A exemplar garra de
Machado de Assis
Pedro
J. Bondaczuk
A insaciável “fome” de
saber é um dos aspectos que mais me fascinam na vida de Machado de Assis.
Contudo, não é apenas ela que considero mais admirável, embora não seja coisa a
se desprezar. Maior admiração, ainda, me causa a sua garra, me desperta a sua
determinação, me surpreende o seu empenho de, contra tudo e contra todos,
batalhar pela obtenção de conhecimentos. Refiro-me à sua exemplar capacidade de
iniciativa para buscar o que queria e precisava onde acreditava que poderia
encontrar. Por exemplo, supriu a falta de instrução formal, por não poder
freqüentar com assiduidade nenhuma escola, com leitura, muita leitura:
eclética, generalista, a mais variada possível. Esse aspecto de sua vida, por sua
evidente relevância, eu pretendo enfocar com mais vagar, oportunamente, em
análise específica.
Salvo exceções (que
existem para tudo), qualquer de nós tem “fome e sede” insaciáveis de
conhecimento. Essa imensa e constante curiosidade faz parte da nossa
racionalidade Os que têm o privilégio de acesso fácil às fontes de informações
– artísticas, filosóficas, científicas etc., enfim, culturais – não têm do que
se queixar. Muitos, todavia, por preguiça ou desinteresse ou por tantas outras
causas, não aproveitam essa oportunidade. Quem, eventualmente, aproveita-a, se
regala com essa magnífica experiência que é a de saber das coisas. A imensa
maioria das pessoas, porém, não conta com o privilégio de acesso fácil às
fontes de conhecimento. Sua remuneração (quando tem alguma) é insuficiente para
pagar uma boa escola, para a aquisição de livros, para visitar museus, para
viajar etc. A tendência natural é desanimar, desistir da busca pelo saber e
culpar a família, a sociedade, o mundo, as estrelas por sua miséria. Quem está
nessa situação não demonstra iniciativa para suprir a falta de oportunidades,
que têm que ser buscadas, porquanto raramente caem do céu (se é que caiam).
Machado de Assis, por
exemplo, na sua juventude, não ganhava o suficiente para comprar as obras que
desejava (e precisava) ler. O que fez? Desanimou? Saiu por aí, culpando mundo e
fundo? Não! Agiu. Passou a freqüentar bibliotecas. Emprestou livros de amigos.
Enfim, se mexeu para aprender o que queria e precisava. Com o tempo, assim que
seu trabalho lhe permitiu comprar essas preciosidades que tanto o fascinavam
(não muitas, pois não consta que tivesse sido homem de posses, pelo contrário)
investiu nesse “tesouro”. E nem chegou a reunir tantos livros assim. Depois de
sua morte, foi feito um levantamento em sua biblioteca. Constatou-se que seu
acervo consistia de cerca de 600 volumes encadernados, 400 em brochura e 400
folhetos e fascículos. Ou seja, havia por volta de 1.400 peças; Pouco, não é
mesmo? A minha biblioteca, que não é nenhuma maravilha, tem mais de quatro mil
livros.
Como Machado de Assis
supria essa relativa carência de fontes de informação? Frequentando,
assiduamente, a principal biblioteca do Rio de Janeiro. Emprestando livros de
amigos. Conversando com intelectuais. Trocando idéias. Observando as pessoas.
Vivendo, enfim. Sobretudo, praticava o que aprendia. O historiador britânico do
século XV, Thomas Fuller, escreveu que “o conhecimento é um tesouro, mas a
prática é a chave para alcançá-lo”. Era o que Machado de Assis fazia. Praticava,
reitero, o que aprendia, criando enredos e personagens imortais e enriquecendo
o patrimônio literário, artístico e cultural do seu país e do seu tempo. Não
adianta aprendermos o que quer que seja somente por aprender, embora isso possa
nos dar imensa satisfação (a mim, confesso, dá). O inteligente é encontrar
alguma utilidade prática para esse conhecimento.
Nada, absolutamente
nada desviou seus passos da trilha desse tesouro de sabedoria: nem a velhice,
nem as sucessivas doenças decorrentes dela ou agravadas por ela, nem mesmo a
irreparável perda de Carolina, o amor de sua vida. Sabe-se que, nos derradeiros
anos, mesmo abalado com a morte da esposa, continuava lendo (a despeito de sua
parcial cegueira), trabalhando, estudando e frequentando algumas rodas de
amigos. Em seus últimos anos, teria, até, iniciado estudos da nada fácil língua
grega, para ler (e compreender melhor) os principais filósofos da Grécia
Antiga, como Platão, Sócrates, Aristóteles e vai por aí afora.
Essa garra de Machado
de Assis é o que mais me fascina e me induz a pelo menos tentar imitá-lo, já
que devemos imitar (óbvio) quem seja digno de imitação. E, convenhamos. poucos
são, ou foram, pelo menos como ele. A saudosa e também exemplar poetisa Cora
Coralina escreveu que “o saber a gente aprende com os mestres e os livros. A
sabedoria se aprende com a vida e com os humildes”. E não é?! Machado de Assis
foi muito mais do que mero “acumulador” e “difusor” de sabedoria (o que não é
pouca coisa). Foi sábio, por haver aprendido com a vida e com os humildes, com
os quais cruzou em seu caminho e os quais tão bem retratou em sua preciosa
literatura.
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