Monday, July 06, 2015

Pacto precisa ser melhorado



Pedro J. Bondaczuk


O pacto firmado Sábado, em Damasco, sob os auspícios da Síria, entre as três maiores facções libanesas em conflito, com o objetivo de acabar com a guerra civil no Líbano, iniciada em abril de 1975, é louvável, mas imperfeito. E por diversos motivos.

Primeiro, porque a milícia de uma das grandes comunidades nacionais, a muçulmana sunita, não está representada. Apesar dela ter sido a grande perdedora desse período violento, em batalhas sangrentas travadas recentemente em Tripoli, não se pode desprezar a sua força.

Outro grupo que não assumiu qualquer compromisso para um armistício foi justamente aquele que deu início às hostilidades. É o que representa milhares de refugiados palestinos. É verdade que eles perderam muito de sua representatividade, em virtude de profundas divisões internas e do massacre a que foram submetidos, em agosto passado, mormente nos acampamentos de Sabra, Chatila e Bourj-Barajneh, na parte sul da capital libanesa. Mas podem querer partir para a desforra, comprometendo, assim, todo o processo pacificador.

O segundo ponto que pode, senão levar ao fracasso, pelo menos colocar em perigo mais esse pacto, é a falta de consenso verificada numa das comunidades envolvidas, a cristã. O presidente Amin Gemayel, por exemplo, não foi consultado sobre o acordo e já afirmou ser contrário ao mesmo.

Provavelmente por essa razão está sendo convocado a Damasco, para quinta-feira, onde irá manter uma reunião com o presidente sírio Hafez Assad, mentor e principal fiador desse armistício. Certamente, na oportunidade, ele será alertado para as implicações que um eventual fracasso da medida poderia trazer para o país, literalmente exaurido por essa insensata sangria de vidas e de recursos materiais.

Mas na comunidade cristã maronita libanesa não é somente o presidente Amin Gemayel que se opõe ao pacto. Também os ex-presidentes Camille Champun e Suleiman Franjieh estão contrários a ele. Os motivos são óbvios. Como políticos, ambos estão assustados com o esvaziamento do seu poder e com o fato dos muçulmanos ganharem acesso aos cargos mais importantes da República, embora isso seja questão de justiça, pela evidente preponderância de seus adeptos, numericamente falando, no país.

Xiitas, drusos e sunitas, somados, hoje perfazem bem mais da metade da população do Líbano. Não é prudente, portanto, que lhes continue sendo vedada a tarefa da gestão dos negócios de Estado.

O fato dos sunitas não terem firmado o pacto de Damasco se torna mais grave quando se sabe que uma das medidas previstas no mesmo é a formação de um novo gabinete nacional de coalizão, para substituir exatamente o do primeiro-ministro da seita que não está incluída no armistício, Rashid Karami. Qual será a reação dessa comunidade ao ser deixada à margem do processo?

Em contrapartida, uma outra providência, adotada ontem, pelos três chefes milicianos, pode neutralizar os pontos negativos observados no processo pacificador. Foi o fato deles ordenarem a seus comandados para que não disparem um só tiro, mesmo que provocados, sob pena de serem levados a uma corte marcial.

O momento, pela sua delicadeza extrema, requer medidas duras, exatamente dessa natureza, pelo menos até que as coisas comecem a voltar à normalidade e sejam convocadas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, previstas para uma outra etapa.

O Líbano precisa modernizar suas instituições, já que a Constituição que está em vigor é a mesma de 1926 (quando o país, junto com a Síria, era colônia francesa), emendada em 1927, 1929, 1943, 1947 e 1976. Além de ultrapassada pelo tempo, essa Carta Magna transformou-se, portanto, em autêntica colcha de retalhos.

Será preciso ainda muita negociação para que o Líbano possa respirar aliviado por se livrar do flagelo da guerra civil. Mas o que é importante é que o passo decisivo já foi dado. Basta, agora, que os neurônios falem mais alto do que os hormônios e que, com prudência e com sabedoria, se ampliem, ilimitadamente, as bases desse pacto original. O resto é questão de tempo.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 31 de dezembro de 1985).


 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk       

No comments: