Friday, July 24, 2015

Prestígio e desprestígio de Machado de Assis

Pedro J. Bondaczuk

Machado de Assis é, passados 107 anos da sua morte, se não o escritor mais estudado e analisado no mundo em todos os tempos um dos mais focalizados. Sua vida e sua obra vêm sendo dissecadas, remexidas e viradas no avesso ao longo de mais de um século. Para que o leitor tenha uma idéia, informo que em um primeiro levantamento informal que fiz a esse propósito localizei pelo menos 200 livros tratando de Machado de Assis. Tudo é motivo para escrever sobre ele: sua vida, sua obra ou mesmo alguma produção específica, em verso ou prosa, de ficção e de não-ficção. Nesse último caso, o romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” mostra-se imbatível como tema de análise.

Estendendo um pouco mais meu levantamento, essa bibliografia machadiana mais que dobrou, praticamente triplicou, atingindo mais de 500 volumes. E creio que não detectei sequer 10% do que se escreveu sobre ele: sobre quem foi e o que fez. Nessa apuração não entram crônicas e ensaios publicados em jornais e revistas e nem monografias acadêmicas. Suponho que, se fosse possível contabilizar esse material, as referências a Machado de Assis ascenderiam, sem exagero, a algumas dezenas de milhares. Quantas? Como saber?! E a cada dia, mais e mais pessoas escrevem a seu respeito, ora encontrando ângulos inéditos, não abordados por ninguém (tanto acerca do que produziu quanto de episódios da sua biografia), ora repetindo (como é meu caso) o que tantos e tantos já escreveram.

Pouquíssimas pessoas no mundo gozaram ou gozam de tamanha reputação em suas respectivas atividades. De uns vinte anos para cá, com a tradução dos seus principais livros para os idiomas mais falados do Planeta, abundam considerações e análises de renomados críticos e artistas internacionais, a maioria esmagadora com opiniões favoráveis. A tônica dessas avaliações (salvo uma ou outra exceção, atribuída a desconhecimento ou até mesmo a certo preconceito) é a de que Machado de Assis foi mais um desses tantos gênios, “injustamente relegados à negligência mundial”.

Quando escrevi isso, há umas três décadas, fui alvo de inúmeras críticas (muitas das quais acompanhadas, até, de mal educados impropérios). O mínimo que disseram sobre mim é que sou desses ingênuos que se empolgam facilmente por meia dúzia de palavras bonitas e que não entendia “nada” de Literatura. Bem, admito que ainda não entendo “tudo” a propósito. Ninguém entende. Mas daí a dizerem que não sei “nada” sobre esta que sempre foi a minha paixão, é, no mínimo, irresponsável e reducionista ilação, feita, ademais, por quem não sabia nada absolutamente nada a meu respeito. Fico pensando se estes meus gratuitos e obscuros críticos de ocasião ainda pensam a mesma coisa sobre mim, passado tanto tempo. Duvido que pensem. Ou, se pensarem, duvido que tenham a ousadia de se manifestar com tamanha virulência e fúria, como então.

A questão do prestígio de Machado de Assis, quer no seu tempo, quer atualmente, requer comentários mais extensos e fundamentados, que me proponho a fazer oportunamente. Ressalto que nem sempre o escritor gozou (e ainda não goza) de unanimidade. Aliás, como dizia o saudoso e polêmico jornalista, escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”. E como é! Todos têm o direito à própria opinião, seja lá sobre o que for, mas têm que se responsabilizar por ela. Têm que arcar com as conseqüências das que forem desfavoráveis a alguma coisa ou, principalmente, a alguém, porquanto quem for eventualmente atingido (ou quem for adepto da “vítima” atingida), certamente reagirá. No caso de personalidades como Machado de Assis, essa opinião (favorável ou não) terá que ser, no mínimo, convincente e justificada, sob pena de quem opinar sem esse cuidado cair em absoluto ridículo e se tornar, em casos extremos, alvo de escárnio público.

Quando não se tem pleno conhecimento de causa, manda a prudência que se cale a propósito de determinados temas. Como alguém pode opinar, racionalmente, sobre o que ignora? Não pode, é evidente, embora muitos e muitos e muitos o façam e depois reclamem das conseqüências. Querem algumas opiniões desfavoráveis sobre a obra de Machado de Assis? Pois lá vai uma. Em 1881, um tal de Urbano Duarte, que não sei quem foi (nesse caso, confesso minha ignorância) afirmou que o romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” era uma obra “falsa, deficiente, sem nitidez e sem colorido”. Será que ele, pelo menos, leu o livro? Se leu... ou tinha péssimo gosto ou era preconceituoso, achando impossível um mulato escrever algo tão bom e criativo. Não se esqueçam que naquele tempo a escravidão ainda estava em pleno vigor no País. Esses arroubos preconceituosos, diga-se de passagem, eram muito comuns em relação a Machado de Assis, posto que dissimulados: nenhum dos que agiam assim tinha coragem de assumir seu preconceito face o prestígio que o escritor gozava

Capistrano de Abreu – este bastante conhecido – também questionou “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Indagou se o livro era mesmo um romance, dando a entender que achava que não. Ora, ora, ora. Outro comentarista, cujo nome me foge, teve a petulância de afirmar que a dita obra não tinha nenhuma correspondência na literatura do Brasil e de Portugal. E concluiu que, por isso, não podia ser classificada como romance. Era um argumento tão ridículo e pueril que sequer mereceria consideração. Nem os modernistas, da Semana de Arte Moderna de 1922, pouparam críticas à obra ficcional de Machado de Assis. Embora influenciados por seu inovador estilo, que muitos não tiveram sequer a grandeza de reconhecer, consideravam o pioneiro escritor como “artificioso, sem vida e fora da realidade cotidiana”. Barbaridade! Abstenho-me de comentar tal disparate. Enfim...


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