Pacto precisa ser melhorado
Pedro J. Bondaczuk
O pacto firmado Sábado, em
Damasco, sob os auspícios da Síria, entre as três maiores facções libanesas em
conflito, com o objetivo de acabar com a guerra civil no Líbano, iniciada em
abril de 1975, é louvável, mas imperfeito. E por diversos motivos.
Primeiro,
porque a milícia de uma das grandes comunidades nacionais, a muçulmana sunita,
não está representada. Apesar dela ter sido a grande perdedora desse período
violento, em batalhas sangrentas travadas recentemente em Tripoli, não se pode
desprezar a sua força.
Outro
grupo que não assumiu qualquer compromisso para um armistício foi justamente
aquele que deu início às hostilidades. É o que representa milhares de
refugiados palestinos. É verdade que eles perderam muito de sua
representatividade, em virtude de profundas divisões internas e do massacre a
que foram submetidos, em agosto passado, mormente nos acampamentos de Sabra,
Chatila e Bourj-Barajneh, na parte sul da capital libanesa. Mas podem querer partir
para a desforra, comprometendo, assim, todo o processo pacificador.
O
segundo ponto que pode, senão levar ao fracasso, pelo menos colocar em perigo
mais esse pacto, é a falta de consenso verificada numa das comunidades
envolvidas, a cristã. O presidente Amin Gemayel, por exemplo, não foi
consultado sobre o acordo e já afirmou ser contrário ao mesmo.
Provavelmente
por essa razão está sendo convocado a Damasco, para quinta-feira, onde irá
manter uma reunião com o presidente sírio Hafez Assad, mentor e principal
fiador desse armistício. Certamente, na oportunidade, ele será alertado para as
implicações que um eventual fracasso da medida poderia trazer para o país,
literalmente exaurido por essa insensata sangria de vidas e de recursos
materiais.
Mas
na comunidade cristã maronita libanesa não é somente o presidente Amin Gemayel
que se opõe ao pacto. Também os ex-presidentes Camille Champun e Suleiman
Franjieh estão contrários a ele. Os motivos são óbvios. Como políticos, ambos
estão assustados com o esvaziamento do seu poder e com o fato dos muçulmanos
ganharem acesso aos cargos mais importantes da República, embora isso seja
questão de justiça, pela evidente preponderância de seus adeptos, numericamente
falando, no país.
Xiitas,
drusos e sunitas, somados, hoje perfazem bem mais da metade da população do
Líbano. Não é prudente, portanto, que lhes continue sendo vedada a tarefa da
gestão dos negócios de Estado.
O
fato dos sunitas não terem firmado o pacto de Damasco se torna mais grave
quando se sabe que uma das medidas previstas no mesmo é a formação de um novo
gabinete nacional de coalizão, para substituir exatamente o do
primeiro-ministro da seita que não está incluída no armistício, Rashid Karami.
Qual será a reação dessa comunidade ao ser deixada à margem do processo?
Em
contrapartida, uma outra providência, adotada ontem, pelos três chefes
milicianos, pode neutralizar os pontos negativos observados no processo
pacificador. Foi o fato deles ordenarem a seus comandados para que não disparem
um só tiro, mesmo que provocados, sob pena de serem levados a uma corte
marcial.
O
momento, pela sua delicadeza extrema, requer medidas duras, exatamente dessa
natureza, pelo menos até que as coisas comecem a voltar à normalidade e sejam
convocadas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, previstas para uma
outra etapa.
O
Líbano precisa modernizar suas instituições, já que a Constituição que está em
vigor é a mesma de 1926 (quando o país, junto com a Síria, era colônia
francesa), emendada em 1927, 1929, 1943, 1947 e 1976. Além de ultrapassada pelo
tempo, essa Carta Magna transformou-se, portanto, em autêntica colcha de
retalhos.
Será
preciso ainda muita negociação para que o Líbano possa respirar aliviado por se
livrar do flagelo da guerra civil. Mas o que é importante é que o passo
decisivo já foi dado. Basta, agora, que os neurônios falem mais alto do que os
hormônios e que, com prudência e com sabedoria, se ampliem, ilimitadamente, as
bases desse pacto original. O resto é questão de tempo.
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 31 de dezembro de
1985).
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