Monday, July 13, 2015

A exemplar garra de Machado de Assis

Pedro J. Bondaczuk

A insaciável “fome” de saber é um dos aspectos que mais me fascinam na vida de Machado de Assis. Contudo, não é apenas ela que considero mais admirável, embora não seja coisa a se desprezar. Maior admiração, ainda, me causa a sua garra, me desperta a sua determinação, me surpreende o seu empenho de, contra tudo e contra todos, batalhar pela obtenção de conhecimentos. Refiro-me à sua exemplar capacidade de iniciativa para buscar o que queria e precisava onde acreditava que poderia encontrar. Por exemplo, supriu a falta de instrução formal, por não poder freqüentar com assiduidade nenhuma escola, com leitura, muita leitura: eclética, generalista, a mais variada possível. Esse aspecto de sua vida, por sua evidente relevância, eu pretendo enfocar com mais vagar, oportunamente, em análise específica.

Salvo exceções (que existem para tudo), qualquer de nós tem “fome e sede” insaciáveis de conhecimento. Essa imensa e constante curiosidade faz parte da nossa racionalidade Os que têm o privilégio de acesso fácil às fontes de informações – artísticas, filosóficas, científicas etc., enfim, culturais – não têm do que se queixar. Muitos, todavia, por preguiça ou desinteresse ou por tantas outras causas, não aproveitam essa oportunidade. Quem, eventualmente, aproveita-a, se regala com essa magnífica experiência que é a de saber das coisas. A imensa maioria das pessoas, porém, não conta com o privilégio de acesso fácil às fontes de conhecimento. Sua remuneração (quando tem alguma) é insuficiente para pagar uma boa escola, para a aquisição de livros, para visitar museus, para viajar etc. A tendência natural é desanimar, desistir da busca pelo saber e culpar a família, a sociedade, o mundo, as estrelas por sua miséria. Quem está nessa situação não demonstra iniciativa para suprir a falta de oportunidades, que têm que ser buscadas, porquanto raramente caem do céu (se é que caiam).

Machado de Assis, por exemplo, na sua juventude, não ganhava o suficiente para comprar as obras que desejava (e precisava) ler. O que fez? Desanimou? Saiu por aí, culpando mundo e fundo? Não! Agiu. Passou a freqüentar bibliotecas. Emprestou livros de amigos. Enfim, se mexeu para aprender o que queria e precisava. Com o tempo, assim que seu trabalho lhe permitiu comprar essas preciosidades que tanto o fascinavam (não muitas, pois não consta que tivesse sido homem de posses, pelo contrário) investiu nesse “tesouro”. E nem chegou a reunir tantos livros assim. Depois de sua morte, foi feito um levantamento em sua biblioteca. Constatou-se que seu acervo consistia de cerca de 600 volumes encadernados, 400 em brochura e 400 folhetos e fascículos. Ou seja, havia por volta de 1.400 peças; Pouco, não é mesmo? A minha biblioteca, que não é nenhuma maravilha, tem mais de quatro mil livros.

Como Machado de Assis supria essa relativa carência de fontes de informação? Frequentando, assiduamente, a principal biblioteca do Rio de Janeiro. Emprestando livros de amigos. Conversando com intelectuais. Trocando idéias. Observando as pessoas. Vivendo, enfim. Sobretudo, praticava o que aprendia. O historiador britânico do século XV, Thomas Fuller, escreveu que “o conhecimento é um tesouro, mas a prática é a chave para alcançá-lo”. Era o que Machado de Assis fazia. Praticava, reitero, o que aprendia, criando enredos e personagens imortais e enriquecendo o patrimônio literário, artístico e cultural do seu país e do seu tempo. Não adianta aprendermos o que quer que seja somente por aprender, embora isso possa nos dar imensa satisfação (a mim, confesso, dá). O inteligente é encontrar alguma utilidade prática para esse conhecimento.

Nada, absolutamente nada desviou seus passos da trilha desse tesouro de sabedoria: nem a velhice, nem as sucessivas doenças decorrentes dela ou agravadas por ela, nem mesmo a irreparável perda de Carolina, o amor de sua vida. Sabe-se que, nos derradeiros anos, mesmo abalado com a morte da esposa, continuava lendo (a despeito de sua parcial cegueira), trabalhando, estudando e frequentando algumas rodas de amigos. Em seus últimos anos, teria, até, iniciado estudos da nada fácil língua grega, para ler (e compreender melhor) os principais filósofos da Grécia Antiga, como Platão, Sócrates, Aristóteles e vai por aí afora.

Essa garra de Machado de Assis é o que mais me fascina e me induz a pelo menos tentar imitá-lo, já que devemos imitar (óbvio) quem seja digno de imitação. E, convenhamos. poucos são, ou foram, pelo menos como ele. A saudosa e também exemplar poetisa Cora Coralina escreveu que “o saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende com a vida e com os humildes”. E não é?! Machado de Assis foi muito mais do que mero “acumulador” e “difusor” de sabedoria (o que não é pouca coisa). Foi sábio, por haver aprendido com a vida e com os humildes, com os quais cruzou em seu caminho e os quais tão bem retratou em sua preciosa literatura.


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