Entre os 100 mais
geniais do mundo
Pedro
J. Bondaczuk
O crítico literário
norte-americano Harold Bloom – um dos
mais polêmicos, mas também um dos mais acatados analistas de literatura da
atualidade – relacionou Machado de Assis como um dos cem “gênios” das letras do
mundo em todos os tempos. Ou seja, classificou-o entre a uma centena dos
inovadores que de fato criaram algo realmente novo que tenha impulsionado
decisivamente essa nobre atividade artística e intelectual. Houve, como seria
de se esperar, inúmeras contestações à sua lista. Contudo, estas ocorreram não
propriamente pelos nomes nela incluídos, mas pelos que foram omitidos (eu sou
um dos que notaram ausências inconcebíveis). Não me consta, portanto, a
existência de opiniões “contrárias” à inclusão do nosso maior escritor nessa
relação, mesmo não sendo tão conhecido, em âmbito internacional, como milhares
e milhares que ficaram de fora.
Até porque, quem,
eventualmente, se sinta tentado a contestar a genialidade de Machado de Assis,
não tardará em desistir dessa tentação tão logo se aprofunde em sua obra. Sua
qualidade é incontestável e ninguém que a conheça, mesmo que só
superficialmente, a contesta, a menos que não conheça nada de literatura ou que
não esteja em seu juízo perfeito. A lista de Harold Bloom consta de seu livro
“Gênio: Os 100 autores mais criativos da história da literatura” (Tradução de José
Roberto O’Shea; Revisão de Marta M. O’Shea, publicado no Brasil em 2003 pela
Editora Objetiva). Logo no prefácio, o ilustre autor – professor universitário
e titular das cadeiras de Humanidades (na “Yale University”) e de inglês (na
New York University) indaga: “Por que estes 100 autores?”. E a seguir,
responde: “A certa altura, considerei incluir muitos outros nomes, mas uma
centena me pareceu número suficiente. Excetuando aqueles que jamais poderiam
ser omitidos – Shakespeare, Dante, Cervantes, Homero, Virgílio, Platão e
companheiros -, minha seleção é totalmente arbitrária e idiossincrática. A
lista não encerra, em absoluto, os 100 melhores, na avaliação de quem quer que
seja, inclusive na minha. Apenas estes autores são aqueles sobre os quais desejei
escrever”.
Essa observação,
todavia, não diminui em nada a inclusão de Machado de Assis nesta tão seleta
(posto que tão polêmica) lista. Até porque esse eminente humanista (afinal, é
professor de Humanidades em uma das mais renomadas universidades do mundo),
homem de vastíssima e eclética cultura, leitor incansável e profundo conhecedor
da literatura ocidental, mais do que justifica, nas 828 páginas do seu livro, o
por que da sua opção pelos gênios que relacionou. Não foi, portanto, escolha
feita na base do “chute”, embora ele tenha até dado a entender que sim. Bloom
(que completará 75 anos de idade em julho de 2015). conhece, e de sobejo, cada um dos que
escolheu. Inclusive, óbvio, Machado de Assis.
Diferente dos críticos
brasileiros, o especialista norte-americano salienta a negritude do genial
patrício, que ele considera o maior escritor negro de todos os tempos. Neste
caso, vai, nitidamente, na contramão de muitos dos biógrafos (a maioria) e
experts tupiniquins que teimam em afirmar que o Bruxo do Cosme Velho “renegava”
sua origem africana. Não renegava. É certo que não a apregoava aos quatro
ventos (nem tinha porque fazê-lo), mas jamais deu a entender, posto que
remotamente, que esta o envergonhasse ou constrangesse. Bloom centra sua
análise no romance que considera a obra máxima do autor brasileiro: “Memórias
Póstumas de Brás Cubas”. Sobre esse livro de Machado de Assis – a quem
considera discípulo do irlandês Laurence Sterne (1713-1768) – afirma:
“Brás Cubas, em suas
Memórias Póstumas, recebe um bilhete da amante casada, sugerindo que talvez o
marido desta tenha descoberto a verdade, e o herói se põe a refletir sobre a
falta de uma reação coerente da sua parte. Machado de Assis, o maior discípulo
de Laurence Sterne no Novo Mundo, escreve a sua obra-prima em 1880, em um
contexto do Brasil escravagista, ele próprio neto de escravos libertados.
Porém, Machado, ironista genial, jamais ataca a sociedade diretamente, mas
através de uma comédia astuta e um niilismo intimidante”.
E aduz: “A alienação de
Brás Cubas é esplêndida, sua amabilidade, maravilhosa: ele jamais sofre e, por
conseguinte, jamais sofremos com ele. Todavia, uma frieza misteriosa emana das
suas Memórias Póstumas, obra que contém atmosfera tão original que não permite
comparação com qualquer outro texto ficcional, a despeito do débito inicial com
Sterne”. E completa, mais uma vez salientando a ascendência negra do escritor
brasileiro: “O gênio da ironia propiciou-nos poucos exemplos à altura do
escritor afro-brasileiro Machado de Assis, a meu ver, o maior literato negro
surgido até o presente. Machado de Assis teria desprezado a minha observação,
como mais uma piada digna de Tristam Shandy”. Teria? Talvez sim, talvez não.
Ressalte-se que Bloom
não é o único crítico literário estrangeiro a destacar a genialidade do “Bruxo
do Cosme Velho”. Com as recentes traduções de alguns dos seus livros para
outras línguas, ele tem sido considerado, por especialistas de literatura e por
artistas do mundo inteiro, como "gênio injustamente relegado à negligência
mundial". A relação dos que se debruçam, embevecidos, sobre romances e
contos machadianos é extensíssima, dessas que, sem exagero, preencheriam
dezenas e dezenas de páginas apenas com seus nomes e nacionalidades.
Cito, a título de
ilustração, somente alguns desses críticos literários internacionais, os mais
conhecidos, como, por exemplo, Giusepe Alpi, Houwens Post e Edoardo Bizzarri,
(Itália); Lourdes Andreassi e Abel Barros Baptista (Portugal); Albert Bagby
Jr., Helen Caldwell, Paul D. Dixon, Keith Ellis, Richard Graham, David Jackson,
Linda Murphy Kelley, John C. Kinnear, Alfred McAdam, Samuel Putnam, Jack E.
Tomlins, Carmelo Virgillo e Susan Sontag (Estados Unidos); Jean-Michel Massa,
Adrien Delpech, Anatole France, Pierre
Hourcade e Victor Orban (França); John
Gledson, John Hyde Schmitt e Tony Tanner (Inglaterra); Albert Dessau e Dieter Woll (Alemanha) e
Edith Fowke (Canadá). Por tudo isso, assino embaixo a lúcida opinião de João
Cézar de Castro Rocha sobre nosso maior escritor, que destacou que o gênio de
Machado constitui-se de severo estudo, trabalho, e de uma dedicação que
"vai na contramão da cultura do fácil, do espontâneo e do improviso, que
ainda predomina no Brasil". Ou seja, sua genialidade não caiu do céu. Foi
resultado de disciplina, pesquisa, leitura e constante e até científica
observação.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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