Conseqüências de três curtos dias de loucura
O Brasil inteiro estará, mais uma vez, como acontece em
todos os anos neste período, imerso na folia nos próximos três dias. Os foliões
esquecerão o “gatilho”, os pacotes econômicos, a dívida externa, a moratória e
até mesmo sua miséria, para dar vazão aos seus recalques e remoques.
Só que, ao invés de aliviarem a
sua situação, reconhecidamente entre as piores do mundo (pelo menos isto é
válido em relação à “massa” que participa dos festejos), estarão se complicando
ainda mais. Como em todo o sonho, sempre chega a hora de acordar. E este
momento é a Quarta-Feira de Cinzas.
É impossível de se atinar com o
valor exato que o Carnaval produz de prejuízos para o País e para cada um que
brinca (e até que não brinca), isto sem falar nos ônus físicos, morais e
sociais. Para uma sociedade que precisa desesperadamente trabalhar, trabalhar e
trabalhar para fazer frente a uma dívida monumental, a maior do Planeta, três
dias de absoluto ócio é um luxo a que ela não tem o direito de se dar.
Imagine o leitor o pasmo de um
cidadão norte-americano, ou europeu, quando assistir pela televisão as cenas
deslumbrantes dessa nossa festa popular (as imagens, pelo menos do desfile do
Rio de Janeiro, estão sendo mandadas para o mundo todo), principalmente quando
sabe que há somente uma semana o Brasil declarou uma moratória mo pagamento dos
juros dôo seu endividamento (já que o principal ele não paga desde a época do
presidente Getúlio Vargas, em sua primeira gestão, antes que ele também
interrompesse o cumprimento desse compromisso)!
Qualquer pessoa equilibrada, em
sã consciência, imaginaria que em circunstâncias, como esta, todo o povo
estaria preocupado com o dia de amanhã. Que, envergonhado, estaria se
arrebentando de tanto trabalhar, para sair de tamanho buraco. O que os
indivíduos de outros países poderão vir a pensar de nós?
Com que olhos seremos vistos no
Exterior? Certamente, com os mesmos com que estamos sendo encarados h’[a muito
tempo. Estamos firmando, cada dia mais, a nossa fama de irresponsáveis. Pode
haver, certamente, quem queira contra-argumentar que o Carnaval traz divisas
para o Brasil. Que o número de turistas nesta época do ano supera todas as
expectativas, deixando aqui o seu rico dinheirinho.
Esses “trocados”, no entanto, não
dão sequer para amainar o mínimo do prejuízo que a organização do festejo
provoca. Por exemplo, a Riotur prevê uma perda de Cz$ 10 milhões (que ninguém
acha nas ruas nesta época) com a organização dos desfiles, mesmo tendo esgotado
a venda de todos os ingressos para assistir a passagem das escolas de samba na
Marquês de Sapucaí.
E quem é que vai pagar esta
conta? O governo do Estado do Rio de Janeiro? Como, se ele está, a exemplo do
que acontece com a maioria das unidades da Federação, também falido?! Esse ônus
será a própria população que irá ter que arcar. Mesmo aquelas pessoas que não
gostam de Carnaval (e sabem distinguir perfeitamente entre o sonho e a
realidade).
Num país onde 30% da população é
analfabeta, onde a saúde pública é uma calamidade (vejam-se os surtos de
dengue, febre amarela, malária, hanseníase e até peste bubônica, para não
mencionar a Aids, que estão grassando por aí), sem verbas para assistência
social, com déficit de no mínimo 12 milhões de moradias (este é o número
oficial de favelados que temos), onde quatro crianças morrem por minuto por
absoluta falta de ter o que comer; onde 36 milhões de menores são carentes, não
se pode desperdiçar dinheiro dessa maneira.
E os prejuízos pessoais? Estes
nem é bom mencionar! Por exemplo, de acordo com estatísticas (nas quais não
somos grandes peritos), em 1985, na época do Carnaval daquele ano, 1.400
pessoas morreram, em apenas três dias, em cinco mil acidentes de veículos
envolvendo motoristas alcoolizados.
Estes dados foram fornecidos pelo
presidente do Conselho Nacional de Trânsito, Marcos Cabral, que estava alarmado
pelo que poderia acontecer hoje, amanhã e terça-feira. Quantos crimes de morte,
por outro lado, não foram registrados?! Quanto trabalho extra e desnecessário
não foi acrescido aos nossos desassistidos hospitais?! Quantos filhos de mães
solteiras não haverão de nascer até o fim do ano, muitos deles, certamente,
aumentando as relações de mortalidade infantil, a curto prazo, e de menores
abandonados, num tempo um pouco maior? Quantos casamentos, noivados e namoros
não serão desfeitos, em virtude desse breve momento de loucura?
E o depois? A maioria já pensou
no depois? Quantos casos de dengue não serão registrados, já que o Rio de
Janeiro vive uma epidemia, e não mais um simples surto da doença? Em quanto o
mortal vírus da Aids não irá se expandir, em virtude da promiscuidade sexual,
do uso e abuso de drogas e de transfusões de sangue que muitos terão que tomar,
em conseqüência dos vários desastres em que certamente irão se envolver?
Quem age assim tem o direito de
criticar falcatruas, corrupções e incompetências governamentais? Cada povo tem
o governo que merece. Quem exige responsabilidade alheia precisa, no mínimo,
ser responsável pelo menos com a sua própria pessoa. E quem assiste o
espetáculo deprimente (que faria com que os habitantes das bíblicas cidades
corruptas de Sodoma e de Gomorra corassem de vergonha) dos bailes de salão,
cariocas, mostrados pela televisão, sabe que isto está só no terreno da ficção.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 1 de março
de 1987).
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