Prestígio e
desprestígio de Machado de Assis
Pedro
J. Bondaczuk
Machado de Assis é,
passados 107 anos da sua morte, se não o escritor mais estudado e analisado no
mundo em todos os tempos um dos mais focalizados. Sua vida e sua obra vêm sendo
dissecadas, remexidas e viradas no avesso ao longo de mais de um século. Para
que o leitor tenha uma idéia, informo que em um primeiro levantamento informal
que fiz a esse propósito localizei pelo menos 200 livros tratando de Machado de
Assis. Tudo é motivo para escrever sobre ele: sua vida, sua obra ou mesmo
alguma produção específica, em verso ou prosa, de ficção e de não-ficção. Nesse
último caso, o romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” mostra-se imbatível
como tema de análise.
Estendendo um pouco mais
meu levantamento, essa bibliografia machadiana mais que dobrou, praticamente
triplicou, atingindo mais de 500 volumes. E creio que não detectei sequer 10%
do que se escreveu sobre ele: sobre quem foi e o que fez. Nessa apuração não
entram crônicas e ensaios publicados em jornais e revistas e nem monografias
acadêmicas. Suponho que, se fosse possível contabilizar esse material, as
referências a Machado de Assis ascenderiam, sem exagero, a algumas dezenas de
milhares. Quantas? Como saber?! E a cada dia, mais e mais pessoas escrevem a
seu respeito, ora encontrando ângulos inéditos, não abordados por ninguém
(tanto acerca do que produziu quanto de episódios da sua biografia), ora
repetindo (como é meu caso) o que tantos e tantos já escreveram.
Pouquíssimas pessoas no
mundo gozaram ou gozam de tamanha reputação em suas respectivas atividades. De
uns vinte anos para cá, com a tradução dos seus principais livros para os
idiomas mais falados do Planeta, abundam considerações e análises de renomados
críticos e artistas internacionais, a maioria esmagadora com opiniões
favoráveis. A tônica dessas avaliações (salvo uma ou outra exceção, atribuída a
desconhecimento ou até mesmo a certo preconceito) é a de que Machado de Assis
foi mais um desses tantos gênios, “injustamente relegados à negligência
mundial”.
Quando escrevi isso, há
umas três décadas, fui alvo de inúmeras críticas (muitas das quais
acompanhadas, até, de mal educados impropérios). O mínimo que disseram sobre
mim é que sou desses ingênuos que se empolgam facilmente por meia dúzia de
palavras bonitas e que não entendia “nada” de Literatura. Bem, admito que ainda
não entendo “tudo” a propósito. Ninguém entende. Mas daí a dizerem que não sei
“nada” sobre esta que sempre foi a minha paixão, é, no mínimo, irresponsável e
reducionista ilação, feita, ademais, por quem não sabia nada absolutamente nada
a meu respeito. Fico pensando se estes meus gratuitos e obscuros críticos de
ocasião ainda pensam a mesma coisa sobre mim, passado tanto tempo. Duvido que
pensem. Ou, se pensarem, duvido que tenham a ousadia de se manifestar com
tamanha virulência e fúria, como então.
A questão do prestígio
de Machado de Assis, quer no seu tempo, quer atualmente, requer comentários
mais extensos e fundamentados, que me proponho a fazer oportunamente. Ressalto
que nem sempre o escritor gozou (e ainda não goza) de unanimidade. Aliás, como
dizia o saudoso e polêmico jornalista, escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues,
“toda unanimidade é burra”. E como é! Todos têm o direito à própria opinião,
seja lá sobre o que for, mas têm que se responsabilizar por ela. Têm que arcar
com as conseqüências das que forem desfavoráveis a alguma coisa ou,
principalmente, a alguém, porquanto quem for eventualmente atingido (ou quem
for adepto da “vítima” atingida), certamente reagirá. No caso de personalidades
como Machado de Assis, essa opinião (favorável ou não) terá que ser, no mínimo,
convincente e justificada, sob pena de quem opinar sem esse cuidado cair em
absoluto ridículo e se tornar, em casos extremos, alvo de escárnio público.
Quando não se tem pleno
conhecimento de causa, manda a prudência que se cale a propósito de
determinados temas. Como alguém pode opinar, racionalmente, sobre o que ignora?
Não pode, é evidente, embora muitos e muitos e muitos o façam e depois reclamem
das conseqüências. Querem algumas opiniões desfavoráveis sobre a obra de
Machado de Assis? Pois lá vai uma. Em 1881, um tal de Urbano Duarte, que não
sei quem foi (nesse caso, confesso minha ignorância) afirmou que o romance “Memórias
Póstumas de Brás Cubas” era uma obra “falsa, deficiente, sem nitidez e sem
colorido”. Será que ele, pelo menos, leu o livro? Se leu... ou tinha péssimo
gosto ou era preconceituoso, achando impossível um mulato escrever algo tão bom
e criativo. Não se esqueçam que naquele tempo a escravidão ainda estava em
pleno vigor no País. Esses arroubos preconceituosos, diga-se de passagem, eram
muito comuns em relação a Machado de Assis, posto que dissimulados: nenhum dos
que agiam assim tinha coragem de assumir seu preconceito face o prestígio que o
escritor gozava
Capistrano de Abreu –
este bastante conhecido – também questionou “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
Indagou se o livro era mesmo um romance, dando a entender que achava que não.
Ora, ora, ora. Outro comentarista, cujo nome me foge, teve a petulância de
afirmar que a dita obra não tinha nenhuma correspondência na literatura do
Brasil e de Portugal. E concluiu que, por isso, não podia ser classificada como
romance. Era um argumento tão ridículo e pueril que sequer mereceria
consideração. Nem os modernistas, da Semana de Arte Moderna de 1922, pouparam
críticas à obra ficcional de Machado de Assis. Embora influenciados por seu
inovador estilo, que muitos não tiveram sequer a grandeza de reconhecer, consideravam
o pioneiro escritor como “artificioso, sem vida e fora da realidade cotidiana”.
Barbaridade! Abstenho-me de comentar tal disparate. Enfim...
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