: NADA!!!
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 27 de julho de 1993)
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