Disputa
por comida
Pedro J. Bondaczuk
O grau de extrema miséria em que vivem quase 50
milhões de brasileiros chega a ser indecente, indecência essa apenas superada
pela deslavada indiferença com que os bem aquinhoados encaram esses infelizes
excluídos. Não raro se ouve atribuir a miserabilidade dessas pessoas à sua
suposta indolência, preguiça, ou mesmo irresponsabilidade. São tratadas como se
"quisessem" vegetar à margem da sociedade, sem acesso nem mesmo a
migalhas de comida, quanto mais à saúde, educação e, por conseqüência, a um bom
emprego, razoavelmente remunerado. Não querem, evidentemente!
Serviço, quando aparece para essa gente, é braçal,
rude, de bestas de carga, e pessimamente remunerado (quando pagam). Recebem
alguns trocados, que lhes são dados com cara de nojo e arrogância. Essas
pessoas são tratadas com o maior menosprezo. O serviço que conseguem é aquele
que ninguém quer fazer. Na maior parte das vezes, nem isso logram obter. Quem
não se sujeita a pedir, se humilhando, abrindo mão da dignidade, descamba logo
para a violência, a marginalidade, o banditismo (homens) ou para a prostituição
(mulheres). Em nenhum dos casos, por razões diferentes, esses infelizes têm
vida longa.
Pessoas que raciocinam, vêem um sentido grandioso na
vida e lutam para construir um mundo um pouquinho melhor, lêem, certamente, com
asco matérias como a publicada na edição passada do Notícia Metropolitana,
abordando o grau de abandono e de extrema miséria de aproximadamente 200
famílias (cerca de 800 pessoas) que se espremem nas ocupações Renascença 2 (São
Geraldo) e Beira Rio, na zona Norte de Campinas. Nojo, evidentemente, não
desses brasileiros sofredores, vítimas de um perverso "apartheid"
social, mas de quem permite que haja seres humanos vegetando em tamanha indigência.
E sente impotência por não poder fazer nada para acabar com tanto sofrimento.
O que causa pasmo, é que a maioria dos que fecham os olhos
a essa tragédia social se diz cristã! Sem trabalho (e portanto sem
remuneração), essas pessoas comem o que aparece (quando aparece). Chegam, como
destaca a citada reportagem, a disputar comida com os porcos. E, nos lixões,
com os urubus e os ratos. Lamentável! Vergonhoso! E há quem reclame quando se
escancaram situações como essas na imprensa. Acusam os jornalistas de
"sensacionalistas", por veicularem matérias "de tamanho mau
gosto". E essa gente ainda consegue dormir! Não tem consciência!
A fome é terrível. No desespero de mitigá-la, o
faminto não escolhe o que comer. Tanto faz que seja lixo ou sopa de papelão.
Ambos tendem a intoxicar do mesmo jeito! Com cenas como estas, bem debaixo dos
nossos narizes, que credibilidade têm nossos governantes para virem a público,
através dos meios de comunicação, apregoar a suposta "modernidade"
brasileira? Que modernidade?! A dos excluídos? A dos garimpeiros do lixo? Como
podem dizer que a vida melhorou no País depois do Plano Real? Melhorou para
quem?
Diante de tudo isso, faço minhas as palavras de
Millôr Fernandes, no encerramento da sua coluna de domingo passado, no
suplemento "Mais!" da Folha de S. Paulo, ao abordar os protestos em
Gênova, contra a tal da "globalização" econômica, durante a reunião
anual do Grupo dos Oito realizada naquela cidade italiana: "Ou agora se
decide de uma vez por todas que, pelo simples fato de nascer, o ser humano tem
direito a um mínimo de comida, de abrigo, de educação, de diversão, ou essa
p....explode". E explode tarde!
(Artigo publicado na
página 2, Opinião, do jornal Notícia Metropolitana, em 7 de agosto de 2001).
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