Monday, July 27, 2015

Entre os 100 mais geniais do mundo

Pedro J. Bondaczuk

O crítico literário norte-americano Harold Bloom –  um dos mais polêmicos, mas também um dos mais acatados analistas de literatura da atualidade – relacionou Machado de Assis como um dos cem “gênios” das letras do mundo em todos os tempos. Ou seja, classificou-o entre a uma centena dos inovadores que de fato criaram algo realmente novo que tenha impulsionado decisivamente essa nobre atividade artística e intelectual. Houve, como seria de se esperar, inúmeras contestações à sua lista. Contudo, estas ocorreram não propriamente pelos nomes nela incluídos, mas pelos que foram omitidos (eu sou um dos que notaram ausências inconcebíveis). Não me consta, portanto, a existência de opiniões “contrárias” à inclusão do nosso maior escritor nessa relação, mesmo não sendo tão conhecido, em âmbito internacional, como milhares e milhares que ficaram de fora.

Até porque, quem, eventualmente, se sinta tentado a contestar a genialidade de Machado de Assis, não tardará em desistir dessa tentação tão logo se aprofunde em sua obra. Sua qualidade é incontestável e ninguém que a conheça, mesmo que só superficialmente, a contesta, a menos que não conheça nada de literatura ou que não esteja em seu juízo perfeito. A lista de Harold Bloom consta de seu livro “Gênio: Os 100 autores mais criativos da história da literatura” (Tradução de José Roberto O’Shea; Revisão de Marta M. O’Shea, publicado no Brasil em 2003 pela Editora Objetiva). Logo no prefácio, o ilustre autor – professor universitário e titular das cadeiras de Humanidades (na “Yale University”) e de inglês (na New York University) indaga: “Por que estes 100 autores?”. E a seguir, responde: “A certa altura, considerei incluir muitos outros nomes, mas uma centena me pareceu número suficiente. Excetuando aqueles que jamais poderiam ser omitidos – Shakespeare, Dante, Cervantes, Homero, Virgílio, Platão e companheiros -, minha seleção é totalmente arbitrária e idiossincrática. A lista não encerra, em absoluto, os 100 melhores, na avaliação de quem quer que seja, inclusive na minha. Apenas estes autores são aqueles sobre os quais desejei escrever”.

Essa observação, todavia, não diminui em nada a inclusão de Machado de Assis nesta tão seleta (posto que tão polêmica) lista. Até porque esse eminente humanista (afinal, é professor de Humanidades em uma das mais renomadas universidades do mundo), homem de vastíssima e eclética cultura, leitor incansável e profundo conhecedor da literatura ocidental, mais do que justifica, nas 828 páginas do seu livro, o por que da sua opção pelos gênios que relacionou. Não foi, portanto, escolha feita na base do “chute”, embora ele tenha até dado a entender que sim. Bloom (que completará 75 anos de idade em julho de 2015).  conhece, e de sobejo, cada um dos que escolheu. Inclusive, óbvio, Machado de Assis.

Diferente dos críticos brasileiros, o especialista norte-americano salienta a negritude do genial patrício, que ele considera o maior escritor negro de todos os tempos. Neste caso, vai, nitidamente, na contramão de muitos dos biógrafos (a maioria) e experts tupiniquins que teimam em afirmar que o Bruxo do Cosme Velho “renegava” sua origem africana. Não renegava. É certo que não a apregoava aos quatro ventos (nem tinha porque fazê-lo), mas jamais deu a entender, posto que remotamente, que esta o envergonhasse ou constrangesse. Bloom centra sua análise no romance que considera a obra máxima do autor brasileiro: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Sobre esse livro de Machado de Assis – a quem considera discípulo do irlandês Laurence Sterne (1713-1768) – afirma:

“Brás Cubas, em suas Memórias Póstumas, recebe um bilhete da amante casada, sugerindo que talvez o marido desta tenha descoberto a verdade, e o herói se põe a refletir sobre a falta de uma reação coerente da sua parte. Machado de Assis, o maior discípulo de Laurence Sterne no Novo Mundo, escreve a sua obra-prima em 1880, em um contexto do Brasil escravagista, ele próprio neto de escravos libertados. Porém, Machado, ironista genial, jamais ataca a sociedade diretamente, mas através de uma comédia astuta e um niilismo intimidante”.

E aduz: “A alienação de Brás Cubas é esplêndida, sua amabilidade, maravilhosa: ele jamais sofre e, por conseguinte, jamais sofremos com ele. Todavia, uma frieza misteriosa emana das suas Memórias Póstumas, obra que contém atmosfera tão original que não permite comparação com qualquer outro texto ficcional, a despeito do débito inicial com Sterne”. E completa, mais uma vez salientando a ascendência negra do escritor brasileiro: “O gênio da ironia propiciou-nos poucos exemplos à altura do escritor afro-brasileiro Machado de Assis, a meu ver, o maior literato negro surgido até o presente. Machado de Assis teria desprezado a minha observação, como mais uma piada digna de Tristam Shandy”. Teria? Talvez sim, talvez não.

Ressalte-se que Bloom não é o único crítico literário estrangeiro a destacar a genialidade do “Bruxo do Cosme Velho”. Com as recentes traduções de alguns dos seus livros para outras línguas, ele tem sido considerado, por especialistas de literatura e por artistas do mundo inteiro, como "gênio injustamente relegado à negligência mundial". A relação dos que se debruçam, embevecidos, sobre romances e contos machadianos é extensíssima, dessas que, sem exagero, preencheriam dezenas e dezenas de páginas apenas com seus nomes e nacionalidades.

Cito, a título de ilustração, somente alguns desses críticos literários internacionais, os mais conhecidos, como, por exemplo, Giusepe Alpi, Houwens Post e Edoardo Bizzarri, (Itália); Lourdes Andreassi e Abel Barros Baptista (Portugal); Albert Bagby Jr., Helen Caldwell, Paul D. Dixon, Keith Ellis, Richard Graham, David Jackson, Linda Murphy Kelley, John C. Kinnear, Alfred McAdam, Samuel Putnam, Jack E. Tomlins, Carmelo Virgillo e Susan Sontag (Estados Unidos); Jean-Michel Massa, Adrien Delpech, Anatole France,  Pierre Hourcade e Victor Orban (França);  John Gledson, John Hyde Schmitt e Tony Tanner (Inglaterra);  Albert Dessau e Dieter Woll (Alemanha) e Edith Fowke (Canadá). Por tudo isso, assino embaixo a lúcida opinião de João Cézar de Castro Rocha sobre nosso maior escritor, que destacou que o gênio de Machado constitui-se de severo estudo, trabalho, e de uma dedicação que "vai na contramão da cultura do fácil, do espontâneo e do improviso, que ainda predomina no Brasil". Ou seja, sua genialidade não caiu do céu. Foi resultado de disciplina, pesquisa, leitura e constante e até científica observação.


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