Sunday, July 26, 2015

Conseqüências de três curtos dias de loucura

 Pedro J. Bondaczuk
  
O Brasil inteiro estará, mais uma vez, como acontece em todos os anos neste período, imerso na folia nos próximos três dias. Os foliões esquecerão o “gatilho”, os pacotes econômicos, a dívida externa, a moratória e até mesmo sua miséria, para dar vazão aos seus recalques e remoques.

Só que, ao invés de aliviarem a sua situação, reconhecidamente entre as piores do mundo (pelo menos isto é válido em relação à “massa” que participa dos festejos), estarão se complicando ainda mais. Como em todo o sonho, sempre chega a hora de acordar. E este momento é a Quarta-Feira de Cinzas.

É impossível de se atinar com o valor exato que o Carnaval produz de prejuízos para o País e para cada um que brinca (e até que não brinca), isto sem falar nos ônus físicos, morais e sociais. Para uma sociedade que precisa desesperadamente trabalhar, trabalhar e trabalhar para fazer frente a uma dívida monumental, a maior do Planeta, três dias de absoluto ócio é um luxo a que ela não tem o direito de se dar.

Imagine o leitor o pasmo de um cidadão norte-americano, ou europeu, quando assistir pela televisão as cenas deslumbrantes dessa nossa festa popular (as imagens, pelo menos do desfile do Rio de Janeiro, estão sendo mandadas para o mundo todo), principalmente quando sabe que há somente uma semana o Brasil declarou uma moratória mo pagamento dos juros dôo seu endividamento (já que o principal ele não paga desde a época do presidente Getúlio Vargas, em sua primeira gestão, antes que ele também interrompesse o cumprimento desse compromisso)!

Qualquer pessoa equilibrada, em sã consciência, imaginaria que em circunstâncias, como esta, todo o povo estaria preocupado com o dia de amanhã. Que, envergonhado, estaria se arrebentando de tanto trabalhar, para sair de tamanho buraco. O que os indivíduos de outros países poderão vir a pensar de nós?

Com que olhos seremos vistos no Exterior? Certamente, com os mesmos com que estamos sendo encarados h’[a muito tempo. Estamos firmando, cada dia mais, a nossa fama de irresponsáveis. Pode haver, certamente, quem queira contra-argumentar que o Carnaval traz divisas para o Brasil. Que o número de turistas nesta época do ano supera todas as expectativas, deixando aqui o seu rico dinheirinho.

Esses “trocados”, no entanto, não dão sequer para amainar o mínimo do prejuízo que a organização do festejo provoca. Por exemplo, a Riotur prevê uma perda de Cz$ 10 milhões (que ninguém acha nas ruas nesta época) com a organização dos desfiles, mesmo tendo esgotado a venda de todos os ingressos para assistir a passagem das escolas de samba na Marquês de Sapucaí.

E quem é que vai pagar esta conta? O governo do Estado do Rio de Janeiro? Como, se ele está, a exemplo do que acontece com a maioria das unidades da Federação, também falido?! Esse ônus será a própria população que irá ter que arcar. Mesmo aquelas pessoas que não gostam de Carnaval (e sabem distinguir perfeitamente entre o sonho e a realidade).

Num país onde 30% da população é analfabeta, onde a saúde pública é uma calamidade (vejam-se os surtos de dengue, febre amarela, malária, hanseníase e até peste bubônica, para não mencionar a Aids, que estão grassando por aí), sem verbas para assistência social, com déficit de no mínimo 12 milhões de moradias (este é o número oficial de favelados que temos), onde quatro crianças morrem por minuto por absoluta falta de ter o que comer; onde 36 milhões de menores são carentes, não se pode desperdiçar dinheiro dessa maneira.

E os prejuízos pessoais? Estes nem é bom mencionar! Por exemplo, de acordo com estatísticas (nas quais não somos grandes peritos), em 1985, na época do Carnaval daquele ano, 1.400 pessoas morreram, em apenas três dias, em cinco mil acidentes de veículos envolvendo motoristas alcoolizados.

Estes dados foram fornecidos pelo presidente do Conselho Nacional de Trânsito, Marcos Cabral, que estava alarmado pelo que poderia acontecer hoje, amanhã e terça-feira. Quantos crimes de morte, por outro lado, não foram registrados?! Quanto trabalho extra e desnecessário não foi acrescido aos nossos desassistidos hospitais?! Quantos filhos de mães solteiras não haverão de nascer até o fim do ano, muitos deles, certamente, aumentando as relações de mortalidade infantil, a curto prazo, e de menores abandonados, num tempo um pouco maior? Quantos casamentos, noivados e namoros não serão desfeitos, em virtude desse breve momento de loucura?

E o depois? A maioria já pensou no depois? Quantos casos de dengue não serão registrados, já que o Rio de Janeiro vive uma epidemia, e não mais um simples surto da doença? Em quanto o mortal vírus da Aids não irá se expandir, em virtude da promiscuidade sexual, do uso e abuso de drogas e de transfusões de sangue que muitos terão que tomar, em conseqüência dos vários desastres em que certamente irão se envolver?

Quem age assim tem o direito de criticar falcatruas, corrupções e incompetências governamentais? Cada povo tem o governo que merece. Quem exige responsabilidade alheia precisa, no mínimo, ser responsável pelo menos com a sua própria pessoa. E quem assiste o espetáculo deprimente (que faria com que os habitantes das bíblicas cidades corruptas de Sodoma e de Gomorra corassem de vergonha) dos bailes de salão, cariocas, mostrados pela televisão, sabe que isto está só no terreno da ficção.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 1 de março de 1987).


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