Tuesday, July 21, 2015

A incerteza de um amanhã


Pedro J. Bondaczuk

O secretário-geral do Partido Comunista soviético, Mikhail Gorbachev, fazendo um balanço da reunião de cúpula (realizada em Genebra, na semana passada), perante os seus pares do Soviete Supremo, colocou, ontem, suas cartas sobre a mesa. Numa avaliação dura e pessimista, deu a entender, nas entrelinhas, que aquela conferência foi outro monumental fracasso, pelo menos nos pontos substanciais das controvérsias que separam a União Soviética e os Estados Unidos.

É verdade que admitiu um progresso no relacionamento das superpotências. Este, entretanto, nem tinha como piorar mais do que já estava, a não ser que um país declarasse guerra ao outro, o que (ambos admitiram por escrito) seria fatal para a sobrevivência dos dois.

A principal questão, que é a insensata e vertiginosa corrida armamentista, que apenas desde abril passado já foi responsável pela fabricação e instalação de 300 novas armas nucleares de parte a parte, não cessou. Pelo contrário, tudo leva a crer que deverá se acelerar ainda mais. E nenhum acordo, ou sequer esboço, foi obtido em Genebra que possa dar qualquer esperança de que essa estupidez esteja próxima de parar.

O “circo” desta vez foi tão bem montado, os atores foram tão bem ensaiados, que até mesmo a consciência planetária (os vários grupos pacifistas espalhados por todos os continentes) acabou sendo tapeada. As enormes manifestações programadas para servir de pressão aos dois líderes acabaram se esvaziando. Ou pelo menos não ganharam a repercussão que mereceriam na imprensa.

As esperanças mundiais por resultados eram tamanhas, que um seco documento conjunto, admitido explicitamente o fracasso das conversações, acabou sendo analisado sob uma óptica otimista. Os observadores (e entre eles, nos incluímos) acabaram vendo progressos onde estes não existiam.

Os “falcões”, tanto do Pentágono, quanto os do Cremlin, que têm na corrida armamentista a sua grande fonte de poder, prevaleceram. No que o mundo ficou mais distante do perigo de uma guerra nuclear após a reunião de cúpula? Qual a garantia de que amanhã (ou, quem sabe, hoje mesmo) algum incidente ridículo, como o ocorrido, por exemplo, com o disparo acidental de um míssil soviético, em janeiro deste ano, na Noruega, não levará as superpotências a se verem diante dessa aterradora decisão de mútua retaliação?

Seriam, acaso, os termos do comunicado conjunto, admitindo o óbvio ululante, ou seja, que uma confrontação armada entre União Soviética e Estados Unidos jamais deverá acontecer, pela impossibilidade de apresentar um vencedor? Ora, isso não é um compromisso! Se fosse, nenhum dos dois continuaria se armando. Mas ambos continuam.

Aquela velha citação latina que diz “se queres a paz prepara-te para a guerra” podia funcionar a contento no Império Romano, onde as batalhas eram decididas no corpo-a-corpo, em locais limitados, sem grandes riscos para as pessoas que nada tinham a ver com o conflito.

Nos dias de hoje, com os arsenais norte-americanos e soviéticos estufados de ogivas arrasadoras, numa proporção de uma para cada cidade de porte grande e médio do Planeta, fiar-se nesse adágio é uma insânia. Mais do que isso, irreversível tendência suicida.

Por isso, o mais sensato que se tem a fazer é se admitir as evidências. Dar o devido “nome aos bois”. Não enganar a opinião pública e se afirmar a verdade, por mais assustadora que ela seja. A reunião de cúpula de Genebra, naquilo que era substancial, fracassou. De sua realização, nenhuma conseqüência benéfica adveio ou advirá para a humanidade.

Só quem lucrou foram os vorazes e tresloucados “falcões” do Cremlin e do Pentágono. As razões do fracasso não interessam a ninguém. O que nos interessa é que, por causa das ambições inconfessáveis de alguns grupinhos, continuamos nos recolhendo ao nosso leito à noite sem ao menos termos a certeza de que poderemos ter um amanhã. E isso é aterrador...

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 28 de novembro de 1985).

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