Saturday, July 25, 2015

Pico solitário de nossas letras

Pedro J. Bondaczuk

A influência de Machado de Assis na Literatura Brasileira foi, e continua sendo, avassaladora. Além de influenciar decisivamente parte considerável de sua geração (o que é complicadíssimo, tendo em vista o fator onipresente nessa atividade, ou seja, a “vaidade”), seguiu e segue influenciando milhares, milhões de escritores novos que buscam seu espaço nesse campo tão competitivo, e por isso tão seletivo. É um fenômeno único, incomparável e inigualável no mundo das letras. Pode-se dizer, sem risco de engano ou de exagero, que a Literatura Brasileira foi uma antes de Machado de Assis e é outra, muito diferente, mais rica, criativa, de qualidade e universal (sem perder o caráter nacional), depois dele. Até mesmo escritores que nunca leram nenhum livro dele (pasmem, existem muitos!), foram influenciados pelos padrões estéticos, temáticos e estilísticos que criou. Foi um pioneiro, um inovador, um desbravador.

Monteiro Lobato, parcimonioso em elogios a seus colegas de letras e crítico implacável até de figuras tidas e havidas como ícones literários – compreensível se levarmos em conta o fato de que era empresário do ramo editorial, dono de uma editora e, por isso, cuidadoso na escolha do que publicava – escreveu o seguinte a propósito do nosso personagem: "É grande, é imenso, o Machado. É o pico solitário das nossas letras. Os demais nem lhe dão pela cintura". É uma avaliação que tem valor multiplicado vinda de quem veio. Ou seja, de alguém tão rigoroso em relação a escritores. É sobejamente conhecida a polêmica que Lobato manteve na imprensa por seus ataques a vários expoentes do modernismo, com críticas ácidas, sobretudo, ao que considerava “exageros” dos participantes da Semana de Arte Moderna de 1922. Todavia, sobre Machado de Assis, não poupou adjetivos: “É grande, é imenso... É o pico solitário de nossas letras”.

No livro “Machado de Assis e a crítica internacional”, organizado pela dupla Benedito Antunes e Sérgio Vicente Motta (Publicação da Unesp), consta, em certo trecho: "[...] há um universalismo que Machado legou à nossa literatura e uma projeção de nossa literatura à esfera internacional, ao construir uma arte ao mesmo tempo brasileira e universal. Portanto, a invenção machadiana já pressupunha 'caminhos cruzados'". O autor de “Dom Casmurro” foi inovador em todos os gêneros literários, embora seja visto como tal “apenas” no romance e no conto, provavelmente por desconhecimento do conjunto de sua obra. Inovou, inclusive, no teatro, posto que tal inovação nunca foi devidamente reconhecida. Basta, porém, ler atentamente as dez peças que escreveu para detectar claros elementos inovadores.

Um aspecto pouco mencionado é sua atuação na crítica – não somente literária, mas das artes em geral – sobretudo na imprensa do seu tempo. Como se vê, por mais que se estude a obra de Machado de Assis, sempre haverá alguma lacuna, algo não observado e a ser estudado, analisado e comparado. Há quem conteste sua produção poética, considerando-a “comum”, trivial, pelo menos sem o mesmo brilho dos seus contos e romances. Atribuo isso, igualmente, ao desconhecimento. Leiam seus quatro livros do gênero (“Crisálidas’, “Falenas”, “Americanas” e “Ocidentais”) com a devida atenção e verão seu caráter sumamente inovador.

O poeta, jornalista, crítico literário e professor de Literatura pernambucano, Francisco César Leal (falecido em 5 de junho de 2013), observou a propósito, em memorável conferência que proferiu em 2008, na Academia Brasileira de Letras: “Uma das razões que tornam a poesia de Machado de Assis fechada ao leitor moderno é o caráter reflexivo de sua expressão. Essa é uma das características da poesia antiga desde Homero, passando por Virgílio e Horácio, e imprimindo a sua marca aos poetas posteriores que, em qualquer época, escreveram segundo o cânon antigo. A estes Horácio, Virgílio e Homero é o que o Curtius chama de clássicos normais”. Esta foi a grande inovação introduzida por Machado de Assis na poesia brasileira: a reflexão. Até então, ela era caracterizada, sobretudo, pela descrição, eivada de metáforas, com excessiva retórica, mas nada reflexiva. Expressava o que o poeta “sentia”, mas não o que “pensava”. Era emoção em detrimento da razão.

César Leal disse mais: “A poesia lírica de Machado não expressa apenas sentimentos, mas aquilo que ao pensamento vai sendo comunicado pela reflexão. A reflexão tem o poder de multiplicar as combinações intuitivas, anula os entusiasmos afetivos, geralmente carregados de retórica, retórica prosaica e não retórica poética. Por exemplo, a retórica de um Homero, de um Bucano, de um Shakespeare, de um Camões, de um Goethe, são retóricas que se podem tolerar muito bem, e seriam até necessárias. Até mesmo o nosso Carlos Drummond de Andrade tem momentos de alguma retórica”. Ou seja, Machado de Assis conferiu à poesia objetividade, sem que essa viesse em detrimento da sensibilidade.

Hoje, esse caráter reflexivo é trivial em qualquer poeta moderno (ou pós-moderno), não importa a que “ismo” esteja vinculado. Todavia, muitos esquecem que essa característica tem que ser creditada ao talento poético, ao pioneirismo e ao caráter inovador do Bruxo do Cosme Velho. É normal que seja citada, amiúde, “só” a influência que ele exerceu no conto e no romance, estabelecendo novos parâmetros. Afinal são as categorias literárias mais atrativas e, portanto, mais populares. Todavia não é correto afirmar que ele fixou conceitos inovadores apenas nesses gêneros. Inovou, também, no teatro, na crítica e... na poesia. Basta citar apenas dois poetas que Machado de Assis influenciou para se ter uma idéia de sua importância nesse gênero (de estilos e de épocas bem distantes uma da outra): Olavo Bilac e Carlos Drummond de Andrade. Precisa acrescentar mais alguma coisa?


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